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O que vai acontecer de 1834 até meados do século XX já se estava delineando entre 1827 e 1834:

a) trânsito livre para o crescimento da oferta de ensino particular;

b) formação de uma rede de escolas primárias gratuitas financiadas pelas Províncias em substituição às aulas régias municipais;

c) concentração do ensino público secundário nas capitais das Províncias, a seu encargo;

d) ação do governo central reduzida a fundar faculdades isoladas de ensino superior e, mais tarde, estabelecimentos profissionais.

O Ato Adicional à Constituição de 1824, promulgado em 21 de Agosto de 1834, embora não tivesse seguido o projeto da Câmara que instituía uma “monarquia federativa” inspirada no modelo norte-americano16 era nitidamente descentralizador,

ao constituir Poderes Executivos e Legislativos fortes em cada Província, do que derivaram os sistemas educacionais vigentes até hoje e centrados nos Estados. Embora se possa dizer de uma responsabilidade concorrente entre a Corte e as Províncias, a estas coube sem dúvida o encargo de fundar e manter as escolas primárias e secundárias, declinando ou cessando de vez o costume das “aulas” financiadas pelo subsídio literário recolhido pelas municipalidades. Legalmente não se proibia que o governo central instituísse escolas secundárias de sua responsabilidade. Mas aqui falou mais forte a política financeira do que os reclamos educacionais: os impostos da Corte se gastavam na defesa, nas relações exteriores, na administração e luxo da capital, no pagamento de dívidas bancárias que são moléstia congênita ao país. O mesmo Ato Adicional deu às Assembléias Legislativas das Províncias “competência para fixar as despesas municipais e provinciais e os

16 FAVERO, Osmar (Org.) A Educação nas Constituintes Brasileiras, Editora Autores Associados, Campinas, 1996 pg. 60

impostos necessários, contanto que estes não prejudicassem as imposições gerais do Estado e não criassem impostos sobre importação”.17 Ora, a fundação e o

crescimento das escolas públicas provinciais passam a depender daí em diante de uma decisão política legislativa e de uma disponibilidade financeira controlada pelo executivo de cada Província. Era o que se pode denominar de “educação a conta gotas”, dependente da arrecadação de impostos e da pressão da demanda e dos políticos provinciais. Em 1855, segundo relatório da Repartição dos Negócios do Império, havia 25 liceus secundários provinciais, incluindo o Colégio Pedro II, da Corte, totalizando 3.713 alunos; e 1.506 escolas primárias públicas, com 61.700 alunos.(NISKIER, 1996:148) Vejamos o resultado do lado do salário dos professores.

Na lei da educação de 15 de Outubro de 1827, aos professores, admitidos mediante exame, em caráter vitalício, atribuía-se a quantia de 500$000 réis anuais como seu estipêndio máximo , com direito a gratificação não superior a um terço do ordenado após doze anos de “regular exercício” (FAVERO, 1996: 58)

Em 1848, já sob a responsabilidade das Províncias, a situação do ensino público, de acordo com o relatório do Visconde de Macaé, ministro do Império, era “triste e melancólica” principalmente pela falta de qualificação dos mestres e profundo descontentamento em que vive o professorado, “resultado da falta de recompensa pecuniária suficiente” (FÁVERO, 1996: 59)

Em 1870, ainda que o país vivesse sob um Imperador reconhecido no mundo inteiro como protetor das ciências, das letras e das artes, escondiam-se as nossas estatísticas sobre o analfabetismo, àquela altura beirando a 90% da população, em que pesava sobremaneira a falta de estudos dos escravos. No mesmo ano, o Relatório de outro ministro do Império, o conselheiro Paulino de Sousa, reclamava: “em algumas Províncias a instrução pública mostra-se em grande atraso; em outras, em vez de progredir, tem retrogradado”. (FÁVERO, 1996: 63)

Seria falta de empenho dos governantes provinciais, falta de investimento do governo central, falta de recursos financeiros públicos, ou mesmo falta de pressão popular?

Em 1874 as Províncias, em média, aplicavam 20% de suas receitas em instrução pública: o governo central, 1%. (FÁVERO, 1996:66) Acontece que o total de receitas das Províncias em 1874 representava um quinto, aproximadamente, da arrecadação do Império, a quem competia os impostos mais estruturalmente implantados. Faltam estudos a respeito mas é muito provável que a mesma concentração de despesas que acontecia no Império em relação à Corte, se reproduzia nas Províncias em relação às respectivas capitais. (FÁVERO,1996: 98) Assim, na Província do Pará, por exemplo, o Liceu Paraense, único estabelecimento de ensino secundário oficial, com seus “lentes catedráticos”, pagos com vencimentos isonômicos aos juízes que residiam na mesma capital e constituíam com eles a elite letrada que sustentava ideologicamente a pirâmide social regional, absorvia possivelmente recursos semelhantes aos destinados a centenas de professores primários da capital e do interior. A questão era, já naquele tempo, bastante complexa: faltavam recursos públicos das Províncias e praticamente inexistiam recursos das municipalidades para difundir uma verdadeira rede de educação pública primária e secundária popular. O governo central continuava no seu descompromisso multi-secular e lavava as mãos legislando a “liberdade do ensino”, ou seja, a entrega da questão à procura dos pais e à oferta dos empresários educadores, ou seja, às leis do mercado.18 E que mercado era o do Brasil do século XIX, senão exatamente

a sua falta ou radical exiguidade, em vista da não circulação da moeda, decorrente da pequena proporção de assalariados, e da não circulação de mercadorias ? Daí que a pequena pressão popular fosse absorvida pela solução da limitação dos estudos às primeiras letras - suficientes para uma sociedade predominantemente

18 Além de várias escolas privadas que já se multiplicavam no Rio de Janeiro e outras cidades maiores desde 1815, os jesuítas voltam para o Brasil, fundando seu primeiro colégio pago para meninos em Desterro, SC, em 1841. Bem mais antigo é o Colégio do Caraça, MG, dos lazaristas, onde as primeiras matrículas de meninos data de 1820. Para as meninas, em 1854 foi fundado no Rio de Janeiro o Colégio da Imaculada Conceição, pelas Irmãs de S. Vicente de Paula. NISKIER, 1996:175

rural - e pela continuidade dos estudos em internatos e depois externatos religiosos, que se disseminaram rapidamente pelas cidades grandes e médias do país.

