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II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3- Preconceito, Racismo e Identidade Negra

A palavra preconceito passou por três diferentes significados na história humana: (1) inicialmente era vista como um julgamento baseado em decisões e experiências prévias; (2) passou a ser percebida como um julgamento formado antes do devido exame e consideração dos fatos e (3) atualmente é vista como uma tonalidade emocional de favorecimento ou desfavorecimento que acompanha um julgamento prévio e infundado. O preconceito, diferentemente de uma simples concepção errônea, é ativamente resistente a qualquer evidência ou conhecimento que possam desconstruí-lo (Allport, 1954).

O preconceito étnico-racial é predominantemente negativo e é definido por Allport (1954) como uma antipatia baseada em uma generalização defeituosa e inflexível, que pode ser expressa ou apenas sentida pela pessoa preconceituosa. Ela pode ser direcionada a um grupo como um todo, ou a um indivíduo por ser membro daquele grupo. O sistema de crenças da pessoa preconceituosa pode encontrar uma forma de justificar sua atitude mais permanente de preconceito, isto é, o processo de racionalização acomoda as crenças pessoais às atitudes preconceituosas, adicionando um forte componente emocional ao preconceito. Pode-se afirmar que a discriminação tem conseqüências sociais mais sérias e imediatas do que o preconceito. A discriminação racial é um tratamento desfavorável dado a indivíduos ou grupos por conta de sua classificação étnico-racial. Na discriminação, a pessoa preconceituosa faz distinções ativas em detrimento dos membros de determinado grupo, ou seja, ela exclui os membros desse grupo de certos tipos de emprego, direitos políticos, oportunidades educacionais, e outros privilégios sociais. A segregação é uma forma institucionalizada de discriminação, forçada legalmente ou pelos costumes.

Galinkin (2007) em uma redefinição do que se concebe como violência, trouxe o exemplo da escravidão da população negra, que vigorou no Brasil até o final do século XIX. A autora destaca que a escravidão implicava na invasão e seqüestro de homens e mulheres africanos em seus lares, e no transporte dessas pessoas nos porões insalubres dos navios negreiros. A escravidão implicava ainda na venda dessas pessoas como mercadorias, no açoite até a morte como forma de punição de escravos que tentavam a liberdade e, também no uso sexual das mulheres negras pelos senhores de escravos. A autora mostra que a escravidão e o extermínio de populações ou grupos étnicos, os maus tratos e a sujeição de pessoas a condições vis são atualmente concebidos como grave violação dos Direitos Humanos, isto é, como formas cruéis de violência.

Madureira (2007) apresenta uma definição muito pertinente ao nosso trabalho, onde os preconceitos são vistos como fronteiras simbólicas rígidas, construídas historicamente e com forte enraizamento afetivo, que acabam por se constituir em barreiras culturais que separam grupos sociais e indivíduos. A discriminação corresponde ao preconceito posto em ação. A autora salienta a complexidade da relação entre preconceito e discriminação, por conta da integração entre as esferas da ação, cognição e da emoção neste fenômeno. Ela afirma que o preconceito está fortemente vinculado a uma intolerância emocional e que não é por acaso que a árdua tarefa de combatê-lo não pode ser vencida, simplesmente, com argumentos racionais ou com a apresentação de provas empíricas. Por outro lado, a experiência de ser discriminado também provoca forte mobilização afetiva, afinal de contas, afirma a autora, sentir-se desqualificado ou inferiorizado por „defeitos‟ pré-supostos certamente provoca sofrimento psíquico. Por isso, adaptamos a frase da autora, afirmando que “A psicologia do Desenvolvimento tem muito a dizer sobre as relações entre a (re) produção das desigualdades étnico-raciais e o sofrimento psíquico de crianças negras vítimas de discriminação”, foco central do nosso estudo.

Tendo freqüentemente origem em exclusão sócio-histórica, econômica e cultural, a exclusão simbólica se manifesta, na maioria das vezes, pelo discurso do outro, sendo a linguagem uma das vias mais importantes de disseminação do preconceito. Isto se dá através do uso de termos pejorativos que, em geral, desvalorizam a imagem do negro. Outras vias também importantes consistem na metacomunicação relacional (Branco & Valsiner, 2004), através das dimensões não verbais e paralinguísticas da comunicação humana, e na organização de práticas sociais discriminatórias.

