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Rompendo o silêncio : o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil no âmbito dos CREAS tocantinenses

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Academic year: 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

Nos

MONIQUE SOARES VIEIRA

ROMPENDO O SILÊNCIO: O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL NO ÂMBITO DOS CREAS TOCANTINENSES

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MONIQUE SOARES VIEIRA

ROMPENDO O SILÊNCIO: O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL NO ÂMBITO DOS CREAS TOCANTINENSES

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, para obtenção do grau de Doutora em Serviço Social.

ORIENTADORA: Profª Drª. Patrícia Krieger Grossi

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V658r Vieira, Monique Soares

Rompendo o silêncio: o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil no âmbito dos CREAS tocantinenses / Monique Soares Vieira. – Porto Alegre,2015.

250 f.

Tese (Doutorado) – Faculdade de Serviço Social, PUCRS. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Patrícia Krieger Grossi

1. Serviço Social - Tocantins. 2. Política de Assistência Social. 3. Violência Sexual – Crianças. 4. Violência Sexual – Adolescentes. 5. Proteção Social. I. Grossi, Patrícia Krieger. II. Título.

CDD 362.71

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MONIQUE SOARES VIEIRA

ROMPENDO O SILÊNCIO: O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL NO ÂMBITO DOS CREAS TOCANTINENSES

Tese de Doutorado defendida como requisito para a obtenção do grau de Doutora em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em: 13 de agosto de 2015.

Banca Examinadora:

_______________________________________ Profª Drª Patrícia Krieger Grossi (Orientadora)

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

_______________________________________ Profª. Drª Maria Isabel Barros Bellini (Arguidora)

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

_______________________________________ Profª. Drª Maria Regina Fay de Azambuja (Arguidora) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

_______________________________________ Profª. Drª. Dorian Mônica Arpini (Arguidora) Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

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AGRADECIMENTOS

Ao findar o processo de escrita desta tese tecer os agradecimentos suscita refletir e sentir novamente as emoções que interpelaram o meu caminho, possibilitando-me agradecer a todos (as) que estiveram na dialética longe e perto,

contribuindo para que a presente tese fosse uma realidade concreta.

Primeiramente expresso meus agradecimentos à Deus que me deu força, sabedoria e perseverança para superar os incontáveis obstáculos que se interpuseram na minha caminhada até o presente momento. Deus, muito obrigada por tais provações, pois elas fortaleceram-me e frutificaram-se em coragem e determinação.

Não poderia esquecer uma pessoa querida e especial que há alguns bons anos vem acompanhando minhas aflições e angústias, mas sempre com palavras de apoio e, sobretudo, com um abraço tão acolhedor que sinto que subo aos céus, caminho nas nuvens e regozijo no amor. À você meu amor, amigo, esposo e “companheirinho” Márcio, meus eternos agradecimentos pela sua paciência e carinho que tanto me acalentaram com o seu “jeitinho peculiar”.

Nada disso seria possível sem essa mulher guerreira, que é mais do que minha mãe, é meu exemplo de vida, que um dia Deus me permita ser um terço da pessoa maravilhosa que és. À você minha querida mãe Maria Nelci meus agradecimentos e minha eterna admiração.

Gostaria de expressar meus imensos e sinceros agradecimentos à minha querida orientadora Patrícia Krieger Grossi, que com sua sabedoria e generosidade desperta-me a cada momento o prazer pela pesquisa. Mais do que orientadora, ela é uma mestra, uma pessoa admirável e uma pesquisadora e docente de imensurável competência.

Meus agradecimentos às Professoras Maria Regina Fay de Azambuja, Dorian Mônica Arpini e Maria Isabel Bellini, pelas ricas e profícuas contribuições à minha tese e por dedicarem seu tempo à leitura e a análise de minhas reflexões.

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nesse processo. A você minha querida amiga-irmã a minha gratidão e que nossa amizade perdure por toda nossa vida superarando a distância.

Agradeço as minhas queridas bolsistas Ariolene Mendes, Maisa Carvalho, Alana Alves, Dayelle Castanheira, Andreia Andrade, Aline Sampaio, Andreane Dias, Rosiane Correia e Sabrina Fontenelle, que auxiliaram-me durante o processo de coleta de dados. À vocês queridas meu eterno muito obrigada pelas horas dedicadas a ajudarem a concretizar essa tese.

Aos/as profissionais e coordenadores/as dos CREAS tocantinenses e as famílias que participaram desta pesquisa, meus sinceros agradecimentos. A participação de vocês fora imprescindível para o enriquecimento das reflexões desta tese e para nos aproximarmos na militância política em defesa dos direitos humanos das crianças e adolescentes em situação de violência sexual.

Aos meus queridos amigos Célia e João Albiero que com sua amizade e alegria auxiliaram-me a finalizar esse trabalho. Os divertidos finais de semana e, principalmente, a cumplicidade e companheirismo de vocês serão lembranças que levarei comigo para sempre em minha vida. Agradeço muito por tê-los como amigos.

Aos/as colegas de doutorado da PUCRS que me possibilitaram verdadeiros momentos de alegria, descontração e troca de experiências.

Agradeço à Professora Maria Celva Aquino que me acompanha desde a Graduação, perpassando pelo Mestrado e agora no Doutorado. Muito obrigada pelas suas valiosas correções gramaticais e ortográficas que enriqueceram minha tese.

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“Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons;

Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis”.

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RESUMO

A presente tese de doutorado tem como mote analisar a partir da realidade do Estado do Tocantins, como a Política de Assistência Social, por meio das ações dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), vem se configurando para a promoção dos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência sexual. Nesse sentido, a pesquisa buscou primordialmente contribuir para a produção de conhecimentos acerca da violência sexual contra crianças e adolescentes no Tocantins, uma vez que não há pesquisas e estudos significativos sobre essa temática no Estado. Os objetivos específicos buscaram identificar as particularidades da violência sexual; desvendar como as equipes dos CREAS vêm atuando no âmbito interdisciplinar para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes e suas famílias; analisar como a Política de Assistência Social vem buscando materializar a intersetorialidade para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes e investigar de que forma vem sendo garantida a proteção aos direitos e o acesso aos serviços da média complexidade às crianças, adolescentes e famílias residentes nas áreas rurais ou de difícil acesso dos municípios. Tendo em vista os objetivos propostos nesta investigação, o tipo de pesquisa utilizada foi a de enfoque qualitativo, em que se buscou apreender tais aspectos da realidade: as particularidades da violência sexual, a percepção dos sujeitos acerca do fenômeno, os desafios e possibilidades para a efetivação da integralidade do atendimento às crianças e adolescentes em situação de violência sexual. Para a coleta de dados, realizaram-se 17 entrevistas com famílias, profissionais e coordenadores/as do CREAS além da análise documental de 40 prontuários de atendimento dos CREAS. Para analisar os dados coletados na pesquisa, optou-se pela técnica de análise de conteúdo e pelo método de Sistematização da Prática. A análise dos dados permitiu apreender que a construção da integralidade do atendimento às crianças, adolescentes e famílias em situação de violência sexual requer um movimento que promova o rompimento com respostas revitimizantes. Os relatos dos sujeitos revelam a presença de valores calcados em uma cultura baseada na desigualdade socioeconômica, étnico-racial, de gênero e geração, asseverando assim a presença da simetria entre relações desiguais e reprodução da violência sexual. Desse modo, a análise dos dados confirma a tese de que a interdisciplinaridade e intersetorialidade são elementos que corroboram para a efetivação de processos interventivos integralizados ao possibilitar ao CREAS e a rede de proteção superar ações fragmentadas, superficiais e imediatistas.

