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2.1 PESQUISA QUALITATIVA: PERCURSO E DISCUSSÕES

2.1.1 Métodos da pesquisa qualitativa

De acordo com Taylor et al. (2005, p. 4), a observação descritiva, as entrevistas entre outros métodos qualitativos são tão antigas quanto a história registrada [...] suas origens podem ser atribuídas a historiadores, viajantes e escritores que vão do Heródoto grego a Marco Polo. No entanto, só apenas no século XX esses métodos tornaram-se cientificamente reconhecidos.

De acordo com Benny e Hughes (1970 apud Taylor et al., 2005 p. 102), a entrevista é a ferramenta de escavação favorita dos pesquisadores sociais. Ao contrário das entrevistas estruturais (dentre outras características, incluímos perguntas e respostas fechadas), na pesquisa qualitativa, as entrevistas são flexíveis e dinâmicas (TAYLOR et al., 2005, p. 102) e, geralmente, acontecem presencialmente, entre o pesquisador e os informantes voltados para a compreensão das perspectivas dos informantes em suas vidas, experiências ou situações expressas em suas próprias palavras(TAYLOR et al., 2005, p. 102). Para Taylor et al. (2005), a entrevista qualitativa é considerada não-direcionada, não-estruturada, não-padronizada e aberta. Esses autores optaram por denominá-la entrevista aprofundada como método da pesquisa qualitativa.22

Sob essa perspectiva, esses autores apontam três tipos de entrevistas qualitativas: história de vida; entrevista como aprendizado de eventos diretamente não-observáveis; e entrevista para produção de imagem sobre pessoas e situações (TAYLOR et al., 2005). No primeiro tipo, na história de vida, o pesquisador tenta apreender experiências das pessoas, relatadas por meio de suas próprias palavras. Esse método tem sido utilizado nas ciências sociais e foi um dos trabalhos proeminentes da Escola de Chicago nas décadas de 1930 a 1940 (TAYLOR et al., TAYLOR; BOGDAN; DEVAULT). No segundo tipo, os eventos que o pesquisador não consegue apreender diretamente são investigados nas entrevistas, ou seja, as pessoas entrevistadas são informantes [...]. Eles atuam como observadores [...] para o pesquisador. O papel de tais informantes não é simplesmente revelar seus próprios pontos de vista, mas descrever o que aconteceu e como os outros o viram(TAYLOR et al., 2005, p. 104). O último tipo de entrevista é aplicado com um número grande de pessoas a fim de se estabelecer uma imagem de uma variedade de configura- ções, situações ou pessoasem um período curto de tempo (TAYLOR et al., 2005, p. 104). Taylor 22 Baseado em: Qualitative interviewing has been referred to as nondirective, unstructured, nonstandardized, and

open-ended interviewing. We use the phrase in-depth interviewing to refer to this qualitative research method (TAYLOR et al., 2005, p. 102).

et al. (2005) apontam que, embora haja tipos de entrevistas, seu funcionamento é basicamente igual entre eles: em cada caso, os entrevistadores tentam estabelecer um relacionamento com os informantes e desenvolver uma compreensãodetalhada de suas experiências e perspectivas (TAYLOR et al., 2005, p. 104). Esses autores informam também que a gravação das entrevistas é muito útil para o pesquisador, já que registra completamente as palavras ditas.

Aplicada com frequência nas ciências sociais e nas pesquisas aplicadas, a entrevista em grupo ou grupo focal (TAYLOR et al., 2005) passa a ter destaque nas investigações. Nesse método, os entrevistadores reúnem grupos de pessoas para falar sobre suas perspectivas e experiências em discussões abertas(TAYLOR et al., 2005, p. 131). Para Rubin e Rubin (1995, p. 140 apud TAYLOR et al., 2005, p. 132), em um grupo focal, o objetivo é desencadear/provocar uma interação em que as pessoas possam sugerir dimensões e nuances do problema original sobre as quais a pessoa sozinha não teria pensado. Às vezes, uma compreensão totalmente diferente de um problema surge da discussão em grupo.23

Como método "inovador", a autobiografia surgiu na década de 1990 e impactou a pesquisa qualitativa (TAYLOR et al., 2005):

Na década de 1990, surgiu um novo gênero de relatórios qualitativos, encorajados pelas teorias feministas e pós-modernas, nos quais os pes- quisadores qualitativos escreveram sobre suas experiências pessoais não apenas como pesquisadores, mas como temas centrais de seus estudos. O uso da experiência pessoal como informação de base para estudos é prova- velmente tão antigo como a pesquisa qualitativa em si. O que distinguia esta nova forma de escrita etnográfica é que o pesquisador ou autor ocupa o centro do palco no estudo relatado (TAYLOR et al., 2005, p. 140).24 Em relação ao novo gênero, esses autores exemplificam com trabalhos de Carolyn Ellis (1991, 1995, 2004, 2008), entre outros, que relata seu relacionamento amoroso com Gene Weinstein sob uma narrativa direta, honesta e íntima (TAYLOR et al., 2005, p. 140). Embora esse gênero, nessa época, ainda não correspondesse profundamente aos aspectos qualitativos para uma análise teórica, o trabalho de Ellis (1995) despertou o interesse dos leitores em relação à experiência de amar e perder um amor (TAYLOR et al., 2005).

