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3.5. Uma educação para a mulher

3.5.4 Uma educação obrigatória

para que os pais enviem seus filhos a essas escolas. A educação escolar não deveria depender

apenas da adesão ou aceite ao seu apelo quanto aos benefícios que a instrução escolar poderia

proporcionar. Ele defende que a educação escolar, além de ser para todos, tenha um caráter

obrigatório, forçando os pais e as autoridades responsáveis atentarem para ela: “Em minha

opinião, porém, também as autoridades têm o dever de obrigar os súditos a mandarem seus

filhos à escola [...]” (OSel, 5, p. 362).

Franco Cambi (1999, p. 248) mostra que, “com o protestantismo, afirmam-se em

pedagogia o princípio do direito-dever de todo cidadão em relação ao estudo, pelo menos no

seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da gratuidade da instrução”. Se a história

mostra antecedentes na defesa por uma educação popular, ela nada revela sobre a

obrigatoriedade do ensino, o que leva a pensar que esse avanço na reivindicação da educação

elementar tenha Lutero como um dos pioneiros:

Lutero deve ser reconhecido como o primeiro reformador moderno a defender a educação obrigatória. [...] Insistiu em que era obrigação das autoridades municipais e dos príncipes estabelecer e sustentar escolas; e foi tão longe a ponto de exigir, para o bem do Estado, da cidade e da Igreja, que os pais fossem obrigados a enviar seus filhos à escola. (EBY, 1976, p. 62).

Lutero afirma aos pais que é mandamento de Deus, através de Moisés, que eles

instruam os filhos e que, no seu ponto de vista, não haveria pecado que merecesse maior

castigo que o cometido contra as crianças quando deixam de educá-las. No entanto, como já

exposto, ele afirma que para ensinar e educar bem as crianças é preciso gente especializada e

que a obrigação dos pais, então, seria enviá-los à escola.

Ameaça os pais, dizendo que se eles não cumprissem sua obrigação de encaminhar os

filhos à escola, se tornariam os responsáveis caso o serviço de Deus se arruinasse; e também

os relembra de que não são os donos absolutos de seus filhos, pois estes também pertencem a

Deus e por isso devem entregá-los para Ele, enviando-os à escola de forma a garantir sua

No que se refere aos recursos financeiros necessários para essa educação, ele orienta

os pais para que esse não seja um motivo de preocupação ou de recusa no envio dos filhos

para a escola, afirmando que antes faltarão pessoas do que recursos. Contudo, ainda que isso

acontecesse, ou seja, ainda que faltassem recursos para a educação escolar de seus filhos,

relembra que ele mesmo havia sido um mendicante para conseguir realizar seus estudos até

seu pai ter condições de sustentá-lo e dá o seguinte conselho aos pais: “[...] manda teu filho

estudar com toda confiança. Ainda que, por enquanto, tenha que ficar mendigando pão, estás

oferecendo a Deus nosso Senhor uma madeira preciosa da qual pode talhar-te um senhor”

(Ibid., p. 357).

Dessa forma, não havia motivo ou desculpas para que qualquer criança deixasse de

receber a instrução escolar. Todas deveriam ser enviadas à escola e aos pais cabia essa

responsabilidade sobre seus filhos. Lutero conclama, ainda, as autoridades para que essa

obrigação seja de fato cumprida: “Em minha opinião, porém, também as autoridades têm o

dever de obrigar os súditos a mandarem seus filhos à escola [...]” (Ibid., p. 362). Além de

serem, como já exposto, as responsáveis pela criação e manutenção dessas escolas.

Assim, cabia às crianças a obrigatoriedade de freqüência à escola e às autoridades, a

sua garantia e supervisão. Segundo Lorenzo Luzuriaga (1959, p. 6), “A principal

característica dessa educação pública religiosa, [...] é seu apelo às autoridades (e a resposta

delas) no sentido da fundação de escolas mantidas com recursos públicos e do

estabelecimento de freqüência obrigatória”, (grifo meu). A convocação das autoridades, para

supervisionarem os pais quanto ao cumprimento dessa obrigatoriedade, estava baseada, na

avaliação de Frederick Eby (1976, p. 62), “[...] no bem-estar público. Pessoas educadas dão

melhores servidores civis, juízes, médicos, pastores e súditos mais obedientes. [...] Ao

sustentar o ideal da comunidade estava abrindo caminho para importantes desenvolvimentos

A educação encontra em Lutero o primeiro defensor de uma escola que fosse ao

mesmo tempo para todos, com freqüência obrigatória e como responsabilidade (de

financiamento e supervisão) das autoridades leigas e não mais religiosas. Ao defender essa

escola pública cristã, ele coloca a instrução como sendo, “portanto, uma obrigação para os

cidadãos e um dever para os administradores das cidades” (CAMBI, 1999, p. 249).

Sendo assim, os princípios de uma educação popular, gratuita e obrigatória e de

caráter estatal podem ser encontrados já no século XVI nas propostas de Lutero para a

4 A origem do direito à educação elementar

Ao se defender a presença de Lutero na criação e defesa de uma escola popular,

obrigatória e de caráter estatal para todos, acaba-se incorrendo em um debate sobre a origem

dessa educação, sobretudo a educação escolar elementar. Estudiosos da história da educação

apresentam posições distintas sobre a origem do direito a uma educação elementar oferecida

para todos. Quais teriam sido as primeiras experiências de uma educação escolar que

pretendesse ser para todas as crianças? Quando e quem foram os primeiros idealizadores e

promotores desse direito? Alguns defendem que o direito de todos a uma educação elementar

foi fruto da Reforma Protestante e, mais especificamente, das proposições de Martinho

Lutero, afinal, ele defendeu que todos freqüentassem a escola para serem instruídos na

Palavra de Deus e para agirem de forma cristã na sociedade, quer no âmbito espiritual ou no

secular, em uma época em que a formação escolar era praticamente exclusiva para futuros

religiosos e clérigos. Nessa fase de transformações sociais em que ocorreu a Reforma

Protestante, com a constituição de um Estado moderno, ter-se-ia iniciado um plano de escolas

que atendessem a todas as crianças, oferecendo-lhes uma educação elementar e,

posteriormente, secundária e universitária.

Entretanto, há um forte consenso entre os historiadores de que não teria sido Lutero o

inaugurador na defesa de uma instrução escolar para todos, a qual incluísse também os

pobres, sendo que na época da Reforma já teria havido algumas manifestações a favor de uma

educação elementar popular. Os registros são os de que uma comunidade religiosa católica

denominada Irmãos da Vida Comum, já ofereciam educação escolar elementar para as

crianças de suas localidades desde o século XIV.

Já foram apresentados os dados que mostram alguma ligação de Lutero com essa

dedicado aos estudos da devotio moderna, idéia por eles propagada (ver capítulo 2).

Conhecer essas experiências, bem como identificar e refletir sobre a autoria,

contribuições e influências de cada um, além de analisar o que motivou tanto os Irmãos da

Vida Comum como Lutero a se preocupar com a educação elementar da população, oferece-

nos base para acompanhar o debate sobre a origem do direito à educação e destacar as

contribuições de Lutero para tal; razão pela qual se presta o estudo apresentado neste capítulo.