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ABSTRACT

This doctoral thesis aims to analyze from the State of Tocantins reality, as the Social Assistance Policy's, through the actions of Specialized Social Assistance Reference Centers (CREAS), has been setting for the promotion of the rights of children, adolescents and their families in situations of sexual violence. In this sense, the research sought mainly to contribute to the production of knowledge about sexual violence against children and adolescents in Tocantins, since there is no significant research and studies on this subject in the State. The specific objectives sought to identify characteristics of sexual violence; unravel how teams of CREAS has been acting in the interdisciplinary framework to guarantee the rights of children and adolescents and their families; analyze how the Social Assistance Policy's has sought to materialize the intersectoral approach to confronting sexual violence against children and adolescents and investigate how has been guaranteed the protection of rights and access to the medium complexity services to children, adolescents and families living in rural or to access difficult the municipalities. In view of the objectives proposed in this research, the kind of research used was the qualitative approach, in which they sought to apprehend these aspects of reality: the particularities of sexual violence, the perception of the subjects about the phenomenon, challenges and possibilities for realization of completeness of care for children and adolescents in situations of sexual violence. To collect data, there were 17 interviews with families, professionals and coordinators of CREAS beyond the desk review of 40 medical records of attendance of CREAS. To analyze the data collected in the survey, we opted for the content analysis technique and the systematization method of Practice. Data analysis allowed to grasp that construction of comprehensiveness of care to children, adolescents and families in situation of sexual violence requires a movement that promotes the break with revictimization of answers. The reports of the subjects reveal the presence of subscribers values in a culture based on socioeconomic inequality, ethnic-racial, gender and generation, thus asserting the presence of symmetry between unequal relations and reproduction of sexual violence. Thus, the analysis of the data confirms the thesis that the interdisciplinary and intersectoral approach are elements that support for the effectiveness of integrality of interventional processes to enable the CREAS and the protection network overcome fragmented actions, superficial and immediate.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O Caminho Metodológico da Tese ... 47

Figura 2 – Mapa do Tocantins (Localização no Brasil, Regiões e Municípios da amostra) ... 51

Figura 3 – Gráfico da população de crianças e adolescentes que vivem em condições precárias nas Grandes Regiões – Brasil 1999-2009 ... 55

Figura 4 – Mapa do Índice de Vulnerabilidade à Escravidão ... 94

Figura 5 – Organograma das Relações Familiares Protetoras e Não-Protetoras ... 146

Figura 6 – O Processo de Mediação Teórico-Prática nas Ações Interventivas do CREAS ... 168

Figura 7 – O Enfrentamento à Violência Sexual no CREAS ... 179

Figura 8 – Fluxo de Atendimento as Crianças, Adolescentes e Famílias no PAEFI ... 181

Figura 9 – Ações da Rede de Proteção ... 212

Figura 10 – Roda de Poder, Controle e Sedução ... 219

Figura 11 – Roda da Integralidade e do Atendimento Não Revitimizante ... 221

LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Municípios que participaram da pesquisa ... 50

Quadro 2 - Sujeitos que participaram da pesquisa ... 50

Quadro 3 - Pobreza e Desigualdades Regionais / Geografia de Rotas ... 59

Quadro 4 – Rodovias Federais com maior número de pontos mapeados ... 60

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AVS – Autores/as de Violência Sexual

CAPES – Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CECRIA – Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito

CRAS – Centro de Referência da Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social DECA – Delegacia Especializada da Criança e do Adolescente DISQUE 100 – Disque Denúncia Nacional Direitos Humanos ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MSP – Método de Sistematização da Prática

PAEFI - Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra e Domicílio

PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNC - Política Nacional de Capacitação do SUAS

PNVS – Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

OIT – Organização Internacional do Trabalho

SEPLAN - Secretaria de Planejamento do Tocantins

SETAS - Secretaria Estadual de Trabalho e Assistência Social SGD – Sistema de Garantia de Direitos

SINAN – Sistema de Informações e Agravos de Notificações SIPIA – Sistema de Informação para Infância e Adolescência SUAS – Sistema Único de Assistência Social

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TFG – Trabalho Final de Graduação

UFT – Universidade Federal do Tocantins

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA ... 29

2.1 O Método Dialético-Crítico ... 31

2.2 As Categorias Explicativas da Realidade ... 37

2.3 Tipo de Pesquisa ... 43

2.4 O Processo da Pesquisa ... 45

2.5 Os Sujeitos da Pesquisa ... 48

2.6 As Particularidades da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescente no Tocantins: Aproximações com o Objeto de Estudo ... 54

2.7 Técnicas e Instrumentos da Pesquisa ... 60

2.8 Análise e Interpretação dos Dados ... 63

2.9Pressupostos Éticos da Pesquisa ... 65

3 A CATEGORIA VIOLÊNCIA: Uma Análise Crítico-Conceitual ... 68

3.1 Etimologia da Violência: Conceitos e Significados ... 72

3.2 Capitalismo Contemporâneo Brasileiro: “A fábrica de violência” ... 84

4 A VITIMIZAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: As múltiplas faces de uma violência perversa ... 100

4.1 Abuso Sexual: Uma violência velada ... 103

4.2 Exploração Sexual Comercial: A coisificação do corpo ... 111

5 A REALIDADE DOS CREAS TOCANTINENSES PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES SEXUALMENTE VITIMIZADOS ... 122

5.1 A Percepção dos Sujeitos acerca da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Estado do Tocantins ... 128

5.2 Violência Sexual e Interdisciplinaridade: Reflexões sobre os processos interventivos no âmbito do CREAS ... 155

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6 CONCLUSÕES ... 224

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 230

APÊNDICES ... 247

Apêndice 1 Roteiro de Análise Documental ... 247

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1 INTRODUÇÃO

“Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la.” Bertold Brecht

A presente tese versa sobre a configuração das ações do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), para a promoção dos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência sexual. As reflexões discorridas nesse estudo partem da realidade de cinco municípios do Estado do Tocantins que são: Dianópolis, Gurupi, Miranorte, Palmas e Paraíso do Tocantins. A intencionalidade desta tese fora contribuir para a ampliação do acesso dessa população aos serviços de proteção social especial de média complexidade da Política de Assistência Social, bem como subsidiar a construção de estratégias para a melhoria das ações ofertadas ao segmento infanto-adolescente.