De acordo com Vygotsky (1984), o psiquismo humano se constitui através de processos de apropriação dos modos e códigos sociais. Com a internalização, a criança vai tornando seu o que é compartilhado pela cultura, ou seja, o discurso social passa a ter um sentido individual. Mas os referenciais externos para as crianças negras são dilacerantes. A mensagem transmitida é que, para o negro existir, ele tem de ser branco. Para se afirmar como pessoa, o/a negro/a precisa negar o seu corpo e a sua cultura, enfim, a sua etnicidade, e este processo começa na infância (Menezes, 2003).

Torna-se, então, importante a análise das bases histórico-culturais que construíram o preconceito racial no Brasil e no mundo, evidenciando as peculiaridades do racismo “à brasileira” para, posteriormente, refletir sobre suas implicações na organização de self de crianças em processo de (não) formação da identidade negra. Procuramos também teóricos

que definem a natureza do preconceito, em nossa tentativa de localizar esta problemática dentro da unidade cognição, afeto e ação que caracteriza os processos que compõem a noção de si-mesmo.

3.1 - Preconceito: cognição, afeto e ação

Quando se considera a gênese social do desenvolvimento individual do sujeito humano, como afirma a perspectiva sociocultural construtivista, o preconceito traz implicações no plano das interações sociais e no plano subjetivo, na forma como o sujeito vivencia, em termos cognitivos e afetivos, as suas experiências cotidianas, organiza a sua compreensão sobre si mesmo e sobre o mundo social em que está inserido (Madureira & Branco, 2007).

Os estereótipos, o preconceito e a discriminação são processos que caminham juntos na expressão do racismo. De acordo com Lima e Pereira (2004), a análise da trajetória dos estudos sobre estes processos, ao longo da história da psicologia, evidencia diferentes ênfases. Até a década de 1920, os preconceitos eram vistos como atitudes normais frente a grupos sociais considerados “inferiores”. Nos anos 40 e 50 surgiram teorias de âmbito intra- individual, como a da frustração-agressão e da personalidade autoritária para explicar o preconceito; nas décadas de 70, 80 e 90 foi observado o predomínio de teorias que enfatizavam processos de relações intergrupais, como por exemplo, a da categorização, a da identidade social e a do conflito de objetivos.

Dentro da teoria da categorização, por exemplo, os efeitos mais importantes ligados à simplificação que este processo opera sobre a percepção dos objetos, são a percepção do aumento das diferenças intercategoriais (efeito de contraste ou de diferenciação cognitiva) e das semelhanças intracategoriais (efeito de assimilação ou de estereotipia cognitiva). No caso da categorização social, os sujeitos estão eles próprios no interior de uma rede de categorias. As pessoas são, então, “sujeitos” da categorização e “objetos” tratados por este processo cognitivo que elas próprias utilizam (Deschamps & Moliner, 2009).

Lima e Pereira (2004) ressaltam, ainda, que a evolução teórica e metodológica no estudo do preconceito reflete as mudanças sócio-históricas, assim como as normas sociais que estruturavam as relações intergrupais em cada período. Nos séculos XVIII e XIX, e até a primeira metade do século XX, não havia preocupação com os preconceitos, pois se vivia em um mundo regido por hierarquias raciais declaradas. A partir da segunda metade do século XX, um importante conjunto de mudanças sociais e políticas ocorridas entre as décadas de 40

e 60, como por exemplo, a crítica ao regime nazi-fascista, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a declaração da UNESCO sobre as classificações raciais em 1950, a luta pelos direitos civis nos EUA, o movimento feminista, a luta contra o apartheid na África do Sul, e outros movimentos sociais importantes provocaram mudanças em nível político e sociocultural. Esses movimentos procuravam também combater as formas de expressão do preconceito e do racismo, e a expressão pública dos variados estereótipos culturais contra as minorias sociais.

