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2 A BALSA E O BALSEIRO: ASPECTOS DA FORMAÇÃO

2.3 Madeira, gado e erva-mate: o Eldorado está aqui

2.3.2 A retirada da madeira e os derrubadores

O trabalho de derrubada das árvores demandava força física e instrumentos de corte não mecanizados. Fazendo um contraponto para compreender como era a retirada da madeira naquela época, a analogia de Santos é válida “a motosserra e as máquinas de hoje eram a serra manual e o machado, que por décadas consecutivas deceparam o pinhal e a mata da região” (SANTOS, 2005, p. 42), acrescentando que “o serrote por longo tempo foi o elemento indispensável no corte das matas” (CORÁ; OLIVEIRA, 2010, p. 29), condizemos que, se na época já existisse a motosserra, o estrago ambiental seria bem maior em proporções e, acentuadamente, mais intenso.

Segundo as autoras, “os responsáveis pelo corte e exploração das matas se constituíam de pequenos proprietários, empresários madeireiros, empreiteiros ou prestadores de serviço braçal” (CORÁ; OLIVEIRA, 2010, p. 29). Porém, os participantes afirmam que o dono da madeira, dificilmente se fazia presente na mata, somente quando precisava delegar funções, escolher onde a madeira iria ser retirada e o perímetro de corte. O ex-balseiro Ivo Hall, também filho do empresário madeireiro Ernesto Hall, quando apresenta uma fotografia doada para o Museu dos Balseiros em Itá-SC, assinala que seu pai participava do processo, “ele está de a cavalo, e toda a peonada, [...]. Ele era o dono da madeira, o empresário. Ele tinha uns doze empregados no mato, abrindo os carreadores e chegou o fotógrafo e tirou essa foto” (HALL, 2018, p. 1). Ele ainda ressalta que no momento da foto, nem todos os peões deles estavam no corte, outros estavam fazendo as viagens de balsa.

Fotografia 4: Serviço de extração da madeira

F onte: Extração de madeira. Coleção Cidades Chapecó. Acervo iconográfico digital CEOM/Unochapecó. Disponível em: <https://www.unochapeco.edu.br/ceom>. ID: ccco0127. Acesso em: 20 fevereiro de 2019.

Conforme a Fotografia 4, é possível explorar diferentes elementos, desde os naturais como os sociais. Pela outra perspectiva, a social, exploramos a questão o trabalho que envolvia a derrubada das árvores, a quantidade de trabalhadores para a tarefa, bem como, problematiza-se quem são essas pessoas e que funções desempenhavam pela forma de posarem na foto, adereços e roupas. Pressupões que além dos peões que desempenhavam o corte, o dono da madeira também esteja presente na maioria das fotografias. A presença do madeireiro na fotografia também representava um status, seja registrada na derrubada da mata, nas serrarias ou na montagem da balsa, não significa que o mesmo trabalhava em alguma dessas etapas, porém ele faz parte do processo como um todo.

Também é possível analisar com as fotografias os elementos naturais, observamos o tamanho das toras derrubadas, a mata já não tinha as grandes árvores e a vegetação rasteira era prejudicada, muito provavelmente pelos correntões – ou como Ivo Hall nomeia, os carreadores, que serviam na derrubada das árvores e no arraste das toras.

Para, além disso, outros aspectos podem ser analisados com relação a Fotografia 4. Um deles, é com relação à presença de um fotógrafo não ser regular, conforme Maria Schwartz “naquele tempo não tinha foto, era difícil aparecer um para tirar a foto. E era difícil ir pra Chapecó” (SCHWARTZ, Guatambu, SC, 26 de junho 2014, p. 5).

Outro aspecto, é com relação à expressão de totalidade. De acordo com Vânia Carvalho e Solange Lima, “a fotografia passa a ser compreendida não como verdade, mas como marca, isto é, índice” (CARVALHO; LIMA, 2012, p. 42), ela não denota a totalidade da realidade que está sendo vivenciada, mas sim, é uma parte dessa realidade, é uma fonte de informações, e como toda fonte, passível de interpretações. Nesse sentido, se analisarmos a quantidade de pessoas que trabalhavam na retirada da floresta, dificilmente identifica-se o número exato de pessoas somente observando a fotografia, pois uma afirmação numeral seria complexa.

