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O método é uma construção orientada por teorias, não é processo estático e absoluto, requer constantemente procedimentos de reavaliação com o intuito de

histórico que não tem ponto final, e onde as contradições são elementos essenciais dos fenômenos, impulsionam as trocas qualitativas da realidade (dialética materialista). (SORIANO, 2012, tradução nossa).

10 O aprofundamento acerca da questão social encontra-se no capítulo 3 desta tese.

11 Sobre a pesquisa em Serviço Social, ver mais em: SETUBAL, Aglair Alencar. Pesquisa em

proporcionar a obtenção dos resultados desejados. Portanto, “os métodos são assim os caminhos facilitadores, em geral, complementares e raramente excludentes” (SANTOS, 2007, p. 15). Por isso, não se pode equiparar o método a um modelo padronizado ou, mesmo ainda, a uma receita que, uma vez aplicada, coleta sem possibilidade de algum eventual erro, os resultados previstos ou desejados.

O método científico torna-se “o meio graças ao qual se pode decifrar os fatos” (KOSIK, 1976, p. 54). Será ele - o método - que delineará os passos pelos quais o/a pesquisador/a deverá seguir para além, da obtenção de dados, realizar também a análise dos resultados de modo a não implicar posturas pragmáticas e acríticas.

O método, portanto, é o caminho no qual a investigação irá percorrer na busca pela construção do conhecimento. Nesta tese, o caminho escolhido para o percurso de análise da realidade deu-se por meio do Método Dialético-Crítico, que busca mais do que fatos isolados, a sua busca consiste na conexão entre os múltiplos fatores que condicionam uma realidade. O desvendamento da realidade acontece por meio de suas contradições, reconhecendo a historicidade e buscando a totalidade, uma vez que leva em conta o contexto social, cultural, econômico e histórico dos sujeitos envolvidos na investigação.

O Método Dialético-Crítico, que fundamentou este estudo, possui, como característica essencial, o espírito crítico e autocrítico, incitando, desta forma, a rever o passado à luz do que está acontecendo no presente, por isso o Método Dialético- Crítico questiona o presente em nome do futuro (KONDER, 2008). A perspectiva de análise da realidade disposta pela dialética marxiana considera o processo de investigação não como um fato isolado, mas sim uma busca constante pela totalidade concreta (KOSIK, 1976).

A dialética materialista busca além do questionamento dos fenômenos e do contexto, a sua transformação em um processo histórico, que envolve categorias analíticas, nas quais foram escolhidas para este estudo quatro categorias - historicidade, contradição, mediação e totalidade -.

Tais categorias do método dialético-crítico permitem apreender a violência sexual contra crianças e adolescentes a partir da complexidade que envolve o seu acometimento na sociedade, desvendando as relações contraditórias que permeiam este fenômeno, levando em consideração os diferentes e dinâmicos contextos econômicos, sociais, culturais e históricos nos quais esta expressão da violência revela-se.

O processo investigativo, a partir da perspectiva marxiana, objetiva de acordo com Netto (2004, p.58), realizar a análise dos fenômenos a partir do seu movimento dinâmico e contraditório dentro da realidade:

O procedimento metodológico próprio a essa teoria consiste em partir do empírico (os fatos), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a sua gênese histórica e o seu desenvolvimento interno e reconstruir, no plano do pensamento, todo esse processo.

Neste sentido, Gadotti (1983, p.19), defende a concepção de que a “dialética em Marx não é apenas um método para se chegar à verdade, é uma concepção do homem, da sociedade e da relação homem-mundo”. A dialética marxiana procura, portanto, reconhecer a historicidade dos fenômenos que são foco da ação investigativa, engendrando-os a partir de suas contradições, buscando sua totalidade concreta na realidade.

Por isso, a dialética marxiana foi concebida de acordo com Hobsbawm (1984), como uma filosofia da ação, ao buscar por meio da investigação aprofundada e crítica a transformação das situações opressoras advindas das condições predatórias impostas pela lógica perversa do capital.

As quatro categorias escolhidas – historicidade, contradição, mediação e totalidade -, objetivam apreender a realidade dos sujeitos de forma a não reconhecê- los como uma unidade estática e sim em constante movimento, visando compreendê-los em seu contexto, desvendando o seu modo e condições de vida (KONDER, 2008).

