• Nenhum resultado encontrado

3.4 Organização do sistema escolar

3.4.2 Métodos

Martinho Lutero, por ter recebido uma educação baseada na escolástica medieval e

estando em contato com as inovações propostas pelo Humanismo, faz uma crítica severa aos

antigos métodos utilizados para o ensino nas universidades e conventos e reivindica a

aplicação de novos métodos no processo educativo: “se as universidades e conventos

continuarem como estão, sem a aplicação de novos métodos de ensino e modos de vida para

os jovens, preferiria que nenhum jovem aprendesse qualquer coisa e ficasse mudo” (OSel 5,

p. 306).

Na proposição de novos métodos, ele opõe-se ao antigo sistema escolar baseado em

disciplina severa que recebeu na educação familiar e escolar). Questiona, em seu tratado, a

disciplina rígida com que os pais educavam os filhos, afirmando que

[...] quando a disciplina é aplicada com maior rigor e tem algum resultado, o máximo que se alcança é um comportamento forçado ou de respeito; no mais continuam sendo meras toras, que não tem conhecimento nem nesta nem naquela área, não sabem responder nem ajudar ninguém (Ibid., p. 319).

De acordo com Lutero, na escola o ensino deveria acontecer com prazer e por meio de

brincadeiras, afinal, “as escolas de hoje já não são mais o inferno e o purgatório de nossas

escolas, nas quais éramos torturados com declinações e conjugações, e de tantos açoites,

tremor, pavor e sofrimento não aprendemos simplesmente nada” (Ibid.). A posição

apresentada é em favor de uma educação lúdica, invocando o exemplo da educação grega cujo

alto padrão, segundo ele, se infere das qualidades do povo que nela se forjou. Se os jovens

gostam de dançar, cantar e pular e estão sempre em busca de algo que lhes dê prazer, então

que as disciplinas sejam estudadas com prazer e brincando (Ibid., p. 319). Para Lutero “os

métodos didáticos devem adaptar-se à natureza da criança” (NUNES, 1980, p. 100).

A sua proposta quanto ao uso de um método que privilegiasse o caráter lúdico é objeto

de discussão da tese de doutoramento do alemão Martin Sander-Gaiser, intitulada “Lernen als

Spiel bei Luther” (Aprender brincando segundo Lutero), de 1996. Vanderlei Defreyn

apresenta um resumo desse estudo apontando que, segundo Sander-Gaiser, seria um equívoco

afirmar que Lutero, em relação aos métodos, teria se remetido apenas à tradição humanista

que já existia. A tese desse autor é a de que Lutero, durante toda vida, foi defensor de um

método lúdico no ato de aprender, sendo a origem de sua inspiração não somente autores

humanistas e os clássicos (como Platão), mas principalmente as Escrituras Sagradas (tanto o

Antigo como o Novo Testamento), pois “Lutero vê na Palavra de Deus a mais nobre fonte de

suas reflexões metódicas” (Sander-Gaiser apud DEFREYN, 2004, p. 50).

De acordo com Sander-Gaiser, o fundamento da aprendizagem em Lutero seria a

a palavra de Deus atinge o coração e a razão; como aprender pertence ao reino do evangelho,

não poderia ser fundado no medo e sim na alegria. Lutero teria se baseado, para essa defesa,

em uma tradição didática judaica que valorizava o lúdico e se encontrava presente no Antigo

Testamento, tendo influenciado inclusive os gregos. Dessa maneira, “assim como Cristo

desceu ao nível do ser humano para poder lhe ensinar sobre a vontade de Deus, assim também

o professor deve se dobrar ao nível das crianças, ou seja, brincar como uma criança, adotar

um método adequado às necessidades da criança”, pois a própria maneira de Jesus lidar com

os seus discípulos teria sido um exemplo disso (Ibid., p. 51).

Outro exemplo dessa valorização de Lutero pelo método lúdico, ressaltada por Sander-

Gaiser, é o fato dele ter publicado obras que contemplavam esse método, como a tradução das

Fábulas de Esopo, e ter valorizado no ensino formas lúdicas como jogos com versos bíblicos,

teatro bíblico e comédia clássica (Ibid.). Contudo, apesar de apresentar essa posição como a

defesa de Lutero pelos métodos de ensino, esse próprio autor reconhece que “Lutero não ‘fez

escola’, ou seja, esta sua postura não influenciou decisivamente a questão do método nas

escolas protestantes do século XVI”, dado que o próprio Lutero não teria sistematizado essas

idéias que se encontram espalhadas nos seus escritos e, apesar de forte sensibilidade

pedagógica pessoal, não pôde se empenhar para que as escolas luteranas se caracterizassem

pelo uso de um método marcado pela alegria (Ibid., p. 52).