Dentre outros métodos discutidos por Taylor et al. (2005), apontamos também o estudo de caso. Esses autores explicam o funcionamento desse método por meio do trabalho impactante realizado por David Goode (1994). Esse estudo de caso se refere a duas crianças (Christine e Bianca) que nasceram sem poder falar, cegas e intelectualmente incapacitadas. Essas condições 23 Tradução nossa de: In focus groups, the goal is to let people trigger one another, suggesting dimensions and

nuances of the original problem that any one individual might not have thought of. Sometimes a totally different understanding of a problem emerges from the group discussion (RUBIN E RUBIN, 1995, p. 140 apud TAYLOR et al., 2005, p. 132).

24 Tradução nossa de: In the 1990s, a new genre of qualitative reporting, encouraged by feminist and postmodern

theories, emerged in which qualitative researchers wrote about their personal experiences not merely as rese- archers but as central subjects of their studies. The use of personal experience as background information for studies is probably as old as qualitative research itself. What distinguished this new form of ethnographic writing is that the researcher or author occupies center stage in the study being reported (TAYLOR et al., 2005, p. 140).

foram consequências da infecção por sarampo no período da epidemia de rubéola que atingiu a Alemanha na década de 1960 (TAYLOR et al., 2005). Goode (1994) tinha como objetivo apresentar a interpretação da construção de mundo social de Christine, na época com nove anos e vivendo em uma instituição especializada; e interpretação da comunicação de Bianca com seus pais, na época com treze anos e vivendo com eles desde seu nascimento (TAYLOR et al., 2005). Goode (1994) utilizou várias técnicas que não remetessem à palavra (por exemplo, tocar violão, dançar, imitar, entre outros) para compreender o que essas duas crianças conheciam do mundo (TAYLOR et al., 2005). A partir de observações intensas, gravações em áudio e em vídeo e outras técnicas, Goode (1994) constatou que há comunicação, mas apenas como produto do envolvimento das pessoas em uma interação intensa e de longo prazo(TAYLOR et al., 2005, p. 143). Para Taylor et al. (2005):

Goode nos ajuda a entender que só porque alguém não pode falar não significa que essa pessoa não tem nada a dizer, ou que, porque alguém não pode falar e é referido como surdo, cego e profundamente incapacitado, essa pessoa não é um ser humano social. Goode tinha mais para nos ensinar sobre crianças da síndrome da rubéola. Houve lições aqui sobre o trabalho de pesquisa qualitativa. Goode nos ensinou a pensar profundamente sobre a condição humana que precisamos para observá-la de perto. Precisamos ir a lugares onde as pessoas não levam a imaginação sociológica, lutando contra a tentação de se retirar para um terreno mais seguro. Nós temos que coletar dados de forma rigorosa e criativa e estar abertos para permitir que ele dê forma ao nosso pensamento. Os pesquisadores qualitativos estão no seu melhor quando produzem trabalho etnográfico provocativo e inovador como Goode o fez. O trabalho de Goode foi um apelo para que outros experimentassem novas abordagens para a compreensão (TAYLOR et al., 2005, p. 143-144).25

Por meio dessa breve discussão sobre o método estudo de caso, podemos verificar o trabalho complexo do pesquisador qualitativo ou do cientista de Bateson (1987): sem nenhum guia de viagem ou hipótese a ser testada, o pesquisador/cientista vai construindo significados durante o trabalho de campo.