A historicidade está diretamente imbricada na vida dos sujeitos, pois envolve, além da sua cotidianidade, outros aspectos que determinam os seus modos e condições de vida dentro de um dado contexto, esta categoria nunca está isolada, ou seja, ela “refere-se ao geral” (TRIVIÑOS, 2008, p.80). A historicidade implica o movimento e as transformações da realidade dos sujeitos, as suas atitudes e comportamentos que não são concebidos de forma isolada ou neutra, são determinados por questões e contextos históricos, políticos, sociais, culturais e econômicos.

A contradição busca, por meio da análise crítica da realidade e dos fenômenos, descobrir elementos que agreguem a superação do que está posto, imbricando assim uma constante procura pela essência do fenômeno e, nas

palavras de Kosik (1976), pela destruição da pseudoconcreticidade. Neste sentido, é na categoria contradição que se expressam os espaços de resistência dos sujeitos nas situações degradantes e miseráveis que o sistema capitalista impõe.

Por isso a contradição é “reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem” (KONDER, 2008, p.47), assim como, a possibilidade de superação dos fenômenos que impedem o desenvolvimento social, cultural, político e econômico dos homens.

A mediação, na teoria marxiana, é essencial para a apreensão da realidade, embora não explicitada, esta categoria é substância da própria realidade, uma vez que busca capturar o real na totalidade das determinações que envolve os fatos sócio-históricos. No campo das mediações, também chamado por Lukács (1979), como dialética da particularidade, as singularidades (imediatas e desistoricizadas, portanto, acríticas e fragmentadas) vitalizam-se com as leis universais dialeticamente interligadas.

A ruptura com a facticidade da singularidade possibilita o desvendamento dos complexos sociais, negando o imediato, a pseudoconcreticidade e desvendando as forças e processos implicados na gênese do fenômeno.

Na esfera da universalidade se encontram as grandes determinações e leis tendenciais de um dado complexo social. Leis e determinações estas que na esfera da singularidade ficam ocultas pela dinâmica dos fatos (imediaticidade/facticidade). Na esfera da singularidade cada fato parece explicar-se a si mesmo, obedecendo uma causalidade caótica. (PONTES, 2007, p.41).

A mediação, logo, é portadora de dinamismo e articulação (PONTES, 2007), pois é ela que movimenta o real, movimentando também o método para que esse não se engesse no processo de apreensão da realidade dos complexos sociais. O campo das mediações possibilita o caminho metodológico para a apreensão dos fenômenos no plano da mediaticidade.

Tal caminho realiza-se por meio de sucessivas aproximações com as determinações histórico-concreto-estrutural dos fenômenos, o conhecimento dialético da realidade, rompe, portanto, com a aparência fenomênica na qual as coisas apresentam-se de forma acabada.

Lukács (1979, p.84) afirma “que toda aparência ou fenômeno é essência que aparece, toda essência aparece de algum modo, nenhuma das duas pode estar

presente nesta relação dinâmica, contraditória”. A busca pela essência do fenômeno será mediatizada pela sua aparência, ou seja, uma não prescinde da outra, estão dialeticamente interligadas. A busca pela apreensão da violência sexual em suas múltiplas manifestações, na perspectiva de totalidade, também requer sucessivas aproximações com suas aparências imediatas, pois é nelas que a essência irá manifestar-se.

As categorias que constituem o método crítico-dialético, dentre elas a mediação, são expressões do movimento da realidade, portanto, não podem ser isoladas ou fragmentadas. A apreensão destas exige um movimento dialético que busque a totalidade concreta dos fatos. A categoria da totalidade implica “um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido [...]” (KOSIK, 1976, p. 44).

A partir disso, a totalidade empregada como categoria para análise da realidade permite ao (a) pesquisador (a) compreender a realidade do sujeito dentro do todo. Entende-se que o enfoque Dialético-Crítico, em relação à pesquisa, busca desvendar a realidade concreta a partir dos aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos que envolvem a dinâmica de sua prática, trazendo a luz das quatro categorias - sinteticamente explicitadas nesse capítulo - aspectos que primem pelo desvendamento da realidade, procurando não fragmentá-la e priorizando a busca da essência do fenômeno.