Os estereótipos são definidos, classicamente, como conjuntos de crenças relativas às características de um grupo. Eles são simplificações que permitem definir e caracterizar um grupo, descrever seus membros de forma rápida e econômica no plano cognitivo (Deschamps & Moliner, 2009). O estereótipo social também é definido como a crença coletivamente compartilhada acerca de algum atributo, característica ou traço psicológico, moral ou físico atribuído extensivamente a um agrupamento humano, formado mediante a aplicação de um ou mais critérios, como por exemplo, idade, sexo, inteligência, moralidade, profissão, filiação religiosa, etc. Há duas direções na mobilização de estereótipos sociais: a que se volta para o grupo ao qual se pertence (auto-estereótipos); e a que visa um grupo distinto (hetero- estereótipos). Além disso, há estereótipos sociais de duas qualidades distintas, os positivos e os negativos (Lima & Pereira, 2004).

De acordo com Goffman (1982), a manipulação do estigma é uma ramificação de algo básico na sociedade, ou seja, a estereotipia ou o “perfil” de nossas expectativas normativas em relação à conduta e ao caráter dos membros de um grupo específico. A estereotipia está classicamente reservada para pessoas que são classificadas em categorias muito amplas e que podem ser estranhas para outros. É muito freqüente que os traços constitutivos de um estereótipo tenham conotações negativas. Na percepção dos outros, esses traços podem levar os indivíduos a fazer um julgamento negativo sobre uma pessoa, não em razão das especificidades desta pessoa ou de sua conduta, mas simplesmente em razão de sua pertença a um grupo que é objeto de um estereótipo negativo. Este fenômeno corresponde, de fato, a simples noção de preconceito que designa o julgamento a priori e geralmente negativo de que são vítimas os membros de certos grupos. Os estereótipos não cumprem só uma função cognitiva, mas também avaliativa. Os traços estereotípicos que os membros de um grupo atribuem aos de outro predispõem os primeiros a fazer julgamentos negativos sobre os segundos, pois os estereótipos constituem o substrato cognitivo dos preconceitos (Deschamps & Moliner, 2009).

Quando estiverem associados a sentimentos, estereótipos sociais passam a constituir estruturas psicológicas de maior complexidade, caracterizadas como atitudes e preconceitos sociais. A aludida complexidade deriva precisamente da presença de afeto e sentimentos, ora positivos, ora negativos, em relação a um objeto social que, na situação considerada, é um grupo humano. Assim, a articulação entre estereótipos sociais, favoráveis ou desfavoráveis, e sentimentos, de aceitação ou rejeição, em relação a determinado grupo humano, produz, na ocorrência combinada de crenças e sentimentos positivos, atitudes sociais favoráveis; porém, se os estereótipos e sentimentos em relação ao grupo forem negativos, pode-se falar da existência de um preconceito social (Lima & Pereira, 2004).

O efeito imediato de preconceitos sociais é a discriminação que, essencialmente, é o tratamento injusto em relação aos membros do grupo visado. Esta injustiça se dá nas formas de relacionamento, avaliação e atendimento comparativamente desigual e desfavorável às pessoas que integram o grupo alvo de preconceito social. Esse tratamento injusto pode assumir formatos diversos, dependendo da situação. A discriminação social pode ser particularmente praticada por pessoas, consideradas em sua individualidade, contudo, ela tende a alcançar o estatuto de uma norma social implícita, ou ser até mesmo uma prática institucionalizada (Lima & Pereira, 2004).

O processo de categorização social permite compreender o estabelecimento da distinção „intra‟ versus „fora do‟ grupo (ingroup versus outgroup, ver Triandis, 1995) e seus efeitos cognitivos simplificadores, mas não permite compreender todos os seus efeitos avaliativos e discriminatórios (Deschamps & Moliner, 2009). Torna-se importante estudar os processos que compõem o preconceito racial em uma perspectiva que integre as percepções que a maioria tem das minorias, aos efeitos que estas percepções têm sobre as minorias, bem como sobre o modo como estas refletem e integram estas imagens ou percepções (Lima & Pereira, 2004). Ou seja, é importante trazer uma perspectiva bidirecional, de constituição mútua, entre maiorias e minorias sociais para o estudo das relações étnico-raciais.

3.2 - Identidade social e relações de poder

Ao longo da existência, a identificação do indivíduo aos ideais que lhe são propostos pelos circunscritores sociais em diversos níveis constitui o elemento dominante de uma marca que é, ao mesmo tempo, subjetiva e objetiva (d‟Adesky, 2005). A interação com os outros faz com que também estes transmitam uma imagem de identidade que pode ser aceita ou recusada. Nesse sentido, a identidade implica um processo constante de identificação do „eu‟

em contraste com o outro, e do outro em relação ao „eu‟, sendo este um fator fundamental para o desenvolvimento da pessoa enquanto sujeito (Fogel, 1993; Valsiner, 2007). O olhar do outro e sobre o outro fazem aparecer as diferenças e, por estas, a consciência de uma identidade (d‟Adesky, 2005).