No entanto, mesmo não podendo identificar se eram somente derrubadores ou madeireiros é notória a presença masculina no corte e no transporte até a serraria ou a encosta do rio. Além disso, essas fontes podem estabelecer outras análises, principalmente sobre a transformação da paisagem e de como, depois da derrubada, a mata ficava. Fotografias demonstrando o tamanho das toras que eram derrubadas são inúmeras, mas normalmente para se derrubar um pinheiro, precisava aproximadamente de um grupo com três pessoas (BELLANI, 2014, p. 80).

O processo de derrubada das árvores, também era uma das etapas que requeria dos peões muito esforço. O ex-balseiro Orion Camarolli, faz uma comparação de quando fazia as viagens na balsa e de quando desempenhava o trabalho da derrubada das madeiras na mata:

Ali é mais fácil. Agora até tirar a madeira e trazer para a barranca do rio, é sofrido. [...] Às vezes levava meio dia, até mais, quase um dia para tirar uma tora quando está num lugar ruim. Porque eles costumavam derrubar a árvores, se ela tem dez (10) metros, cortava lá na ponta e deixa os dez (10), se ela tem cinco (5) é cinco (5), é pé e ponto. Sempre pé e ponto. E depois eles misturavam e eles escolhiam, as mais compridas faziam um pelotão só de compridas, e as outras mais curtas, já de mais curta. (CAMAROLLI, Itá, SC, 29 de setembro 2018, p. 1).

Para Orion, o trabalho na derrubada da madeira era mais difícil e penoso do que quando estava na água construindo ou remando na balsa. Tudo dependia do terreno onde a madeira era extraída, se era íngreme, próximo ou afastado do rio, do tamanho e da espécie das árvores. Conforme Santos “era impossível lembrar ou descrever o número das robustas árvores cortadas [...], com até dois metros de diâmetro e que eram cortadas com auxílio apenas do machado e da serra” (SANTOS, 2005, p. 36).

Os instrumentos nessa tarefa, geralmente eram o serrote, a serra e o machado, conforme o ex-balseiro Urbano Almeida destaca “cortava e serrava na serra-fita. Era uma tisó, serrava. Cortava, tudo prancha, três por doze” (ALMEIDA, Guatambu, SC, 05 de outubro 2013, p. 1-2). Alguns autores ainda citam a utilização de sal e querosene, os quais, fazia com que a árvore apresentasse sinais de morte, no intuito de burlar a legislação e justificar a sua retirada (SANTOS, 2005, p. 36-37)33. Sobretudo, o que destacamos sobre o processo do corte das árvores foi a utilização de instrumentos manuais e um considerável número de pessoas para desenvolver essa etapa.

Dentre as etapas a retirada das árvores para a formação da balsa, podemos citar dois segmentos: quando a madeira necessitava de processamento nas serrarias, “as árvores eram derrubadas com o machado e com a serra americana, depois as toras eram cortadas no tamanho desejado, conduzidas até os engenhos, serradas conforme as bitolas exigidas e, depois, novamente transportadas até às margens do Rio Uruguai” (VALENTINI; MURARO, 2014, p. 7); ou quando era direcionado diretamente para as encostas, os pinheiros eram

33 Segundo Nelso do Santos, quando exemplificou o corte de madeira ocorrido em certas serrarias em Nonoai,

afirma que também se utilizou de sal e querosene, mas isso já nas décadas posteriores a descida das balsas, principalmente quando a legislação imperava madeireiros na extração de espécies protegidas. Segundo o autor, a derrubada da árvore “consistia na perfuração do seu tronco com o auxílio de um trado para introduzir um volume de sal e/ou querosene e em breve a árvore daria sinais de morte” (SANTOS, 2005, p. 36-37). Nesses casos, a árvore precisava dar indícios de morte, ou como dizia-se, necessitava estar seca, para justificar a derrubada.

cortado em toras, retirados os galhos auxiliares do tronco e, logo após, descascados para facilitar a rolagem dos troncos. Em seguida, tinha o processo da seleção, em que os troncos irregulares eram separados das toras retas e maiores, para somente após, serem direcionados até o rio.