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IV. METODOLOGIA

2- Método da pesquisa mais ampla

O estudo piloto foi realizado no período de setembro a dezembro de 2008 em uma escola pública de ensino fundamental, também com turmas de primeira a quarta série, na região administrativa do Cruzeiro, no Distrito Federal. O estudo piloto teve o objetivo de testar todos os instrumentos e procedimentos de pesquisa planejados e, com base nele foram realizados os ajustes necessários para o momento de construção dos dados. Após a autorização da diretora da instituição, iniciamos o estudo piloto na escola com a colaboração mais direta da coordenadora escolar. Foram realizadas cinco sessões de observação direta nas salas de aula de duas turmas de quarta série e, também, no momento do recreio, totalizando aproximadamente 15 horas de imersão registradas por escrito em diário de campo. Também foram realizadas três sessões lúdicas com dois grupos de quatro meninas, duas com fenótipo predominantemente negro, e duas com fenótipo predominantemente branco de cada turma. As seis sessões lúdicas, planejadas para terem duração de 30 minutos cada uma, somaram pouco mais de 03 horas de gravação em vídeo. Os procedimentos de observação direta no período de

aproximação etnográfica e das sessões lúdicas não sofreram alterações para o estudo principal e serão descritos com mais detalhes posteriormente.

Foram realizadas ainda três entrevistas individuais com crianças, sendo duas com o objetivo de testar o roteiro de perguntas, e uma para testar o roteiro de desenhos de si mesmas. Este último roteiro foi inspirado em tese de doutorado sobre as concepções de si de crianças (Freire, 2008). As três entrevistas totalizaram pouco mais de 02 horas e 30 minutos de gravação em áudio. Os procedimentos em questão sofreram alterações para o estudo principal, sendo que foram adicionadas perguntas ao primeiro roteiro, e foram retirados dois itens para desenho do segundo roteiro.

Foram realizadas também uma entrevista individual com professora e uma sessão em grupo com quatro meninas para completamento de frases sobre si mesmas em fichas coloridas. O roteiro de frases sobre si mesmas também foi inspirado em Freire (2008). O roteiro de perguntas para as professoras não sofreu alterações para o estudo principal. O roteiro para o completamento de frases sobre si mesmas passou a ser aplicado individualmente, logo após a confecção dos desenhos de si, compondo um instrumento único de entrevista semi-estruturada com as crianças na seqüência: Entrevista 1 – desenhos e frases completadas e Entrevista 2 - perguntas.

2.2 - Contexto de Investigação

A pesquisa mais ampla foi realizada em uma escola de ensino fundamental da rede pública de ensino do Distrito Federal, situada no Plano Piloto de Brasília. A escola era composta por turmas de primeira a quarta série, e a pesquisa foi desenvolvida com alunas das duas turmas de quarta série (ou quinto ano) do período matutino. A escola foi selecionada conjuntamente pela pesquisadora e sua orientadora, por conveniência, com base na disponibilidade demonstrada pela instituição na realização de estudo anterior (Freire, 2008).

Em outubro de 2008, a pesquisadora realizou a primeira visita à escola, acompanhada por colega de pós-graduação que havia realizado sua pesquisa na instituição. A temática da pesquisa foi apresentada de forma bem ampla e geral à diretora da escola. Em seguida, a pesquisadora foi apresentada à vice-diretora e também aos demais profissionais da equipe pedagógica que estavam presentes. A diretoria foi receptiva à realização da pesquisa nesta instituição escolar.

A escola tem excelente reputação entre os profissionais e estudantes ligados à área da educação, pela competência na implantação de ações psicopedagógicas de sucesso. Por isso, a

escola vem recebendo muitos estagiários de diversas áreas, como pedagogia, psicologia e educação física, e as crianças maiores já pareciam acostumadas à presença de outras pessoas além da equipe pedagógica. Em função também da boa reputação da escola, seu corpo discente é mesclado com filhos de pais e mães de classe média e de baixa renda.

A escola inclui, na frente, um espaço aberto com uma quadra poliesportiva de um lado, e um espaço planejado para brincadeiras do outro. Na parte interna do prédio, existe uma sala para secretaria, duas para diretoria, uma copa/cozinha anexa à sala das professoras, banheiros dos funcionários e professoras, sete salas de aula, uma cozinha maior, banheiros das crianças, uma sala de leitura, uma sala com computadores e um grande pátio no centro.

Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da área de Saúde da UnB, adquirimos a autorização da Secretaria de Educação do DF para realizar a pesquisa.