Percorrer o labirinto da violência, no atual contorno da racionalidade burguesa, exige dos (as) pesquisadores (as)1 não somente conhecer e descrever o fenômeno, mas, como aponta Marx na 11ª tese sobre Feuerbach escrita em 1845, que “o problema não está em interpretar a realidade, mas em transformá-la” (MARX, 2009, p. 126). A construção do conhecimento sobre a realidade será sempre parcial, pois ela é muito mais rica que o pensamento humano. A sua elevação a concreto-pensado, por meio da categoria mediação (singularidade-particularidade-totalidade), possibilita a investigação social-científica apreender parte desse todo, ou seja, capturar a essencialidade da violência não significa o estudo de sua totalidade, o que seria impossível, uma vez que “totalidade da realidade é infinita, inesgotável” (LÖWY, 1985, p. 16).

Isso não significa afirmar que os estudos científico-sociais sejam incompletos ou não válidos, a realidade é percebida na dialética materialista como um todo, organizado e estruturado, uma dimensão, mas sem perder de vista sua relação com o conjunto. O padrão hegemônico do capital determina não somente as condições nas quais, segundo Mèszàros (2006, 2007), o metabolismo social do capital e sua produção destrutiva incidem, mas dita as condições nas quais as relações interpessoais entre os indivíduos devam acontecer.

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O olhar retributivo e de penalização sobre os sujeitos autores de violência é a tônica do valor justiça atribuído pela sociedade capitalista. A violência no Brasil tem cor, como afirma Atila Roque em artigo2 publicado na revista Carta Capital em 09 de janeiro de 2015.

Os jovens negros são os mais afetados pela violência e sabemos que uma parte destes homicídios é decorrente de intervenção policial. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil há uma herança de exclusão social e discriminação associada a juventude negra, que deve ser amplamente discutida e repudiada. A diferença é que no caso dos Estados Unidos, a morte desse jovem pela polícia provocou comoção e revolta, enquanto no Brasil raramente chega aos ouvidos da maioria da população. A sociedade convive com isso como se a morte violenta fosse o destino inevitável desses jovens. Não é. [...]. Em 30 anos foram cerca de 1 milhão de pessoas assassinadas. O Brasil é responsável por 10% dos homicídios do mundo! Mata-se mais por aqui do que somados os principais conflitos armados do planeta. Achar isso banal é entregar-se à epidemia da indiferença. [...] São 56 mil homicídios no Brasil por ano. Desse total, 30 mil tinham idade entre 15 e 29 anos. É razoável lidar com esta naturalidade com o homicídio em massa de jovens? E por quê? Não nos enganemos. Os que morrem são em sua maioria negros, são pobres, são invisíveis. [...]. (ROQUE, 2015, s/p).

A violência no Brasil não possui apenas cor, mas também classe social e idade, portanto, são jovens, negros e pobres, excluídos historicamente da sociedade, sem educação, emprego, moradia, lazer, espoliados do direito a viver na cidade e das benesses materiais do capitalismo.

O filósofo e teórico marxista Slavoj Zizek, em uma reflexão profunda sobre a questão da violência3 na sociedade contemporânea, afirma que sabemos quais são as raízes mais objetivas da violência, mas que devido a nossa consciência cínica4, típica da mulher e do homem burguês, a escamoteamos, ou pior, cobrimo-la com o manto da tolerância (exercício sistemático e fetichizado da violência), que para o autor é pior que a própria violência. Ao fazer essas reflexões, Zizek (2014) traz o cenário europeu e estadunidense, mas isso não exclui uma mediação com a realidade brasileira, aliás, muito se aproxima com o que vivemos hoje aqui nas terras de além-mar.

Importante exercício para esta mediação é retomarmos o processo de

2 Artigo completo disponível em: <http://www.geledes.org.br/violencia-no-brasil-tem-cor/#axzz3QE>. 3 Reflexões extraídas do livro Violência: Seis Reflexões Laterais, publicado na edição brasileira no ano de 2014 pela editora Boitempo.

4 A consciência cínica em Marx diz respeito à falsa consciência e a capacidade de os indivíduos

“apesar de serem esclarecidos sobre os conteúdos ideológicos, os interesses particulares que

sustentam argumentos universalizantes, mesmo assim continuam a aceitar essa pretensa

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formação sócio-histórica do Brasil e a anedota da confluência pacífica e harmoniosa entre as raças e etnias. A violência simbólica reina soberana nas relações sociais brasileiras. Internalizada pela parcela societária que é invisibilizada pelo Estado e pelas classes dominantes e que a criminaliza em nome da proteção do bem comum, tão bem personificada pela força policial a mando do capital.

Na abstração dos direitos, somos todos iguais. Na particularidade viva da sociedade burguesa, somos pobres, pretos, favelados, facilmente identificados para receber práticas discriminatórias em nome da ordem a ser mantida. Ordem e tranquilidade. Na ordem garantida, os negócios e acordos são garantidos sem sobressaltos, a acumulação de capitais encontra os meios de se reproduzir com taxas adequadas, o Estado é saneado financeiramente, destruindo as políticas públicas e garantindo a transferência do fundo público para a prioridade privatista. A ordem garante que a exploração que fundamenta nossa sociabilidade se dê com tranquilidade. (IASI, 2013, p.03).

O Estado, a partir da era dos monopólios, declara abertamente seu compromisso com os interesses do capital. Já na sua atual fase, o capitalismo financeiro ou nas palavras de Marx (2008) que o denomina de Capital Fetiche, torna-se o principal algoz da clastorna-se trabalhadora. A proteção do Estado à reprodução do capital vem imbricando no empobrecimento material e espiritual dos trabalhadores (as), espoliados (as) não somente da riqueza socialmente produzida, mas de sua dignidade e da vivacidade nas relações consigo mesmo e com os outros.

Iasi (2013, p.04) traz essa problematização ao afirmar que é claro o “motivo pelo qual a classe dominante precisa do Estado, a grande pergunta é: para que nós

precisamos do Estado?”. Esse é um importante questionamento, quando nos deparamos com a realidade na qual as políticas sociais vêm sendo construídas no cenário sociopolítico brasileiro, em que cada vez mais os (as) trabalhadores (as) são presenteados pelo capital e pelo Estado com uma Caixa de Pandora5, que traz, em seu interior, um arsenal de privações, retrocessos e espoliação dos direitos sociais.

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A construção de uma nova alternativa para a sociabilidade humana como argumenta Mèszàros (2007), que supere a barbárie do capital e a destruição da própria humanidade, vem com a derrocada do Estado Burguês e de seu conjunto de privações sociais, econômicas e políticas.

[...] as coisas não continuarão a ser como são. Depois de falarem os dominantes, falarão os dominados. Quem pois ousa dizer: nunca? De quem depende que a opressão prossiga? De nós. De quem depende que ela acabe? De nós [...]. (BRECHT, 2014, s/p).

O trecho retirado do poema “Elogio da Dialectica” de Bertold Brecht nos faz refletir sobre a cogente emergência da construção de uma nova consciência (IASI, 1999). A nova consciência para Iasi (1999) dar-se-ia na transição de um modo de produção para outro, ou seja, do capitalismo para o socialismo. Neste momento de transição, as transformações revolucionárias começariam a emergir no seio da sociedade, possibilitando assim que a consciência humana atinja um novo patamar por meio da luta política e da modificação do terreno sócio-histórico que se distanciaria das premissas destrutivas do capital.