Para Tajfel (citado em Deschamps & Moliner, 2009), na base da avaliação de si mesmo encontra-se a identidade social conceituada, nesta perspectiva, como ligada ao conhecimento que um indivíduo tem de sua pertença a certos grupos sociais, e da significação emocional e avaliativa que resulta desta pertença. Mas a pertença a um dado grupo não contribui para a elaboração de uma identidade social positiva, a não ser que as características deste grupo possam ser comparadas favoravelmente às de outro grupo. De acordo com Simon e Brown (citado em Deschamps & Moliner, 2009), com a necessidade de uma identidade social positiva, a pertença a um grupo minoritário constituiria uma ameaça para a identidade pessoal e a estima de si dos indivíduos que compõem o grupo. Os indivíduos que pertencem a grupos majoritários não experimentam ameaça semelhante.

O processo de identificação racial, porém, se mostra bastante ambíguo. Para ser consistente, a identificação necessitaria da coincidência e coerência da auto-percepção do indivíduo e da percepção do outro com uma única categoria racial. Mas existe um grande número de categorias raciais no Brasil, e isto relativiza a identificação racial, assim como a realidade da miscigenação em muitas famílias, em que convivem pessoas de diferentes tonalidades de pele. O sentimento de pertencimento está ligado à identificação, sem se confundir com ela. A identidade coletiva é a presença do “mesmo” nos outros e, nessa interação, o grupo torna-se realmente uma coletividade cuja estruturação e unificação permitem o acesso, de alguma forma, a um nível mais seguro de existência (d‟Adesky, 2005). Em sua teoria dos „Campos Sociais‟, Bourdieu (citado em Deschamps & Moliner, 2009) defende que os indivíduos ocupam lugares distintos e hierarquizados no espaço social. Essas hierarquias devem ser compreendidas em relação aos recursos de capital econômico e cultural de que dispõem os indivíduos membros de determinados grupos. Os grupos dominantes, em virtude do poder de que dispõem, estão em condições de impor normas e representações aos membros dos grupos dominados. Nesta perspectiva, a ocupação de uma posição social (a pertença a uma classe, gênero ou etnia/raça) se traduz pela adoção de modos operatórios (esquemas classificatórios e históricos) próprios a esta posição. A adoção desses processos resulta da apropriação das estruturas fundamentais da sociedade. Convém, de fato, considerar que se os indivíduos se apropriam das estruturas da sociedade, eles também

internalizam seus valores e suas hierarquias. Graças a sua visibilidade e em razão do poder de que dispõem, os julgamentos dos membros das categorias consideradas superiores servem de ponto de referência para os membros dos demais grupos sociais.

Noções como as de perda de identidade e de aculturação, que levam em consideração situações de despojamento e de opressão, colocam em destaque a ordem das relações antagônicas e as diferenças interculturais que podem existir entre pessoas de diferentes pertencimentos. Na medida em que uma dada cultura é formada por diversos conjuntos, ou engloba diversas formas culturais, podem aparecer tensões capazes de gerar lancinantes processos de degradação. Da mesma forma, a perda de identidade pode surgir no seio do grupo onde coexistem diversas culturas sustentadas pela presença de uma cultura hegemônica. Tal situação é comum em sociedades pluri-étnicas onde as perdas de identidade atingem, principalmente, os grupos dominados, como é o caso do Brasil (d‟Adesky, 2005).