2.3 - Participantes

As duas turmas de quarta série do turno matutino tinham aproximadamente 27 alunos cada uma. Eram turmas heterogêneas em termos de origem sócio-econômica e ritmos de aprendizagem. Na quarta série “A” havia duas crianças portadoras de necessidades especiais, um menino e uma menina. Foram selecionadas oito meninas ao todo, na faixa etária de 9 a 11 anos: 1Leila, Paula, Helen e Vivian da quarta série “A”; e Bianca, Rafaela, Érica e Laura da quarta série “B”. Leila, Paula, Bianca e Rafaela tinham fenótipo predominantemente negro, variando características como cabelos crespos, lábios grossos, nariz largo e cor da pele escura. Helen, Vivian, Érica e Laura tinham fenótipo predominantemente branco, variando características como cabelos lisos e aloirados e cor de pele clara.

Inicialmente, foi importante estabelecer uma relação de familiaridade com a turma, o que ocorreu durante as primeiras semanas de aproximação etnográfica. A professora fez a apresentação inicial da pesquisadora. As observações das interações sociais ocorreram na sala e no recreio, sendo estas registradas em diário de campo. Também houve conversas informais com as crianças e com a professora com o objetivo de formar vínculos de confiança.

As meninas foram selecionadas com base em características do fenótipo, quatro “negras” e quatro “brancas”, e também com base em maior vínculo de confiança com a pesquisadora. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pela direção da escola e, em seguida, encaminhado em forma de carta na agenda das meninas. A pesquisadora

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entregou pessoalmente a carta a cada uma das meninas, explicando que se tratava de uma segunda etapa da pesquisa com uma quantidade menor de crianças, e que a carta precisava ser assinada pelos pais para que elas pudessem participar. Posteriormente, a pesquisadora sentiu necessidade de explicar perante as duas turmas a necessidade de reduzir o número de crianças para um trabalho mais individualizado, agradecendo a compreensão dos demais.

Todas as famílias contatadas autorizaram, por meio da devolução de uma das vias do TCLE assinada, a participação das meninas nas fases seguintes da pesquisa, que incluíam gravações em vídeo e a utilização das imagens para fins de pesquisa. Iniciamos, então, as sessões lúdicas em grupo com quatro meninas de cada turma e, posteriormente, a fase de entrevistas individuais, sendo todo o material gravado em vídeo.

Foi apresentado, também, um TCLE específico para o convite às professoras regentes de cada turma. As duas professoras, Rejane (4a B, 36 anos) e Raílda (4a A, 41 anos), aceitaram por escrito participar da pesquisa, por meio de entrevista individual registrada em gravação de áudio na fase final, após todos os procedimentos realizados com as crianças.

Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa (crianças) Criança Idade Cor2 Turma Bairro onde

mora Composição Familiar

Leila 11 Negra A Planaltina Mora com pai, mãe, irmã e

meio-irmão por parte de mãe.

Paula 10 Negra A Plano Piloto Mora com pai, mãe e irmã.

Helen 10 Branca A Plano Piloto Mora com pai, mãe e

irmão.

Vivian 10 Branca A Plano Piloto Mora com pai, mãe e

irmão.

Bianca 10 Negra B Paranoá Mora com pai, mãe, irmã,

irmão, avó, dois tios e duas tias.

Rafaela 10 Negra B Plano Piloto Mora com pai e mãe.

Érica 09 Branca B Plano Piloto Mora com pai, mãe e

irmão.

Laura 10 Branca B Plano Piloto Mora com a mãe.

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Classificação realizada pela pesquisadora com base na observação da combinação de características fenotípicas, como cor da pele, tipo de cabelo, lábios, nariz, etc.

2.4 - Instrumentos e Materiais

Foi utilizado um diário de campo manuscrito para o registro das sessões de observações diretas em sala de aula e no recreio. Nas sessões lúdicas semi-estruturadas em grupo, foram utilizados os seguintes brinquedos, visando maximizar a ocorrência de interações das crianças em torno da temática étnico-racial: uma boneca negra; uma boneca loira; uma boneca oriental; uma boneca branca de cabelos castanhos; mobílias de casa, vestuário e acessórios para bonecas. As sessões lúdicas e as entrevistas individuais semi- estruturadas com as crianças foram registradas em vídeo-gravação com a utilização de uma câmera filmadora da marca Sony. As entrevistas individuais com as professoras foram registradas em gravação de áudio com a utilização de um aparelho MP3 player.

