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2 A BALSA E O BALSEIRO: ASPECTOS DA FORMAÇÃO

2.2 A Floresta e a madeira como elementos de formação

2.2.2 A madeira como slogan de propaganda

A madeira também se constituía em um mote de propaganda das empresas colonizadoras para atrair colonos e madeireiros para a região, Valmir Francisco Muraro reforça que “as áreas de florestas ainda abundantes no Oeste de Santa Catarina passaram a atrair o interesse dos colonos gaúchos” (MURARO, 2015, p. 177). Deste modo, “a exploração das matas e a indústria madeireira tornaram-se pilares da economia oestina” (BELLANI, 2014, p. 80). Com relação a isso, até a metade do século XX, as abundantes ofertas de espécies de madeiras e de potenciais econômicos fizeram com que os colonos e, mesmo, as serrarias deixassem de lado as espécies menos valiosas da época e se concentrassem, sobretudo, nas araucárias.

Entretanto, segundo Nodari e Klug “os estoques florestais das espécies de maior valor se reduziram rapidamente devido à extração sem controle e à progressiva demanda por madeira, as espécies de menor importância na primeira fase foram paulatinamente valorizadas” (NODARI; KLUG, 2012, p. 36). Além das araucárias, o cedro, o angico e a canjerana também eram considerados madeiras comerciais. Ainda sobre as espécies, o jornal Voz de Chapecó (1941) cita “a cabriúva, louro e grapiapunha, ao mesmo tempo em que, os inúmeros engenhos de serra do município, preparam o pinho em tábuas, pranchas, barrotes24 e outros derivados”25. Contudo, as questões ambientais só foram pautas de debate após a

criação do Código Florestal (1949).

A diminuição dos estoques florestais, sobretudo das espécies de madeira de lei26 de maior valor comercial não podiam deixar de estar presentes no debate, isso porque a madeira foi um elemento de formação dos sujeitos envolvidos com a atividade, sejam colonizadores, madeireiros ou balseiros. Ainda assim, a madeira continua fazendo parte do meio natural sendo uma matéria esgotável e, muitas dessas árvores foram utilizadas no processo de colonização, exploração, posse de terras, comercialização, as quais, aos milhões, foram dizimadas pelas motosserras da época – a serra e o machado antigamente –, que por décadas consecutivas deceparam o pinhal e a mata da região.

24 Barrote: peça de madeira maciça retangular, processada ou não de toras.

25 Publicação com o título: RIO URUGUAI. A Voz de Chapecó, 29 de abril de 1941, n. 42, p. 4.

26 De acordo com o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) Madeira de Lei é toda a madeira protegida

por Lei, porém nos dias atuais o termo está relacionado mais com o poder comercial da madeira e não somente refere-se a uma regulamentação. Disponível em: < https://www.ibama.gov.br/>. Acesso em 14 de setembro de 2019.

Como o incentivo das colonizadoras com relação ao novo território era seu a própria propaganda do progresso econômico, o migrante/imigrante já apossado de pequenas e médias propriedades, vê suas terras e florestas com bons olhos econômicos. Nodari e Klug analisa que “num primeiro momento as florestas eram vistas como uma grande dificuldade a ser superada e, mesmo, um empecilho para a construção de estradas, casas e o cultivo das lavouras” (NODARI; KLUG, 2012, p. 39) necessitava “limpar as terras para o cultivo”, e se concentrar na extração vegetal. Grande parte desse aparato ambiental gerava economia.

O desejo de uma região progressista como as até então só existente no litoral catarinense estava no planejamento das elites políticas locais e, para essa ideologia se concretizar, era necessário incutir um espírito desbravador. É o que pode-se relacionar com os anúncios nos jornais que circulavam em Chapecó, onde a venda de maquinário, precisamente de instrumentos de força para conseguir derrubar as árvores e a grande quantidade de mata existente nos lotes, se mostrava um combustível tanto ideológico, como econômico. A Ilustração 1 estampada em periódico, denota a venda de tratores que enaltece a derrubada e a limpeza das matas, evidenciando que, na região, existiam gigantes a serem abatidos derivando uma nova alternativa econômica.

Ilustração 1: Transporte os gigantes abatidos

Fonte: Acervo do Centro de Memória do Oeste Catarinense (CEOM). Jornal Voz de Chapecó, janeiro de 1950.

Compreender a lógica da devastação e ao mesmo tempo imaginar o que era a paisagem da época é um esforço a ser pensado. Para isso, utilizamos uma narrativa publicada

por Nelso do Santos (2005), ao citar o engodo a serviço dos interesses econômicos e políticos para burlar a legislação ambiental:

Tio João conta que em meados dos anos 40, um violento temporal decepou considerável porção de pinhal, cerca de mil árvores, na área indígena de Nonoai, o que estimulou a instalação de duas serrarias para aproveitá-las. Este foi, certamente o maior pretexto para que se iniciasse a devastação da “madeira indiana” (oriunda da área indígena) que só investidas naquele território caingangue. [...] João afirmou ter trabalhado muitos anos na área indígena ‘matando’ pinheiros a serviço dos madeireiros. A desculpa era que se os pinheiros estivessem secos, mortos, a ‘lei’ permitia o seu aproveitamento (SANTOS, 2005, p. 36).

A biodiversidade e o ecossistema sofreram quando interesses comerciais estavam além da lei. Ao derrubar da Araucaria Angustifolia, além do desmatamento do próprio processo de extração da madeira, acaba-se prejudicando uma cadeia alimentar ao retirar o pinhão de cena. Espécies de pássaros, roedores e primatas (alguns dos seres vivos diretamente prejudicados) desapareceram pela baixa do pinheiro. Conscientes ou não do futuro cenário da região, esse processo histórico ocorreu.

Obviamente que a derrubada das matas não estava atrelada somente a derrubada das árvores. A experiência com o uso e cultivo da terra também veio como adjacentes da migração. Chapecó e Itá, por exemplo, atraíam novos moradores e, consequentemente, incentivavam a derrubada das matas para o plantio e/ou uso da terra. Esse era um papel que as empresas colonizadoras fizeram de melhor, além dos segmentos que se beneficiavam com os projetos de ocupação da região.

As propagandas até destacavam que Chapecó precisava desbravar as terras, retirar a madeira existente e introduzir o plantio no solo. Inclusive eram utilizadas propagandas indagando sobre o que seria melhor deixar na terra, milho ou mato?27 Nesse caso, a noção de

mato faz parte das construções do oeste catarinense, retratado como prerrogativa negativa, de algo que estava estacionado sobre o olhar do progresso e desenvolvimento da região. O mato, ou o vazio de interesses econômicos, não oferecia renda e investimento ao proprietário da terra, ao referir-se como exemplo, o plantio de milho.

E o pensamento seguia-se com o intuito de atrair um novo sentido para o desmatamento, já que precisava limpar o terreno, por que não comercializar a maior parte da

27 Propaganda “milho ou mato?”. Acervo da Biblioteca Pública de Chapecó. Jornal “O Imparcial”, 5 de abril de

madeira extraída? Ou seja, economicamente investir nessa atividade que se mostrava lucrativa, mesmo sabendo que os recursos naturais eram esgotáveis.