3.3 - Histórico e presença do racismo no Brasil

A propósito da história dos questionamentos acerca das características físicas e culturais do povo brasileiro, foi no final do século XIX que as teorias raciais chegaram ao país. Ao contrário da perspectiva pessimista presente nas idéias dos pensadores europeus sobre o caráter degenerativo da mistura entre as raças, os “cientistas” brasileiros, a serviço de determinados interesses, precisaram dar um sentido positivo à miscigenação, já que o processo de mestiçagem estava bastante avançado (Schwarcz, 1993). Foi necessário, então, buscar uma solução apropriada para a questão racial brasileira, e ela foi encontrada na forma de um „elogio à miscigenação‟. Então, os fundamentos da ideologia racial elaborada pela elite brasileira a partir do fim do séc. XIX a meados do séc. XX resultaram no ideário do branqueamento e na divisão entre negros e mestiços, alienando e prejudicando o processo de construção identitária de ambos (Munanga, 1999).

d‟Adesky (2005) apresenta o conceito de raça como ambíguo, entretanto, difícil de ser abandonado. Ele cita Taguieff para lembrar que o ser humano comum ainda tem formas de percepção que nada tem a ver com os complexos modelos teóricos dos geneticistas contemporâneos. O indivíduo comum não percebe seus vizinhos com olhos do espírito científico, pois ele entende este discurso científico como algo distante e abstrato, sustentado pelas elites do saber e desprovido do conhecimento corriqueiro (ao qual chamaríamos de „sabedoria popular do bom senso‟) sobre as raças e como elas devem ser socialmente percebidas. E é por isso que a desconstrução científica da categoria de raça biológica não faz

desaparecer a evidência da raça simbólica, da raça percebida e, invariavelmente, interpretada e avaliada. Acima de tudo, o imaginário racista alimenta-se das semelhanças e das diferenças fenotípicas, que vão da cor da pele até diversas características morfológicas. Entretanto, no Brasil, não se pode negar a evidente dificuldade em privilegiar um único critério racial como elemento fundamental da identidade, já que nossa população é, de fato, tão heterogênea. No Brasil, a ideologia do branqueamento foi forjada pelas elites brancas, que apostavam na “purificação étnica” do nosso povo através de cruzamentos inter-raciais que produziriam um homem ariano plenamente adaptado às condições brasileiras. As políticas de imigração do Estado brasileiro ilustram essa ideologia, através de propostas públicas de favorecimento à entrada de imigrantes europeus no país, considerados superiores aos africanos e asiáticos (Carone & Bento, 2002). Apesar de ter fracassado o processo de branqueamento físico da sociedade brasileira, seu ideal inculcado através de mecanismos psicológicos permanece na cultura coletiva do brasileiro, rondando sempre nas cabeças dos negros e mestiços. No lugar de uma sociedade totalmente branca, ideologicamente projetada, nasceu uma sociedade plural constituída por mestiços, negros, índios, brancos e asiáticos cujas combinações em proporções desiguais dão ao Brasil seu colorido atual (Munanga, 1999).

Essa ideologia do branqueamento sofreu, ao longo do tempo, importantes alterações de função e de sentido no imaginário social, tornando-se um tipo de discurso que atribui aos negros o desejo de branquear ou de alcançar os privilégios de ser branco por inveja ou imitação. De acordo com Munanga (1999), o ideal do branqueamento prejudica qualquer busca de identidade baseada na “negritude” e/ou na “mestiçagem”, já que todos sonham um dia ingressar na identidade branca, por julgarem-na superior. Então, voltados para a suposta „inveja‟ de negros e mestiços, evita-se focalizar o legado da escravidão para o branco, por exemplo, que saiu desse momento histórico com uma herança simbólica e concreta extremamente lucrativa, fruto da apropriação do trabalho escravo de quatro séculos do grupo negro (Carone & Bento, 2002).

O equilíbrio do sistema de classificação racial começou a ser ameaçado na medida em que aparecia uma tendência à classificação fenotípica, em detrimento da regra de descendência. A ideologia colorista construída na segunda metade do século XVIII em relação aos não brancos deu origem a um “racismo derivado”, na medida em que se trata de uma interiorização e de um reflexo do racismo original, o racismo branco. É toda uma cascata de menosprezo que se instalou, indo do mais claro ao mais escuro das nuances de cor. Não

poderia ser minimizado esse tipo de preconceito e essa dialética de contradições secundárias. Os grupos intermediários na linha de cor participaram do preconceito a título de oprimidos e opressores. Uma boa parte da estratégia das pessoas de cor consiste em fazer-se conhecer enquanto grupo privilegiado, diferente dos negros e capazes de se tornar igual aos brancos (Munanga, 1999).

Embora considerado como ponte étnica entre negro e branco, o mulato não goza de

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