A nova sociabilidade viria com o pleno desenvolvimento da emancipação humana, superando as contradições e os conflitos inconciliáveis na era do capital e que impedem que o ser humano se autoconstrua e desenvolva suas capacidades por meio do trabalho (IASI, 2013).

Os reflexos do atual cenário de desmantelamento dos direitos sociais e de anulação do trabalho enquanto atividade criativa que possibilita ao ser humano um duplo movimento: de transformação da natureza ao passo que se autotransforma, tem implicações profundas nas relações interpessoais e no modo como a justiça age diante os conflitos.

A violência sexual contra crianças e adolescentes é um exemplo emblemático dessa díade desproteção/penalização. A perspectiva retributiva que direciona as ações da justiça brasileira incide para a estrita penalização dos (as) autores (as) da violência, numa trama em que a violência é simbólica, introjetando-se valores e representações que situam tais indivíduos à margem da sociedade, na chancela dos excluídos e, portanto, sem alternativas de refletir sobre seus atos e buscar estratégias para superar a violência por eles (as) cometida.

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Mas esse enredo engloba não somente a penalização criminalizadora dos (as) autores (as) da violência, mas rege também a desproteção das crianças e adolescentes vitimizadas sexualmente. Para as “vítimas”, são designados dois tipos de ação: a responsabilidade pela produção de provas e a proteção advinda de um sistema estatal incapaz de atendê-las na integralidade que a complexidade dessa violência requer.

As declarações internacionais e nacionais de proteção à infância e adolescência possuem como premissa o interesse superior da criança e a proteção dos seus direitos fundamentais, tendo a família como instituição de amparo e zelo. Mas o que vimos hoje são as famílias abandonadas e expostas às migalhas oferecidas pelas políticas sociais cada vez mais precarizadas. O fundo público, que deveria garantir o financiamento de suas ações, vem sendo utilizado à revelia na orgia do capital para sua plena reprodução.

O interesse em proteger a criança é travestido na busca em “punir os

culpados” que são jogados nas celas insalubres dos presídios brasileiros. Abandonados e sem devido atendimento social, jurídico e psicológico não rompem com a violência e continuam a perpetuar os abusos sexuais. A realidade da infância e da adolescência pobre no país é um amálgama que reúne desproteção, abandono e vitimizações. Nesse sentido, é possível afirmar que:

As crianças são especialmente vulneráveis às violações de direitos, à pobreza e à iniquidade no País. Por exemplo, 29% da população vive em famílias pobres, mas, entre as crianças, esse número chega a 45,6%. As crianças negras, por exemplo, têm quase 70% mais chance de viver na pobreza do que as brancas; o mesmo pode ser observado para as crianças que vivem em áreas rurais. Na região do Semiárido, onde vivem 13 milhões de crianças, mais de 70% das crianças e dos adolescentes são classificados como pobres. Essas iniquidades são o maior obstáculo para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) por parte do País. [...] A cada dia, 129 casos de violência psicológica e física, incluindo a sexual, e negligência contra crianças e adolescentes são reportados, em média, ao Disque Denúncia 100. Isso quer dizer que, a cada hora, cinco casos de violência contra meninas e meninos são registrados no País. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados. (UNICEF, 2015, s/p).

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Supervisionado no Centro de Referência Especializado de Assistência Social do município de São Borja/RS entre os anos de 2009 a 2010.

Nesse processo, foram realizadas intervenções junto às famílias atendidas pelo CREAS, que culminaram na elaboração do Trabalho Final de Graduação (TFG) que buscou por meio da pesquisa intitulada “Abuso Sexual Intrafamiliar: O cotidiano

da violência nas famílias atendidas pela assistência social no município de São

Borja”, promover uma reflexão quanto à compreensão que as famílias atendidas pelo CREAS, deste município, possuíam em relação ao abuso sexual intrafamiliar, vivenciado pelos seus filhos.

A pesquisa buscou desvendar as relações cotidianas de dez famílias, que participaram do estudo, buscando compreender a dinâmica social e familiar destes sujeitos, in loco, uma vez que a coleta de dados deu-se por meio das visitas domiciliares realizadas durante o processo de Estágio Supervisionado em Serviço Social. A pesquisa teve cunho qualitativo, acontecendo empiricamente e por meio de estudo documental, tendo como norte o método dialético-crítico e três categorias explicativas da realidade: abuso sexual, família e cotidiano.

Por meio da sistematização dos dados da pesquisa que resultou na elaboração do TFG, estabeleceram-se quatro categorias que emergiram na análise das falas das famílias participantes, no que se referia à compreensão destas em relação ao abuso sexual: omissão, negação, doença e focalização na consequência da violência.

Além disso, nesse estudo, descobriu-se que o desconhecimento das relações que engendram a cotidianidade das famílias envolvidas em situações de abuso sexual, implicava em um atendimento fragmentado, não integralizador, ficando restringido, somente às crianças e adolescentes vítimas da violência sexual.

Diante das múltiplas questões emergidas nessa pesquisa, o fortalecimento da municipalização das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil surge como uma constante, uma vez que o município é lócus, em que as complexas situações de violência sexual manifestam-se e por isso a construção das ações deve acompanhar a dinâmica da comunidade local.

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em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, na modalidade de mestrado.

A partir das inquietações acadêmicas fomentadas pelas disciplinas, participação em grupos de pesquisas e adensamento teórico, ainda no ano de 2011, construiu-se o projeto de pesquisa intitulado “Os Desafios ao Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes: Perspectivas, Estratégias e Limites de uma Política em Construção”. Esse projeto levantou o seguinte questionamento: “como vem sendo materializado o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil no âmbito das ações do poder público e da sociedade civil no município de Porto Alegre?”.

O processo investigativo frutificou-se e, no ano de 2013 fora defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS a dissertação de mestrado intitulada “Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil em Porto

Alegre: Contradições e Perspectivas”. As análises deste estudo permitiram apreender que o caminho para a materialização de ações articuladas entre o Poder Público e a Sociedade Civil, em Porto Alegre, necessitam da construção de estratégias capazes de garantir a plenitude dos direitos da infância e adolescência, diante da complexidade que envolve o fenômeno, bem como ampliar e fortalecer a participação democrática da sociedade nos espaços de discussão e tomada de decisão.

Partindo do pressuposto de que o conhecimento que temos da realidade é sempre provisório e que o real é sempre mais rico do que sabemos sobre ele, “há sempre algo que escapa das nossas sínteses; isso, porém, não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade” (KONDER, 2008, p.36). Seguindo essa premissa da dialética materialista, em 2013, a pesquisadora ingressou no Doutorado em Serviço Social na PUCRS, com a intencionalidade de aprofundar os estudos acerca do enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no âmbito do CREAS.

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A presente tese de doutorado objetivou analisar, a partir da realidade do Estado do Tocantins, como a Política de Assistência Social, por meio das ações dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), vem se configurando para a promoção dos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência sexual. Além disso, buscou primordialmente contribuir para a produção de conhecimentos acerca da violência sexual contra crianças e adolescentes no Tocantins, uma vez que não há pesquisas e estudos6 significativos sobre essa temática no Estado.