Não faltaram denúncias da omissão do governo central, único que naquele momento poderia ter revertido a situação de penúria da cobertura de escolaridade e dos salários dos professores primários. Mas era só retórica: a tendência política continuava a mesma, ou empurrando os encargos para as instâncias inferiores, ou abrindo a válvula da solução privatista.

Torna-se imprescindível a esta altura registrar no que for possível os primeiros dados disponíveis da oferta de recursos financeiros em relação à demanda de escolaridade e o efetivo quadro de matrículas.

Para se analisar a situação educacional do fim do Império contamos com um precioso - embora não tão preciso - estudo de José Ricardo Pires de Almeida, escrito originalmente em francês, em 1889, e dedicado a Gastão de Orleans, o Conde d’Eu : ALMEIDA,J.R.P. História da Instrução Pública no Brasil (1.500-1.889), EDUC-PUC, São Paulo, 1989.

Uma primeira reflexão diz respeito à cobertura de matrículas e investimento público. Em 1886 o Brasil tinha 248.396 alunos, para uma população total de quase 14 milhões de habitantes: um índice de menos de 2%. No mesmo ano a Argentina, com população de 3 milhões de habitantes, tinha 180.768 matrículas, ou seja, um índice de mais de 6%. Embora haja razões sociais e culturais para esta diferença, principalmente por conta da ainda considerável população escrava sem direito à escola pública, salta aos olhos a questão da diferença de investimento: 1,80 francos por habitante no caso do Brasil e 3,40 na Argentina. O autor, embora reconheça o atraso do Brasil em relação ao vizinho país do Prata, acrescenta, defendendo a validade da escola privada como parceira da política educacional: “As cifras acima referem-se ao ensino oficial; se a elas ajuntamos o ensino particular na capital e nas Províncias do Império, o número de alunos não será menor de 180.000, o que dará um total de 464.396 (sic) ou perto de 3,4% da população do Brasil.” (ALMEIDA, 1989: 18)

A Tabela 1, elaborada a partir de dados apresentados por ALMEIDA nas páginas 276 e seguintes, nos dá um retrato bastante aproximado do esforço de investimento das Províncias na educação pública primária e secundária no fim do Império.

Por mais imprecisas que fossem as informações, elas revelam alguns padrões distributivos que são válidos até recentemente. O primeiro, era a despesa exagerada em educação na Corte, que resulta num custo-aluno dez vezes maior do que a média das Províncias. Segundo: diminuindo a arrecadação, em geral diminuem as matrículas em relação à população mas sobe a percentagem dos gastos com ensino público. Terceiro: a percentagem de investimento das Províncias em educação já era parecida com a de hoje: 23,3% do orçamento fiscal dos Estados.

Se no século XIX a dificuldade era a coleta de dados, no século XX o problema é a interpretação. Além dos variantes regionais, temos a questão do valor da moeda, em constante alteração (Tabela 1)

De qualquer maneira, é fundamental registrar que a evolução das matrículas de 1890 a 1940, embora se tenha acelerado em relação ao período do Império, teve ainda um comportamento paralelo ao do crescimento dos impostos, uma vez que a população brasileira se concentrava ainda na zona rural. Do fim da Segunda Guerra em diante explodiu o movimento de urbanização e, por conseqüência, multiplicaram-se e estenderam-se as matrículas por cima do crescimento da arrecadação.

TABELA 1

Situação do Ensino Primário e Secundário: Matrículas e Despesas Província Alunos Despesas

anuais

Percentagem

da receita Custo aluno Amazonas 3.669 464.960$000 17,6 126$26 Pará 11.538 734.586$000 18,3 63$666 Piauí 1.768 54.540$000 23,0 30$848 Rio de Janeiro 25.608 1.137.490$000 26,0 44$409 Alagoas 6.632 200.702$000 26,2 31$262 Paraíba 2.320 136.014$000 25,0 58$626 Maranhão 6.460 191.113$000 24,0 29$584 Ceará 8.891 234.353$000 22,4 26$358 R.G. do Norte 5.743 135.460$000 23,7 23$586 Mato Grosso 1.372 40.720$000 22,0 29$679 Corte 11.728 4.000.000$000 5,0 341$064 São Paulo 20.914 977.835$000 19,0 46$755 Sta. Catarina 6.621 196.300$000 40,0 29$648 Bahia 21.486 589.987$000 21,3 27$459 Pernambuco 19.832 779.012$000 28,4 39$280 R. G. do Sul 17.049 554.500$000 19,4 32$523 Paraná 6.283 89.603$000 14,8 14$261 Goiás 2.750 64.600$000 26,5 23$490 Brasil 180.664 10.581.775$000 23,3 58$571 Brasil s/ Corte 168.936 6.581.775$000 - 38$960 Fonte: ALMEIDA, 1995:276-292 (1887-1889) – Adaptação do autor

1.4. Professores da Primeira República: oferta de verbas versus demanda de