• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3: Reflexões teóricas sobre a valorização salarial do professor

3.3. O Magistério público como interseção de políticas do Estado: salário público,

Em outubro de 1988, mesmo mês da promulgação da Constituição Cidadã, foi publicado na revista Novos Estudos Cebrap um artigo que projeta muita luz nesta discussão: O Surgimento do Anti-Valor : Capital, Força de Trabalho e Fundo Público.

Nele, o autor, Francisco de Oliveira, chama a atenção para as profundas mudanças operadas na economia pela expansão do Welfare State, que se constituiu no padrão de financiamento público da economia capitalista:

Este pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde, a partir de regras universais e pactadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação do capital, de um lado, e de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais.38

O financiamento público hoje não é mais um fato que se agrega ao financiamento privado. Ele de tal modo se estendeu em áreas como a saúde, a previdência, o transporte e a educação, que é visível sua preponderância a ponto de se cristalizarem regras institucionalmente assentidas e se constituir uma esfera pública e um mercado regulado.

Continua Francisco de Oliveira – e aqui está a originalidade de sua tese – que a mudança das relações entre os capitais particulares e os fundos públicos provocou uma revolução copernicana, a saber:

O fundo público é agora um ex-ante das condições de reprodução de cada capital particular e das condições de vida, em lugar de seu caráter ex-post, típico do capitalismo concorrencial. Ele é a referência pressuposta principal, que no jargão de hoje, sinaliza as possibilidades da reprodução. Ele existe em abstrato antes de existir de fato: essa revolução copernicana foi antecipada por Keynes, ainda que a teorização keynesiana se dirigisse à conjuntura. A per- eqüação da formação da taxa de lucro passa pelo fundo público, o que o torna um componente estrutural insubstituível. (OLIVEIRA, 1995: 21)

O que tem a ver este raciocínio com o salário do professor ? Tem tudo a ver, em dois sentidos.

Primeiro, porque a reprodução do capital vai limitar o uso dos fundos públicos nas rubricas de salário, na medida em que ela depende da aplicação direta da poupança estatal na formação do lucro das empresas que disputam as verbas

públicas. Este fato se verificou tanto em nível federal, por ocasião dos grandes investimentos no setor de energia e comunicações, em detrimento dos salários dos professores das universidades, como em nível estadual, onde as despesas com rodovias e outras obras, inclusive educacionais, têm retirado a aplicação de verbas da rubrica dos salário dos professores. Atente-se aos governos Maluf e Quércia, dois grandes tocadores de obras e responsáveis pela desvalorização salarial dos professores estaduais de São Paulo. No âmbito da política educacional da União, um caso particular é extremamente sintomático: a proibição do uso das receitas da contribuição social do salário-educação em salário dos professores, favorecendo um programa massivo de construçãoe reformas de escolas de 1964 a 1994.

Segundo, porque do lado da reprodução da força de trabalho, observou-se uma ascensão impressionante do financiamento público. Esse fenômeno não é exclusivo dos países europeus, onde as despesas públicas destinadas à educação e outras políticas sociais passaram de 14 para 24% do PIB de 1960 para 1984 (OLIVEIRA, 1995: 21) No caso do Brasil, particularmente da educação, o crescimento dos percentuais de vinculação de impostos à MDE de 1946 a 1988 reflete a mesma tendência.39 Ora, essa ampliação da massa salarial pública direta

aliada aos números do “salário indireto” também em grande parte provenientes dos fundos públicos, tem o efeito devastador de ao mesmo tempo provocar disputa interna entre os setores de aplicação das verbas públicas com evidentes resultados negativos para os salários dos professores como induzir a crescentes déficits públicos que irão precipitar a crise do Welfare State, tanto na Europa, onde ele estava já consolidado, como em países como o Brasil, onde havia um ensaio de Estado-Providência desde a Ditadura Vargas. (Oliveira, 1995 : 24, 47)

Embora esta tese não assuma como sua a posição teórica de Francisco de Oliveira ao batizar estas novas formas de valor como anti-valor, não há dúvida alguma de que seus pressupostos analíticos que desvendam a participação ex-ante dos fundos públicos na estruturação da nova sociedade capitalista no Brasil

39 A Constituição de 1946, em seu artigo 169, destinava 10% dos impostos federais e 20% dos estaduais e municipais à educação. Já a de 1988 ampliou para 18% dos federais e 25% dos estaduais e municipais (Art.212).

coincidem perfeitamente com as constatações que até aqui foram feitas e se realizam dramaticamente no exato momento descrito adiante, por ocasião da tentativa do movimento sindical em arrancar do governo federal um expressivo aumento de seu investimento na educação básica pública que iria propiciar a implantação do Piso Salarial Nacional.

As seguintes frases de Oliveira, depois de pontuar a crise do déficit público com a aparente interpretação de ultrafiscalidade, soam proféticas:

Não existe fórmula feita nem acabada para solucionar a crise. Não se trata de uma mera crise conjuntural. Trata-se, na verdade, de levar às últimas conseqüências a verdadeira revolução copernicana operada nas relações sociais de produção neste século, sobretudo depois da II Grande Guerra. Ao contrário das teses da direita, o pós-Welfare State consiste em demarcar, de maneira cada vez mais clara e pertinente, os lugares de utilização e distribuição da riqueza pública, tornada possível pelo próprio desenvolvimento do capitalismo sob condições de uma forma transformada de luta de classes. Quando todas as formas de utilização do fundo público estiverem demarcadas e submetidas a controles institucionais, que não é o equivalente ao superior-Estado ou ao Estado-máximo, então o Estado realmente se transformará no Estado mínimo. Trata-se da estrutura de um novo modo de produção em sentido amplo, de uma forma de produção do excedente que não tem mais o valor como estruturante. Mas os valores de cada grupo social, dialogando soberanamente. Na tradição clássica, é a porta do socialismo. (Oliveira, 1995: 48)