2.5 - Procedimentos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos foram especialmente desenvolvidos, sob a inspiração de desenho metodológico complexo desenvolvido por Freire (2008), visando construir informações acerca da construção de concepções de si no contexto das relações étnico-raciais entre as crianças. Esses procedimentos foram organizados em quatro etapas: (1) Aproximação etnográfica com registro de observações; (2) Sessões lúdicas semi-estruturadas; (3) Entrevistas individuais com as crianças; e (4) Entrevista individual com as professoras.

2.5.1 - Aproximação Etnográfica com Registro de Observações

O período de Aproximação Etnográfica teve a finalidade de adaptação mútua entre a escola e a pesquisadora, e ocorreu no período de março a abril de 2009. A pesquisadora realizou 10 visitas em dias alternados da semana, somando, aproximadamente, 40 horas de observações diretas em sala de aula e no momento do recreio registradas por escrito em diário de campo.

A partir desta familiarização, foram escolhidas quatro crianças-alvo em duas turmas de quarta série, sendo duas meninas negras e duas brancas em cada turma. As observações serviram para a identificação da rotina e atividades em sala de aula, como forma de situar as interações, participação e posição pessoal das crianças participantes da pesquisa. A convivência no cotidiano escolar possibilitou a partilha de experiências e conhecimento comum a partir de interações espontâneas durante a aula e o recreio.

2.5.2 - Sessões Lúdicas Semi-Estruturadas

Foram realizadas seis sessões lúdicas semi-estruturadas em grupo durante a última quinzena do mês de maio de 2009, na sala de leitura da escola, cedida como espaço alternativo porque estava em fase de reorganização. As sessões foram realizadas no mesmo turno das aulas, no horário do recreio. Cada grupo com quatro meninas, duas “negras” e duas “brancas” de cada turma, interagia durante aproximadamente 30 minutos, utilizando brinquedos selecionados pelas pesquisadoras com o intuito de maximizar a ocorrência de interações relacionadas ao tema investigado. Por exemplo, as bonecas com características étnico-raciais diversas. Três sessões lúdicas foram registradas em vídeo para cada grupo, em dias alternados da semana, totalizando aproximadamente 03 horas e 30 minutos de filmagem. Essas sessões permitiram a formação de vínculos de confiança entre a pesquisadora e as crianças para a etapa seguinte de entrevistas individuais.

Na primeira sessão lúdica de cada grupo, as bonecas foram distribuídas pela pesquisadora, com características étnicas diferenciadas de cada menina, de forma proposital para observar as reações e o desenrolar das interações a partir disto. Ou seja, a boneca negra foi oferecida a uma menina branca, a boneca loira foi oferecida a uma menina negra, e assim por diante. Logo após a distribuição, as crianças eram orientadas a brincar livremente. Ao final, as crianças eram avisadas de que o tempo havia expirado, a pesquisadora fazia algumas perguntas sobre as interações ocorridas e, em seguida, levava as meninas de volta à sala de aula. Durante a primeira sessão, a pesquisadora permaneceu em uma postura discreta, apenas respondendo a alguma pergunta das crianças quando tinham dúvidas, mas sem participar da brincadeira.

Na segunda sessão de cada grupo, a distribuição das bonecas foi livre, isto é, as meninas escolheram e negociaram entre si com quais bonecas iam ficar. A brincadeira era livre, mas, desta vez, a pesquisadora sentou no tapete para participar da brincadeira com as crianças, realizando perguntas com o menor direcionamento possível no momento das interações. Ao final, as crianças eram avisadas de que o tempo havia expirado e que a sessão estava encerrada. Em seguida, a pesquisadora encaminhava as meninas de volta à sala de aula. Na terceira sessão de cada grupo, a distribuição das bonecas e a brincadeira foram livres, sem a participação da pesquisadora em nenhum momento das interações. A única coisa diferente na última sessão foi a introdução do jogo “Cara-a-cara” entre os brinquedos disponíveis. Neste jogo, cada dupla de jogadores tem um conjunto com 24 figuras de rostos diferentes (mulheres, homens, jovens, velhos, cabelos pretos, loiros ou brancos etc),

organizadas em pé numa plataforma para cada lado. De um baralho, sorteia-se um rosto para cada dupla que, através de perguntas, deve adivinhar o rosto que coube ao adversário. Este jogo foi escolhido porque aborda o assunto das características físicas de pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais.