Tendo em vista a ausência de pesquisas científicas sobre a temática, a presente tese poderá possibilitar a ampliação da atenção do Poder Público e da sociedade civil para o acometimento da violência sexual bem como incitar, por meio de suas análises e reflexões, um processo de engajamento para o desocultamento e enfrentamento à essa expressão da violência.

Ressalta-se ainda que, a tese teve o intuito de superar as abordagens focalizadas nas situações de violência sexual, que evidenciam somente as consequências desta violação de direitos a crianças e adolescentes, uma vez que concede a perspectiva de análise das ações que atualmente a Política de Assistência Social, por meio dos CREAS, vem materializando para a proteção dos direitos da população infanto-juvenil.

O suporte orientador da presente pesquisa alinha-se aos principais mecanismos legais que, no contexto atual, vem delineando no país a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, no que tange à violência sexual: Constituição Federal de 1988 (artigos 227 e 228 dispõe sobre as garantias constitucionais contra todas as formas de violência contra crianças e adolescentes), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Código Penal (Alterações da Lei 12.015/2009), o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (2000) e a Política Nacional de Assistência Social (2004).

Além, das leis e políticas sociais nacionais, a presente tese tem como suporte orientador as normativas internacionais que dispõe sobre o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),

6 No ano 2013, fora realizada pesquisa no portal de Teses e Dissertações do Centro de

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Declaração sobre os Direitos da Criança (1959), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), Convenção para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (1921), Declaração de Viena (1993), Convenção de Haia - relativa à proteção das crianças em matéria de adoção internacional (1993) -, Protocolo Adicional de Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas, em especial, Mulheres e Crianças (2000), bem como demais normativas e literatura especializada sobre a questão da violência sexual e políticas sociais.

A análise da realidade foi norteada pelo método dialético-crítico a partir de quatro categorias: historicidade, totalidade, contradição e mediação que possibilitaram apreender o fenômeno da violência sexual como “sendo histórico, dotado de materialidade e movido pela contradição: afirmação–negação-nova afirmação” (MEKSENAS, 2002, p.88). Para a coleta de dados, utilizou-se a pesquisa documental nos relatórios mensais e/ou os formulários de acolhimento dos cinco CREAS pesquisados como estratégia para o desvendamento das particularidades da violência sexual infanto-adolescente no Tocantins.

Além disso, realizaram-se entrevistas com aplicação de um formulário, contendo perguntas abertas com 17 sujeitos: (05) coordenadores, (05) assistentes sociais e (05) psicólogos do CREAS e, com (02) famílias que possuíam crianças/ adolescentes em atendimento na referida instituição. Para analisar os dados coletados na pesquisa, optou-se pela técnica de análise de conteúdo e pelo Método de Sistematização da Prática.

As aproximações sucessivas com o objeto de estudo possibilitaram apreender que a realidade do Estado do Tocantins, no que concerne à violência sexual contra crianças e adolescentes, apresenta índices bastante significativos para uma população total relativamente pequena, aproximadamente 1.383.445 de habitantes (IBGE, 2012). No ano de 2012, foram registradas no Disque 100, 1.169 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, sendo que 190 destas notificações eram de violência sexual, nas suas diversas expressões (abuso sexual, exploração sexual comercial, sexting, gromming, etc.).

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municípios sem Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, ocupando o terceiro lugar: 1º lugar a Paraíba, com 29% do total, 2º lugar o Maranhão, com 28% e em 3º lugar o Tocantins e Amazonas, ambos com 27% (CONANDA, 2007).

No que se refere ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Tocantins vem implementando o SUAS desde 2005, contudo, no que se refere aos serviços da proteção social especial de média complexidade, em especial, a constituição dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social, dos 139 municípios apenas 22 possuem CREAS, ficando o restante dos municípios descobertos pela proteção social especial. Além disso, no que tange às Delegacias Especializadas à Criança e ao Adolescente, o Estado apresenta somente 01, localizada na capital do Tocantins - Palmas -.

Diante desse contexto, de ausência e fragilidade de mecanismos para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no Estado do Tocantins, a presente tese buscou oferecer subsídios teóricos que contextualizem as potencialidades e os desafios presentes nas ações desenvolvidas no âmbito da Política de Assistência Social, apreendendo essa política social como mister para a constituição da rede de enfrentamento à violência sexual.

A construção de uma tese de doutorado requer um cuidadoso olhar do (a) pesquisador (a) sobre a realidade investigada, desse modo, caracteriza-se por ser um processo de intenso debruçar teórico e de sucessivas aproximações com o objeto de estudo. A tese é processo, gestada no decorrer da trajetória acadêmica e profissional, do amadurecimento político, ético e teórico do (a) pesquisador (a) e, portanto, sua construção está imbuída de incertezas, anseios, angústias e de constantes momentos de trocas intelectuais com o (a) orientador (a).

As mediações teórico-práticas que possibilitam a construção (afirmação), desconstrução (negação) e a reconstrução (negação da negação) da tese da tese,

concede ao (a) pesquisador (a) a possibilidade de apreender a realidade a partir do abandono de (pré) conceitos, mas isso não implica neutralidade, ao contrário, exige uma postura ético-política no delineamento da abordagem do fenômeno que será o objeto da tese a ser defendida.

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totalidade na construção das ações para o seu enfrentamento, superando respostas imediatistas, irrefletidas e fragmentadas no âmbito da rede de proteção, em especial, da Política de Assistência Social.

As ações da Política de Assistência Social, por meio da proteção social especial, visam à superação das situações vitimizadoras aos segmentos sociais historicamente vulneráveis às expressões da violência - crianças, adolescentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e a população LGBTTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros) -, oferecendo serviços que contribuam para a proteção e promoção dos direitos fundamentais desses segmentos sociais. A atuação dos CREAS, no âmbito da promoção dos direitos da infância e adolescência, é essencial, pois busca a constante articulação com o Sistema de Garantia de Direitos7, objetivando a superação das situações de violações aos direitos humanos das crianças e adolescentes e o fortalecimento da função protetiva da família.

O retrato da violência sexual infanto-juvenil, não somente no Tocantins, mas em todo território brasileiro necessita que haja o rompimento do silêncio que incide, principalmente, para que as situações de violência sexual permaneçam na clandestinidade, impossibilitando a ruptura da reprodução deste fenômeno no cotidiano das crianças e adolescentes brasileiras.

Salienta-se, que é imprescindível para o enfrentamento dessa violência e dos aspectos que permeiam seu acometimento (culturais, psicológicos, sociais, econômicos e históricos) a oferta de serviços e de políticas públicas capazes de romper com os contextos elucidados pelo acesso limitado ou nulo ao direito à educação, à saúde, à cultura, ao consumo, ao mundo do trabalho aos seus responsáveis. Enfim, romper com a negação do atendimento de suas necessidades básicas como vem acontecendo no estado do Tocantins pela fragilidade de uma rede de proteção aos direitos da infância e adolescência.