O método, na investigação científico-social, possibilita ao (a) pesquisador (a) desnudar a realidade ocultada na sua aparência fenomênica, desvendando as contradições na busca da apreensão da totalidade de cada fenômeno. Nesse sentido, Soriano (2012, p.17) ao referir-se ao método problematiza que:

El método12– apuntan diversos autores – es el camino que se sigue en la

investigación. Pero, ¿ cuál es ese camino?, ¿ está trazado de una vez y para siempre y basta seguirlo para alcanzar la verdad científica? Tal señalamiento sólo permite mostrar que el método es un hilo conductor que orienta el trabajo científico y que debe adecuarse a la complejidad del objeto

12O método

– apontam diversos autores – é o caminho que se segue na investigação. Mas, qual é esse caminho? Está traçado de uma vez e para sempre e basta segui-lo para alcançar a verdade científica? Tal sinalização somente permite mostrar que o método é um fio condutor que orienta o trabalho científico e que deve adequar-se a complexidade do objeto de estudo, assim como as exigências particulares da investigação e do contexto histórico-social em que ele se realiza. (SORIANO, 2012, p.17, tradução nossa).

de estudio, así como a las exigencias particulares de la investigación y del contexto histórico-social en el que se realiza.

Por ser um caminho, o método não pode ser tratado sob o prisma da rigidez, o engessando em uma verdade plena e totalizadora de forma unilateral e autoritária. Ao contrário, o método possibilita ao (a) pesquisador (a) uma lente para que este (a) possa investigar a realidade sob determinada visão de mundo. O método na abordagem marxiana, segundo Löwy (1985, p.15), aplica-se a todos “os fenômenos econômicos ou sociais, todas as chamadas leis da economia, ou da sociedade, são produtos da ação humana, e, portanto, podem ser transformados por essa ação”.

Tanto o método quanto suas categorias, na dialética materialista, não são considerados como leis estáticas e eternas ou ainda naturais. As categorias analíticas são resultados do processo de ação e interação, de produção e reprodução do ser humano nas suas relações entre si e com a sociedade, e doravante, podem ser transformadas e superadas.

Tendo como embasamento esta apreensão metodológica da realidade social, percebe-se que o estudo da violência e suas diversas implicações é um desafio permanente, imposto aos (as) pesquisadores (as). Quando crianças e adolescentes são as vítimas deste fenômeno, a complexidade torna-se um elemento intransponível para uma análise mais aprofundada. O enfrentamento à violência sexual está diretamente relacionado à apreensão deste fenômeno a partir da multiplicidade das determinações que o engendram na dinâmica da sociedade.

Partindo deste pressuposto, elaborou-se a seguinte tese: A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno multideterminado, multifacetado e complexo que envolve diversos aspectos como relações desiguais de gênero, de classe, étnico-raciais, intergeracionais, intrafamiliares e interpessoais bem como sua produção e reprodução está diretamente implicada na disseminação de padrões socioculturais calcados no machismo, patriarcado e sexismo13.

A resposta para o seu enfrentamento no âmbito das ações de atendimento da proteção social especial de média complexidade da Política de Assistência Social deve superar a espontaneidade14 do cotidiano, buscando apreender a totalidade que

13 As categorias machismo, patriarcado e sexismo serão aprofundadas no capítulo 4 desta tese. 14 A espontaneidade é apreendida segundo Heller (1982) como uma característica dominante da vida

cotidiana. Juntamente com o imediatismo corrobora para a naturalização dos modos de ser da sociedade capitalista, incidindo em processos interventivos imediatistas com ações quase irrefletidas, restritos ao cumprimento de tarefas rotineiras, abstraindo das respostas dadas ao enfrentamento das

engendra cada situação de violência sexual. Assim, fatores como a interdisciplinaridade e a intersetorialidade tornam-se imprescindíveis para garantir um atendimento que seja integralizador, acolhedor e humanizado, rompendo com o padrão hegemônico revitimizador das respostas dadas pelo Estado frente a essa expressão da violência na cena contemporânea.

A pesquisa embasou-se no método dialético-crítico que busca apreender a realidade social a partir da “lógica da coisa” (MARX, 2005, p.39), como reconstrução do movimento do real e, portanto, como concreto-pensado. A pesquisadora entende que a construção de um serviço qualificado e comprometido com a construção de uma cultura de proteção aos direitos da infância e da adolescência, no âmbito das ações do CREAS, deve acontecer por meio da materialização da interdisciplinaridade e da intersetorialidade que se assentam enquanto um constante desafio aos profissionais e as políticas sociais que buscam a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes a viver uma vida sem violência.