A pesquisa documental é um método também utilizado no paradigma qualitativo. De acordo com Kridel (2017), Documentary research se tornou sinônimo de Archival research na literatura da área. De acordo com Godoy (1995, p. 21), os documentos normalmente são considerados importantes fontes de dados para outros tipos de estudos qualitativos, merecendo portanto atenção especial. Os documentos podem ser de diversas formas incluindo materiais escritos, as estatísticas e os elementos iconográficos (GODOY, 1995, p. 22). Esses materiais 25 Tradução nossa de: Goode helps us to understand that just because someone cannot talk does not mean that

person has nothing to say, or that, because someone cannot speak and is referred to as deaf, blind, and profoundly retarded, that person is not a social human being. Goode had more to teach us about than rubella syndrome children. There were lessons here about the craft of qualitative research. Goode taught us that to think deeply about the human condition we need to observe it up close, firsthand. We need to go to places where people have not carried the sociological imagination, fighting the temptation to retreat to safer ground. We have to rigorously and creatively collect data and be open to letting it shape our thinking. Qualitative researchers are at their best when they produce provocative and groundbreaking ethnographic work like Goode did. Goode’s work was a call for others to experiment with new approaches to understanding (TAYLOR et al., 2005, p. 143-144).

podem ser classificados como primários quando produzido por pessoas que vivenciaram diretamente o evento que está sendo estudado ou secundários quando coletados por pessoas que não estavam presentes por ocasião de sua ocorrência(GODOY, 1995, p. 22). Essa autora cita como exemplo de pesquisa documental uma análise de propagandas de brinquedos no período de 1960 a 1990. A fonte de dados pode ser tanto revista quanto as propagandas de televisão.

Outro método de natureza qualitativa, usado nesta pesquisa, é o diário de campo. Esse método é definido como um conjunto complexo de práticas de escrita, cujas funções e status são múltiplos(WEBER, 2009, p. 158). Para complementar essa definição, apresentamos o excerto a seguir:

Uma parte expressiva do ofício do etnógrafo reside na construção do diário de campo. Esse é um instrumento que o pesquisador se dedica a produzir dia após dia ao longo de toda a experiência etnográfica. É uma técnica que tem por base o exercício da observação direta dos comportamentos cultu- rais de um grupo social, método que se caracteriza por uma investigação singular que teve Bronislaw Malinowski como pioneiro e que perdura na obra de um Marcel Maget, caracterizada pela presença de longa duração de um pesquisador-observador convivendo com a sociedade que ele estuda (WEBER, 2009, p. 157-158).

Com base nesse excerto, informamos que a atuação do pesquisador, da presente investi- gação, foi registrar em seu diário as observações diretas das ações dos professores em formação durante a prática pedagógica, para reflexão e significação desse processo. Com relação a esse método, Malinowski (2002), vivendo junto com tribos indígenas, afirma a importância do ato de observar na pesquisa etnográfica. Para esse antropólogo, se todas as conclusões se basearem exclusivamente nas declarações dos informantes ou forem deduzidas dos documentos objetivos, será impossível complementá-las com dados efetivamente observados sobre o comportamento real26(MALINOWSKI, 2002, p. 14). Nessa perspectiva, reconhecemos a importância de trian- gulação dos dados, pois, há uma série de fenômenos de grande importância que não podem ser coletados através de interrogatórios ou com a análise de documentos, mas devem ser observados em sua realidade plena27 (MALINOWSKI, 2002, p. 14). Nesse sentido, registramos também os dados em diário, por meio de observação direta de aulas ministradas pelos professores em formação.

Esta breve discussão sobre métodos da pesquisa qualitativa (a entrevista, o grupo focal, a autobiografia, o estudo de caso, a pesquisa documental e o diário) não esgota a multiplicidade existente na área. No entanto, nos ajuda a compor um pequeno quadro das possibilidades de pesquisa em nosso campo investigativo. A partir dessa reflexão, podemos inserir nossa pesquisa 26 Tradução nossa de: If all the conclusions are solely based on the statements of informants, or deduced from

objective documents, it is of course impossible to supplement them in actually observed data of real behaviour (MALINOWSKI, 1978, p. 14).

27 Tradução nossa de: In other words, there is a series of phenomena of great importance which cannot possibly be

recorded by questioning or computing documents, but have to be observed in their full actuality (MALINOWSKI, 1978, p. 14).

no paradigma qualitativo, pois realizamos investigação em ambiente natural (sala de aula), levando em consideração a rotina diária dos professores e sem portarmos nenhum Baedeker em nossos bolsos. Não procuramos testar hipótese, mas construir significados sobre saberes docentes operacionalizados por professores no ensino, a partir de suas experiências na sala de aula de PLE. No que se refere à base etnográfica, Moita Lopes (1996, p. 88) a define como uma DESCRIÇÃO narrativa dos padrões característicos da vida diária dos participantes sociais (professor e alunos) na sala de aula de línguas na tentativa de compreender os processos de ensinar/aprender línguas. Nesse sentido, no caso específico desta pesquisa, o pesquisador participou dessa vida diária dos professores em formação em sua ação no ensino e aprendizagem de PLE em contexto brasileiro.

Uma vez definido o paradigma qualitativo que orientou esta investigação, discorreremos brevemente sobre a pesquisa em nosso campo científico: Linguística Aplicada.