O Poder Público deve, portanto, atuar, essencialmente, para a ampliação das redes de enfrentamento, para a construção de estratégias que rompam com estes ciclos de vulnerabilidades e riscos, nos quais se encontram as crianças,

7 O artigo 1° da Resolução 113 de 19 de abril de 2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança

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adolescentes e suas famílias. Tais processos excludentes atuam como instrumentos propulsores para o acometimento da violência sexual, principalmente, da exploração sexual comercial.

Ao gerar novos elementos para o debate acadêmico, político e social as reflexões e proposições contidas nesta tese, por meio da análise dos dados obtidos durante o processo de pesquisa, poderão imprimir novas propostas para se pensar, gestar e operacionalizar ações dos CREAS no âmbito do enfrentamento à violência sexual contra a população infanto-juvenil.

A análise das ações ofertadas pelos CREAS às vítimas e suas famílias será realizada a partir de uma perspectiva histórica, social, crítica e de totalidade dos elementos que permeiam a sua incidência na sociedade contemporânea, visando contribuir com subsídios teóricos para a apreensão desse fenômeno como expressão da questão social. Ampliando assim, as produções de Serviço Social sobre a violência sexual, atuando como fonte de mediações teórico-práticas para as intervenções profissionais que se materializam, essencialmente, no âmbito dos Centros de Referência de Assistência Social.

A presente tese é composta por três capítulos além da introdução e das conclusões. Cabe mencionar que, devido à complexidade da temática, alguns aspectos concernentes à discussão da violência sexual contra crianças e adolescentes podem não ter sido aprofundados nesta tese. Contudo, este estudo realizou um esforço de apreender, essencialmente, como se configura as ações do CREAS no enfrentamento a essa expressão da violência a partir das particularidades apresentadas pelo Estado do Tocantins e assim dar conta da tese proposta e dos assuntos transversais que a complementam.

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O terceiro capítulo tem a intencionalidade de reconstruir a violência como uma categoria histórica, produzida e reproduzida na ordem do capital, buscando capturá-la nas suas raízes objetivas e subjetivas. Este capítulo busca mostrar que a construção da violência, na sociedade de classes, não perpassa por um processo natural, mas é produzida a partir das condições sociais, políticas e econômicas cujas determinações da sociedade capitalista geram a base material e efetiva para sua perpetuação.

Ao considerar que a violência é um fenômeno estruturante do capital e por isso sua superação está diametralmente relacionada também a superação do modo de produção capitalista, ou seja, implica a construção de uma nova ordem social, liberta das amarras da exploração e dominação do padrão hegemônico burguês.

O quarto capítulo tem a intencionalidade de percorrer a base conceitual da violência sexual contra crianças e adolescentes na literatura especializada brasileira, trazendo à tela as suas principais expressões: o abuso e a exploração sexual comercial. Nessa direção, busca-se apreender a violência sexual a partir da perspectiva de totalidade, capturando o fenômeno em sua essência e complexidade.

O quinto capítulo desta tese versa sobre as particularidades do enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil no Tocantins a partir das ações que são desenvolvidas pelos cinco CREAS pesquisados. O desafio presente nesse capítulo fora capturar a essencialidade do atendimento que atualmente vem sendo ofertado não somente às crianças e adolescentes em situação de violência sexual, mas, sobretudo as suas famílias. A atenção à família atua como estratégia para resgatar os vínculos afetivos fragilizados pela violência e assim contribuir para a reconstrução da função protetiva das famílias e, especialmente, da proteção aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.

A estratégia adotada no 5º capítulo, para confirmar a tese defendida nesse estudo, fora dividi-lo em três momentos. A primeira parte do capítulo discorre sobre a dimensão que a violência sexual contra crianças e adolescentes assume no cenário tocantinense, trazendo à cena a percepção que os sujeitos entrevistados profissionais e coordenadores (as) possuem sobre esse fenômeno, buscando-se, com isso, descrever o fenômeno e possibilitar a apreensão de suas particularidades no movimento dialético da realidade social.

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e atendimento às crianças e adolescentes tendo como elo mediador a atenção à família. Nesse momento, são analisadas as falas dos sujeitos acerca dos principais desafios postos a garantia de um atendimento que concretize a integralidade e a humanização na atenção prestada às situações de violência sexual. Análise das entrevistas e dos prontuários toma como ponto de partida a 2ª tese de Marx (2009) sobre Feuerbach, que afirma ser a prática o critério de verdade, e por isso, a realidade dos (as) profissionais e das famílias é concebida como essencial para reconstruir a violência sexual como concreto-pensado.

A última parte deste capítulo versa sobre a intersetorialidade entre as políticas sociais como estratégia efetiva para a não revitimização das crianças e adolescentes em situação de violência sexual. Discorre-se sobre a importância e fundamentalmente sobre os limites e dificuldades que os CREAS no Tocantins vêm enfrentando para garantir a concretização da intersetorialidade no seu modus operandi.

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2 O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

“[...] Caminante, son tus huellas, el camino y nada más; Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar. Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar8[...]”

Antonio Machado

Na busca pelo conhecimento não há um caminho pronto, com regras fixas e absolutas, mas sim “um caminho que se faz caminhando”. É com as palavras do poeta espanhol Antonio Machado que este capítulo realiza a descrição do caminho percorrido pela pesquisa na sua incessante jornada pela apreensão das particularidades e das dimensões que a violência sexual contra crianças e adolescentes assume no Estado do Tocantins.

O mote dessa tese fora capturar as nuances desse fenômeno desvendando as estratégias que o Estado, por meio da ação dos CREAS, vem traçando para o rompimento do padrão hegemônico de revitimização das crianças, adolescentes e famílias que são atendidas pelos serviços sociais públicos, destacando-se a atuação do CREAS.

A metodologia científica, escopo deste capítulo, nas palavras de Goldenberg (2009), é muito mais do que regras de como fazer uma pesquisa, ela possibilita ao/a pesquisador/a refletir sobre quais são as formas mais perspicazes para a apreensão do objeto de estudo. Portanto, a metodologia, propicia um novo olhar sobre a realidade, sobre o ser humano, sobre a produção e reprodução das suas relações (familiares, interpessoais e sociais), sobre sua visão de mundo, suas vivências e anseios. E esse novo olhar é, portanto, científico, questionador, curioso e criativo.

Será a metodologia da pesquisa que irá iluminar na escolha do melhor caminho para a investigação, logo, é ela que direciona o/a pesquisador/a escolher quais as técnicas, instrumentos e métodos que irão auxiliá-lo/a na captura da

8 [...] Caminhante, são tuas pegadas, o caminho e nada mais. Caminhante, não há caminho, se faz

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essência do fenômeno. Dito de outra forma, será a metodologia guiada por uma teoria, essencialmente crítica, que permitirá o aprofundamento acerca de como se espraiam as necessidades sociais do ser humano, e principalmente, como estas podem ser atendidas de forma a possibilitar o desenvolvimento de uma sociabilidade emancipatória diante do atual contexto de degradação da vida humana e barbárie capitalista.