Martin Volkmann (1984) atenta para o fato de que Lutero, ao orientar a forma de

educar a juventude, dá ênfase à liberdade no processo educativo. Em prefácio de seu

Catecismo Menor, ressalta novamente que não se deve coagir ninguém à fé ou ao sacramento

(“Pois, ainda que a ninguém se pode nem se deve obrigar à fé [...]” OSel 7, p. 449),

destacando a liberdade do sujeito no seu processo educativo. Para Martin Volkmann (1984, p.

104), a “educação cristã, segundo o princípio de Lutero, é educação para a liberdade”.

aos meninos caberia a freqüência diária à escola por uma ou duas horas e, fora dela, deveria se

aprender um ofício; já as meninas deveriam estudar por uma hora na escola e também cumprir

com as tarefas domésticas (OSel, 5, p. 320). Segundo Hisldorf (2006), esse pouco tempo

destinado ao estudo era explicável, visto que se tratava de escola elementar em que o ensino

era apenas religioso e voltado para a aprendizagem da doutrina.

Apesar da ênfase dada por Lutero à leitura da Bíblia e mesmo ao estudo das Sagradas

Escrituras em alemão, em benefício de seu trabalho de interpretação, no período da Reforma

ainda se manteve a tradição oral, presente na Idade Média. Assim, as escolas, sobretudo as

elementares, teriam então continuado a tradição do aprendizado “mais pelo ouvir-dizer-fazer e

a memorização do que pelo domínio da leitura e escrita” (Ibid., p. 167).

Dessa maneira, Jean-François Gilmont (1997, p. 71) afirma que no século XVI há uma

multiplicação de livros, mas essa multiplicação se dá em um mundo em que as relações são

essencialmente orais. Lutero não somente não questiona essa tradição oral, o que era de se

esperar, dada sua ênfase na leitura e interpretação pessoal da Bíblia, mas a utiliza e a defende

nas igrejas. Segundo esse autor,

Ao passo que a criação das Igrejas protestantes está consumada, o final do século XVI não parece ter vivido uma revolução no modo de lidar com o escrito. No domínio religioso, o oral conserva seu lugar de destaque. [...] A preponderância da oralidade não parece, portanto, de forma alguma questionada pela Reforma.

Contudo, se é fato que a Reforma não questiona a oralidade, suas conseqüências

podem não ter sido determinantes, mas contribuíram para o início de um processo de

passagem de uma cultura oral para uma cultura da leitura e da escrita, ou ao menos alteraram

sua forma. Antônio Frago (1993, p.34-5) analisa essa questão, situando-a em seu contexto

histórico e social:

Ao difundir-se a alfabetização e o texto escrito, por intermédio da imprensa, mudam as relações com o mesmo: a função de mediador desaparece e as condições de comunicação, de coletivas, passam a ser individuais. (...) As

duas vítimas desse processo são o velho e o padre. O primeiro perde a utilidade de sua memória; o segundo, o segredo de seu prestígio e o núcleo de seu poder como elo entre o escrito e o oral.

Esse autor tem posição semelhante à de Jean-François Gilmont sobre a não

interferência da Reforma na tradição da cultura oral e afirma que apesar de ser “inegável a

coincidência no tempo, na Alemanha do século XVI, da Reforma com um crescimento da

rede escolar e da alfabetização”, seria naturalmente “errôneo conectar, no século XVI, a

leitura da Bíblia em língua vulgar com a alfabetização” (Ibid., p.47). Contudo, apesar da

cautela necessária em não se verificar na situação uma relação de causa-efeito, o autor não

chega a esclarecer o que poderia ter contribuído para tal “coincidência”.

Em relação à questão da oralidade na Igreja, Timothy George (1993, p. 91) analisa a

posição de Lutero e afirma que para ele “a igreja não era uma ‘casa da escrita’, mas uma ‘casa

da fala’”, afinal o próprio Cristo nada tinha escrito, mas sim pregado pela palavra falada;

baseia-se, também, no ensinamento do apóstolo Paulo de que “a fé vem pelo ouvir e o ouvir

pela Palavra de Deus” (Rm 10: 17).22

Dessa maneira, se na escola mantinham uma cultura

oral, na Igreja, para o ensino da Palavra de Deus, ela também era mantida e indicada como a

melhor maneira.

Relacionado à oralidade, a memorização também é algo que permanece como método

de ensino defendido por Lutero. O próprio Catecismo Menor foi formulado em forma de

perguntas e respostas (comum em muitos livros de Confissão da Baixa Idade Média), na qual

ele sugere que as crianças deveriam recitar até aprenderem, sendo que isto deveria se dar um

pouco de cada vez, sem sobrecarregá-las. “Lutero não via a memorização como um fim em si

mesmo, mas como um nível de assimilação inicial, necessário numa época em que poucos

tinham condições de adquirir um livro” (DEFREYN, 2004, p. 39), sendo que, depois que se

decorasse o texto, deveria ser explicado o que ele significava: “quando já conhecem bem o

texto, ensina-lhes também o sentido, para que saibam o que significa (...)” (OSel 7, p. 449).