2.5.3 - Entrevistas Individuais com crianças

Foram realizadas duas entrevistas semi-estruturadas com cada criança, no período entre o final do mês de maio e o mês de junho de 2009. Houve dificuldade para realizar as duas entrevistas em período regular de aula, porém em espaço alternativo à sala de aula. As professoras liberaram as crianças de algumas atividades para que pudessem participar das entrevistas desta pesquisa. Todas as entrevistas foram filmadas. Cada uma das dezesseis entrevistas teve duração média de uma hora na realização dos procedimentos que incluíram elaborar desenhos e completar frases na primeira entrevista, e dialogar com a pesquisadora com base em roteiro de perguntas na segunda entrevista.

No início da primeira entrevista, a criança era solicitada a fazer dois desenhos de si mesma e, após cada um, conversar com a pesquisadora sobre eles. Foram disponibilizados materiais como lápis grafite, borracha, apontador e lápis de cor para a execução desta atividade. Após esclarecer que os desenhos não eram nenhum tipo de avaliação e que elas poderiam fazer da forma que quisessem, utilizando o tempo que precisassem, as orientações para os desenhos eram as seguintes:

 Faça um desenho de você mesma, colocando no desenho as coisas que você MAIS gosta em você!

 Faça um desenho de você mesma, colocando no desenho as coisas que você MENOS gosta em você!

Ainda na primeira entrevista, após os desenhos, a criança era solicitada a completar em fichas coloridas, algumas frases sobre si mesma (ver frases a seguir). Também no completamento de frases, as crianças eram orientadas a escrever livremente, no tempo que precisassem, pois não se tratava de nenhum tipo de avaliação. Após cada frase completada, a pesquisadora conversava com a criança sobre o sentido atribuído ao que estava escrito, e sobre situações vividas. As frases a serem completadas eram as seguintes, em seqüência:

 Acho muito ruim quando alguém diz para mim que eu ...  Acho super legal quando alguém diz para mim que eu ...  Eu me acho uma pessoa ...

 Os outros me acham uma pessoa ...

 Se eu pudesse mudar alguma coisa em mim, seria ...

 Quando eu faço alguma coisa errada, eu me sinto... (na escola/ em casa/ com os amigos)

Na segunda entrevista, a criança era solicitada a responder oralmente a perguntas, com base em um roteiro de entrevista individual semi-estruturada (Anexo 1). O roteiro explorava, de maneira mais sistemática, narrativas de experiências, pessoais e/ou familiares, relacionadas ao preconceito e ao pertencimento étnico-racial. Devido ao tempo reduzido para a elaboração da presente dissertação de Mestrado acadêmico, optamos por transcrever e analisar, integralmente, para este trabalho, as ricas entrevistas individuais das crianças negras, com foco na análise do impacto das relações étnico-raciais brasileiras nas concepções de si dessas meninas (ver Resultados).

2.5.4 - Entrevista Individual com Professoras

Por fim, foi realizada uma entrevista individual com as duas professoras das turmas de quarta série do turno matutino. O roteiro semi-estruturado (Anexo 2) continha questões referentes a informações pessoais, trajetória profissional, percepção sobre a turma de maneira geral, enfatizando as características do grupo quanto a dinâmica de socialização e aprendizagem. Também existiam no roteiro perguntas mais específicas sobre as crianças sujeitos da pesquisa, incluindo comentários sobre o desempenho escolar e a qualidade do relacionamento interpessoal; e, finalmente, perguntas sobre a classificação racial dos alunos e a influência das crenças e valores racistas no contexto escolar. Cada entrevista teve duração aproximada de duas horas, e foram registradas em gravação de áudio, sendo transcritas em forma de sumário para auxiliar a análise das entrevistas das crianças negras, no caso da presente dissertação.

2.6 - Justificativa do Recorte para a Dissertação e Procedimentos de Análise

Como dito anteriormente, nesta dissertação focalizamos a análise das oito entrevistas realizadas com as crianças negras (Bianca, Rafaela, Leila e Paula). Estas entrevistas foram

integralmente transcritas e, em seguida, foram destacados os trechos das narrativas que pareciam ter relações significativas com o tema estudado. Os critérios incluíram menções, reflexões e referências a avaliações de si e dos outros e sobre experiências discriminatórias dentro e fora do contexto escolar, e incluíram, também, o valor atribuído a características pessoais associadas à negritude, como a cor da pele escura, o cabelo crespo, o nariz largo e os lábios grossos, e/ou branquitude, como cabelos lisos, pele e olhos claros, dentre outras. Após cada trecho destacado, uma análise foi elaborada, buscando relacionar as concepções apresentadas com inferências acerca de posicionamentos de self percebidos no discurso das crianças, relacionados a temas como preconceito, racismo e identidade negra no Brasil.

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