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Assim como ocorreu com a definição multifacetada da pesquisa qualitativa ao longo da história, a Linguística Aplicada (LA) também teve várias interpretações. Dentre essas conceitua- ções, incluímos a LA como sinônimo de estudo de ensino e aprendizagem de línguas (CELANI, 1992) e como área de consumo e não de produção de teorias (CELANI, 1992, p. 18), ou seja, como aplicação teórica da Linguística. Por um período de tempo, a LA não foi considerada um campo científico próprio, mas subordinado à Linguística.

Para Celani (1992), a LA é uma área independente e de caráter humanista, por seus pesquisadores: [...] estarem diretamente empenhados na solução de problemas humanos que derivam dos vários usos da linguagem [...](CELANI, 1992, p. 21). Para Moita Lopes (1996, p. 19), a LA está fundamentada nas Ciências Sociais, cujo objeto de investigação, a linguagem, é estudado sob perspectiva processual. Segundo Almeida Filho (1991, p. 10), os pesquisadores na LA partem de problemas ou questões de uso da linguagem no dia a dia e procuram soluções que possam explicar e otimizar as relações humanas através do uso da linguagem.

Mesmo com discussões acerca de problemas de uso da linguagem, Kumaravadivelu (2006) discute o papel da LA na era globalizada, alertando para a importância de ressignificá-la. Para esse estudioso:

Apesar de toda ênfase nos problemas do “mundo real” e nos problemas cotidianos” relacionados com a linguagem, a LA como campo é ainda informada quase que exclusivamente por questões de base linguística, referentes à política e ao planejamento da língua inglesa, ao ensino e à aprendizagem de inglês como segunda ou língua estrangeira (KUMARA- VADIVELU, 2006, p. 136).

Levando em consideração esse panorama, para Kumaravadivelu (2006, p. 148), a LA deve se submeter a uma transformação disciplinar, incluindo: transformação de derivante para

autônoma, de moderna para pós-moderna e de colonial para pós-colonial. Em relação à transfor- mação de derivante para autônoma, esse autor informa que mesmo que a LA tenha ampliado seu escopo de investigação, ainda permanece limitado e limitador em seu propósito. [...] o campo continua a ignorar a proposição fundamental de que a investigação em LA deve ser intercultural, interlinguística e interdisciplinar(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 139). Para ele, talvez, a LA não tenha se “libertado” completamente das influências positivistas do período moderno e por isso a necessidade da segunda transformação. Da homogeneidade para a heterogeneidade, da padronização para a diversificação, do cultural para o intercultural, da racionalidade para a criti- cidade podem ser algumas das mudanças necessárias para atuação da LA na pós-modernidade. Sob a perspectiva de ideologia28 crítica, Kumaravadivelu (2006, p. 143) esclarece que a LA deve se posicionar criticamente levando em consideração as relações de dominação existentes como, por exemplo, entre o centro marginalizador e a periferia marginalizada. Essa necessidade de mudança vai ao encontro da terceira transformação: de colonial para pós-colonial. De acordo com Kumaravadivelu (2006) a LA não está isenta de influências hegemônicas, de interesses políticos e econômicos e por isso a necessidade de ser crítica. Para esse autor, o objetivo da pesquisa em LA que é informado pelas filosofias pós-modernas e pós-coloniais não está em busca de leis, deve antes estar em busca do significado(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 146). A nosso ver, essa busca por significados não pode ocorrer de maneira comportamentali- zada. A interação entre os campos do saber é primordial para o alcance real do objetivo e para construção de sentidos. De acordo com Cavalcanti (1986), a interação tem um papel fundamental em pesquisas na LA, seja face a face ou mediada por materiais (textos, instrumentos, entre outros). Nessa perspectiva, podemos situar esta investigação na área da LA, pois a interação entre o par mais experiente com professores em formação e entre eles mesmos é parte imprescindível para construção de significados sobre saberes docentes no ensino de PLE.

Levando em consideração que ainda não há parâmetros de orientação para o ensino de PLEno Brasil, a nossa inquietação inicial parte na busca por compreender acerca de saberes docentes que os professores em formação operacionalizam no ensino de PLE na prática. Para fundamentar essa análise, as teorias reflexiva e sociocultural foram os aportes que sustentaram a discussão construída nesta tese. A análise da interação entre o par mais experiente com os professores em formação em um espaço reflexivo e observação da atuação deles em sala de aula compuseram a verificação da questão investigativa na prática. A partir do problema ou da questão levantada nesta tese, tentamos fornecer subsídio teórico reflexivo sobre saberes docentes para o ensino de PLE em contexto brasileiro, na expectativa de que este estudo possa ampliar a discussão/elaboração acerca de parâmetros de orientação desse ensino no futuro.

No contexto nacional, as pesquisas na área da educação têm priorizado o paradigma qualitativo como metodologia fundante das investigações, pois o foco está na análise do processo 28 Kumaravadivelu (2006, p. 142) esclarece que a ideologia nada mais é que “significado a serviço do poder”

(THOMPSON, 1990:7, ênfase do autor). Portanto, “estudar a ideologia é estudar modos pelos quais o significado serve para estabelecer e sustentar relações de dominação (THOMPSON, 1990:56, ênfase do autor).

e não apenas no resultado final (TELLES, 2012). Levando em consideração que os paradigmas qualitativo e quantitativo não necessariamente precisam ser compreendidos de forma imiscível, nesta pesquisa, concebemos esses aportes de forma complementares. Reconhecemos que aspectos como da estatística, da frequência de acontecimentos podem ser potencialmente relevantes para análise de dados.

Nesse sentido, utilizamos recursos de programação da ciência da computação para organizar os dados referentes ao perfil dos alunos estrangeiros em contexto brasileiro. A decisão de usar esse recurso quantitativo se justifica pelo fato de que o perfil dos alunos estrangeiros, de 2011 a 2016, gerou 854 itens. A leitura desses itens, por meio do processo de organização quantitativa, permitiu construção significativa do perfil do aluno estrangeiro dos cursos de PLE desse contexto específico. De acordo com Viana (1997), é de grande relevância conhecer o aluno antes de elaborar o planejamento de curso, para que este não se torne apenas um conjunto de atividades. Nessa perspectiva, por meio dessa organização de dados, podemos conhecer o perfil desse aluno e produzir um planejamento de curso teoricamente embasado e que atenda às necessidades, expectativas e aos interesses desses aprendizes. Como discutido no capítulo da fundamentação teórica, Shulman (1987) também destacou o “conhecimento de aprendizes e suas características” como um dos aspectos formadores dos conhecimentos base propostos por esse autor, o que indica relevância em tomar ciência tanto do perfil do aprendente quanto de algumas características dele em relação ao ensino e aprendizagem de PLE.

Levando em consideração a relevância de conhecer o perfil de alunos no processo de ensino e aprendizagem, foi imprescindível processar esses dados quantitativos para mapearmos o perfil do aluno estrangeiro dos cursos de PLE da universidade onde foram obtidos os dados desta pesquisa.

A descrição do contexto de coleta de dados está na seção a seguir.