A pesquisa produz uma constante tensão entre o conhecimento e a

ignorância, entre o científico e o senso comum, entre o que é possível e o que é impossível, ou seja, entre aquilo que ela tem alcance e aquilo que lhe é inatingível, tal como, o conhecimento da realidade em sua totalidade. O conhecimento gerado sempre será parcial, aproximativo. A realidade é muito mais rica em determinações, pois encontra-se em constante movimento, não possibilitando que a teoria, fruto do conhecimento gerado pelo processo investigativo seja acabada e totalizante.

Essa incessante tensão entre a realidade e o conhecimento que possuímos dela é o motor que impulsiona os/as pesquisadores/as a buscarem romper com a ignorância e, assim desvendar novas formas de descobrir os nexos internos e externos que se interconectam em cada objeto de estudo. Por isso, é importante salientar que:

A realidade também carrega elementos novos e velhos. O passado convive com o presente e aponta tendência para o futuro. Cabe ao pesquisador perceber quais os elementos que pesam mais na realidade estudada, o que predomina naquele momento histórico analisado: se as tendências do novo ou do velho. Nesta luta dialética entre os opostos, a síntese final expressa uma subsunção de um sobre o outro. Mas esta síntese é sempre provisória, histórica, daí que o conhecimento é aproximativo e historicamente situado. (GUERRA, 2009, p.12).

A abordagem dialética materialista, que orienta a presente tese, tem como hipótese central a de que nada é eterno, nada é fixo ou absoluto, mas ao contrário, conceber o real como algo estático petrificado seria asseverar que:

[...] la realidade está muerta, paralisada, sin modificaciones, y sucede todo lo contrario: se encuentra en permanente desarrollo y transformación, y adopta múltiples aspectos y relaciones en um devenir histórico que no tiene punto final, em donde las contradicciones entre los elementos esenciales de los fenómenos impulsan los cambios cualitativos de la realidad (dialéctica materialista)9. (SORIANO, 2012, p.10).

9 [...] a realidade está morta, paralisada, sem modificações, e acontece o contrário: se encontra em

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O movimento e transformação permanente de todos os fenômenos que se encontram dialeticamente num constante vir a ser, acarreta na não petrificação ou naturalização das coisas, que passam a ser apreendidas a partir de uma perspectiva desmistificadora da pretensiosa verdade absoluta. A busca pelo conhecimento das coisas inspirada na dialética materialista prima pela raiz dos fenômenos e processos sociais, uma vez que “ser radical é agarrar as coisas pela raiz. Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem” (MARX, 2005, p.151).

A pesquisa constitui-se como um importante instrumento de intervenção no real, pois propicia a apreensão da dinâmica da realidade social na qual se manifesta de forma imediata as refrações da questão social10 (objeto de intervenção dos/as assistentes sociais), uma vez que o amadurecimento da pesquisa no interior do Serviço Social garantiu a essa profissão o estatuto de maioridade intelectual11 para a profissão.

A apreensão do movimento da realidade numa perspectiva de totalidade considerando a historicidade, a contradição e as mediações que se manifestam nesse complexo, contribui impreterivelmente para o desvendamento da raiz dos fenômenos sociais. Entende-se essa raiz, como a essência (estrutura e dinâmica) e busca-se nas mediações um esforço crítico-reflexivo de elevação do abstrato, da superficialidade dos fenômenos para o concreto-pensado.

O presente capítulo descreve os procedimentos utilizados para a realização da pesquisa, sendo que a organização das etapas metodológicas requer a apresentação de alguns aspectos que permearam a execução da pesquisa, que são eles: problema de pesquisa, método para análise da realidade, categorias explicativas da realidade, tipo de pesquisa, sujeitos da pesquisa, instrumentos e técnicas de pesquisa, análise dos dados e pressupostos éticos.

2.1 O MÉTODO DIALÉTICO-CRÍTICO

O método é uma construção orientada por teorias, não é processo estático e absoluto, requer constantemente procedimentos de reavaliação com o intuito de

histórico que não tem ponto final, e onde as contradições são elementos essenciais dos fenômenos, impulsionam as trocas qualitativas da realidade (dialética materialista). (SORIANO, 2012, tradução nossa).

10 O aprofundamento acerca da questão social encontra-se no capítulo 3 desta tese.

11 Sobre a pesquisa em Serviço Social, ver mais em: SETUBAL, Aglair Alencar. Pesquisa em

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proporcionar a obtenção dos resultados desejados. Portanto, “os métodos são assim os caminhos facilitadores, em geral, complementares e raramente excludentes” (SANTOS, 2007, p. 15). Por isso, não se pode equiparar o método a um modelo padronizado ou, mesmo ainda, a uma receita que, uma vez aplicada, coleta sem possibilidade de algum eventual erro, os resultados previstos ou desejados.

O método científico torna-se “o meio graças ao qual se pode decifrar os fatos” (KOSIK, 1976, p. 54). Será ele - o método - que delineará os passos pelos quais o/a pesquisador/a deverá seguir para além, da obtenção de dados, realizar também a análise dos resultados de modo a não implicar posturas pragmáticas e acríticas.

O método, portanto, é o caminho no qual a investigação irá percorrer na busca pela construção do conhecimento. Nesta tese, o caminho escolhido para o percurso de análise da realidade deu-se por meio do Método Dialético-Crítico, que busca mais do que fatos isolados, a sua busca consiste na conexão entre os múltiplos fatores que condicionam uma realidade. O desvendamento da realidade acontece por meio de suas contradições, reconhecendo a historicidade e buscando a totalidade, uma vez que leva em conta o contexto social, cultural, econômico e histórico dos sujeitos envolvidos na investigação.

O Método Dialético-Crítico, que fundamentou este estudo, possui, como característica essencial, o espírito crítico e autocrítico, incitando, desta forma, a rever o passado à luz do que está acontecendo no presente, por isso o Método Dialético-Crítico questiona o presente em nome do futuro (KONDER, 2008). A perspectiva de análise da realidade disposta pela dialética marxiana considera o processo de investigação não como um fato isolado, mas sim uma busca constante pela totalidade concreta (KOSIK, 1976).

A dialética materialista busca além do questionamento dos fenômenos e do contexto, a sua transformação em um processo histórico, que envolve categorias analíticas, nas quais foram escolhidas para este estudo quatro categorias - historicidade, contradição, mediação e totalidade -.

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O processo investigativo, a partir da perspectiva marxiana, objetiva de acordo com Netto (2004, p.58), realizar a análise dos fenômenos a partir do seu movimento dinâmico e contraditório dentro da realidade:

O procedimento metodológico próprio a essa teoria consiste em partir do empírico (os fatos), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a sua gênese histórica e o seu desenvolvimento interno e reconstruir, no plano do pensamento, todo esse processo.

Neste sentido, Gadotti (1983, p.19), defende a concepção de que a “dialética em Marx não é apenas um método para se chegar à verdade, é uma concepção do homem, da sociedade e da relação homem-mundo”. A dialética marxiana procura, portanto, reconhecer a historicidade dos fenômenos que são foco da ação investigativa, engendrando-os a partir de suas contradições, buscando sua totalidade concreta na realidade.

Por isso, a dialética marxiana foi concebida de acordo com Hobsbawm (1984), como uma filosofia da ação, ao buscar por meio da investigação aprofundada e crítica a transformação das situações opressoras advindas das condições predatórias impostas pela lógica perversa do capital.

As quatro categorias escolhidas – historicidade, contradição, mediação e totalidade -, objetivam apreender a realidade dos sujeitos de forma a não reconhecê-los como uma unidade estática e sim em constante movimento, visando compreendê-los em seu contexto, desvendando o seu modo e condições de vida (KONDER, 2008).

A historicidade está diretamente imbricada na vida dos sujeitos, pois envolve, além da sua cotidianidade, outros aspectos que determinam os seus modos e condições de vida dentro de um dado contexto, esta categoria nunca está isolada, ou seja, ela “refere-se ao geral” (TRIVIÑOS, 2008, p.80). A historicidade implica o movimento e as transformações da realidade dos sujeitos, as suas atitudes e comportamentos que não são concebidos de forma isolada ou neutra, são determinados por questões e contextos históricos, políticos, sociais, culturais e econômicos.

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palavras de Kosik (1976), pela destruição da pseudoconcreticidade. Neste sentido, é na categoria contradição que se expressam os espaços de resistência dos sujeitos nas situações degradantes e miseráveis que o sistema capitalista impõe.

Por isso a contradição é “reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem” (KONDER, 2008, p.47), assim como, a possibilidade de superação dos fenômenos que impedem o desenvolvimento social, cultural, político e econômico dos homens.

A mediação, na teoria marxiana, é essencial para a apreensão da realidade, embora não explicitada, esta categoria é substância da própria realidade, uma vez que busca capturar o real na totalidade das determinações que envolve os fatos sócio-históricos. No campo das mediações, também chamado por Lukács (1979), como dialética da particularidade, as singularidades (imediatas e desistoricizadas, portanto, acríticas e fragmentadas) vitalizam-se com as leis universais dialeticamente interligadas.

A ruptura com a facticidade da singularidade possibilita o desvendamento dos complexos sociais, negando o imediato, a pseudoconcreticidade e desvendando as forças e processos implicados na gênese do fenômeno.

Na esfera da universalidade se encontram as grandes determinações e leis tendenciais de um dado complexo social. Leis e determinações estas que na esfera da singularidade ficam ocultas pela dinâmica dos fatos (imediaticidade/facticidade). Na esfera da singularidade cada fato parece explicar-se a si mesmo, obedecendo uma causalidade caótica. (PONTES, 2007, p.41).

A mediação, logo, é portadora de dinamismo e articulação (PONTES, 2007), pois é ela que movimenta o real, movimentando também o método para que esse não se engesse no processo de apreensão da realidade dos complexos sociais. O campo das mediações possibilita o caminho metodológico para a apreensão dos fenômenos no plano da mediaticidade.

Tal caminho realiza-se por meio de sucessivas aproximações com as determinações histórico-concreto-estrutural dos fenômenos, o conhecimento dialético da realidade, rompe, portanto, com a aparência fenomênica na qual as coisas apresentam-se de forma acabada.

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presente nesta relação dinâmica, contraditória”. A busca pela essência do fenômeno será mediatizada pela sua aparência, ou seja, uma não prescinde da outra, estão dialeticamente interligadas. A busca pela apreensão da violência sexual em suas múltiplas manifestações, na perspectiva de totalidade, também requer sucessivas aproximações com suas aparências imediatas, pois é nelas que a essência irá manifestar-se.

As categorias que constituem o método crítico-dialético, dentre elas a mediação, são expressões do movimento da realidade, portanto, não podem ser isoladas ou fragmentadas. A apreensão destas exige um movimento dialético que busque a totalidade concreta dos fatos. A categoria da totalidade implica “um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido [...]” (KOSIK, 1976, p. 44).

A partir disso, a totalidade empregada como categoria para análise da realidade permite ao (a) pesquisador (a) compreender a realidade do sujeito dentro do todo. Entende-se que o enfoque Dialético-Crítico, em relação à pesquisa, busca desvendar a realidade concreta a partir dos aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos que envolvem a dinâmica de sua prática, trazendo a luz das quatro categorias - sinteticamente explicitadas nesse capítulo - aspectos que primem pelo desvendamento da realidade, procurando não fragmentá-la e priorizando a busca da essência do fenômeno.

O método, na investigação científico-social, possibilita ao (a) pesquisador (a) desnudar a realidade ocultada na sua aparência fenomênica, desvendando as contradições na busca da apreensão da totalidade de cada fenômeno. Nesse sentido, Soriano (2012, p.17) ao referir-se ao método problematiza que:

El método12 apuntan diversos autores es el camino que se sigue en la

investigación. Pero, ¿ cuál es ese camino?, ¿ está trazado de una vez y para siempre y basta seguirlo para alcanzar la verdad científica? Tal señalamiento sólo permite mostrar que el método es un hilo conductor que orienta el trabajo científico y que debe adecuarse a la complejidad del objeto

12O método

– apontam diversos autores – é o caminho que se segue na investigação. Mas, qual é

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de estudio, así como a las exigencias particulares de la investigación y del contexto histórico-social en el que se realiza.

Por ser um caminho, o método não pode ser tratado sob o prisma da rigidez, o engessando em uma verdade plena e totalizadora de forma unilateral e autoritária. Ao contrário, o método possibilita ao (a) pesquisador (a) uma lente para que este (a) possa investigar a realidade sob determinada visão de mundo. O método na abordagem marxiana, segundo Löwy (1985, p.15), aplica-se a todos “os fenômenos econômicos ou sociais, todas as chamadas leis da economia, ou da sociedade, são produtos da ação humana, e, portanto, podem ser transformados por essa ação”.

Tanto o método quanto suas categorias, na dialética materialista, não são considerados como leis estáticas e eternas ou ainda naturais. As categorias analíticas são resultados do processo de ação e interação, de produção e reprodução do ser humano nas suas relações entre si e com a sociedade, e doravante, podem ser transformadas e superadas.

Tendo como embasamento esta apreensão metodológica da realidade social, percebe-se que o estudo da violência e suas diversas implicações é um desafio permanente, imposto aos (as) pesquisadores (as). Quando crianças e adolescentes são as vítimas deste fenômeno, a complexidade torna-se um elemento intransponível para uma análise mais aprofundada. O enfrentamento à violência sexual está diretamente relacionado à apreensão deste fenômeno a partir da multiplicidade das determinações que o engendram na dinâmica da sociedade.

Partindo deste pressuposto, elaborou-se a seguinte tese: A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno multideterminado, multifacetado e complexo que envolve diversos aspectos como relações desiguais de gênero, de classe, étnico-raciais, intergeracionais, intrafamiliares e interpessoais bem como sua produção e reprodução está diretamente implicada na disseminação de padrões socioculturais calcados no machismo, patriarcado e sexismo13.

A resposta para o seu enfrentamento no âmbito das ações de atendimento da proteção social especial de média complexidade da Política de Assistência Social deve superar a espontaneidade14 do cotidiano, buscando apreender a totalidade que

13 As categorias machismo, patriarcado e sexismo serão aprofundadas no capítulo 4 desta tese.

14 A espontaneidade é apreendida segundo Heller (1982) como uma característica dominante da vida

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