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Proclamada a República em 1889 e promulgada a Constituição em 1891, que mudanças podemos observar no padrão de financiamento da educação escolar pública básica ?

Focalizemos a evolução do financiamento da educação em dois Estados bem distantes e diferentes, o Pará e São Paulo.

O inciso 9º do artigo 59 da Constituição Paraense de 1891 previa para o Conselho Municipal, órgão gestor de seus municípios, a seguinte atribuição: “ Fomentar a instrucção dentro do município, criando as escolas que seus recursos permitissem, sujeitas às leis e programas da instrucção pública do Estado” 19

Novamente, a política do “conta gotas”, agora envolvendo a mais frágil esfera da federação, o Município, que em 1927 se integrará definitivamente à política de vinculações articuladas do financiamento da educação pública. Vale citar todo o art. 74 da Constituição estadual do Pará, promulgada em 1935, feita à imagem e semelhança da CF de 1934, que destinara 10% dos impostos da União para o ensino:

Art. 74 - Respeitadas as directrizes traçadas pela União, o Estado organizará e manterá systema próprio de educação em todos os graus.

§ 1º. Fica estabelecido um Conselho Estadual de Educação, que a lei regulará. § 2º. O Estado applicará, na manutenção e desenvolvimento de seu systema educativo, nunca menos de 20% e os municípios 10% das rendas resultantes dos impostos.

§ 3º. O fôro das enphyteuses e a renda proveniente da locação de terras devolutas, acrescidos das sobras das dotações orçamentárias, de doações e outros recursos financeiros, constituirão o fundo da educação.

Percebe-se que se está evoluindo de uma destinação desprezível para uma indicação de recursos mínimos para a educação, à medida em que surge a pressão da demanda originada do adensamento da população nas zonas urbanas. Também está patente a procura de uma “composição” no próprio peso de um

19 DAMASCENO, Alberto e SANTOS, Emina, “A Educação nas Constituições Paraenses” Editora Universitária, UFPA, 1997 p.36

sistema estadual e uma rede municipal de educação. Mas o contraponto da “solução privatista” também está presente na Constituição de 1935 do Pará:

Art. 75. É permitida entre o Estado e a Igreja a collaboração recíproca em prol do interesse collectivo, sendo isentos de quaisquer impostos, estaduaes e municipaes, os bens imoveis ou moveis destinados ao culto público ou à sua manutenção e a outros fins religiosos, assim também a obras ou instituições de ensino, educação ou beneficência , para a infância ou as classes necessitadas. (DAMASCENO, 1997: 52)

Numa Província de parcos recursos e parcas escolas coexistiam três “classes” de professores: os secundários do Liceu, bem remunerados; os primários estaduais e municipais, com baixos salários; e os religiosos, sem salários, mas bens de vida, com a mensalidade dos pais e a isenção dos impostos, coerente com o voto de pobreza.

Que aconteceria no rico Estado de São Paulo?

Às vésperas da República, em 1887, segundo relatório do Presidente da Província, Rodrigues Alves, havia 1.030 escolas primárias e 26.932 alunos aos cuidados dos professores da capital e do interior, que prosperava com a multiplicação dos cafezais e as extensão dos trilhos ferroviários. Quanto ganhava um professor?

Pela Lei de 6 de Abril de 1887 os ordenados anuais variavam de 900$000 para os professores “leigos” a 1.800$000 para os normalistas aprovados em concurso. 20

As reformas republicanas de 1893, feitas sob o fervor liberal da política de valorização da escola pública e do professor capacitado cientificamente - data de então a organização do ensino normal no Estado de São Paulo - criaram um verdadeiro plano de carreira para o professor paulista, com regras de ingresso, de remoção, de jornada, de direito a adjunto, de progressão e de gratificações. O vencimento anual ia de 1.200$000 para o professor substituto a 3.600$000 para o normalista concursado, com progressão até 50% do salário por tempo de serviço.(REIS FILHO, 1995: 142) Data daí também um reforço salarial de 1.800$000

20 REIS FILHO, Casemiro, A Educação e a Ilusão Liberal, Editora Autores Associados, Campinas, 1995, pág. 133

para quem se dedicasse a mais de três horas de trabalho no ensino noturno, das 18 às 21 horas. Mas é fundamental se registrar que embora se reconheça uma melhoria salarial dos professores primários em relação ao Império, o país foi convulsionado por uma carestia que dobrou os preços da maioria das mercadorias. Ainda assim o influxo de um salário razoavelmente atrativo povoou de alunos as escolas normais da capital e das que se multiplicaram nas cidades do interior de São Paulo de 1891 a 1920: Itapetininga, Piracicaba, Pirassununga, Casa Branca, Campinas, Taubaté, Guaratinguetá, Santos, Ribeirão Preto e outras. Para o tipo de clientela, “moços pobres e moças ricas”, na caracterização de Almeida Júnior. (REIS FILHO ,1995: 159) era uma perspectiva de emprego e futuro notáveis. Ainda mais que descortinava a possibilidade de ascensão ao magistério nos Ginásios ( São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas e Tatuí) e nas próprias escolas normais, com salários anuais para os lentes catedráticos de 6.000$000 anuais. ( REIS FILHO, 1995 :176)

Os ventos liberalizantes da República, com a valorização do ensino público e de seus profissionais, logo amainaram e cederam à calmaria do conservadorismo imposto em todas as Províncias pelo novo esquema coronelista, comandado pelas lideranças agrárias. O surto de educação popular, que teve em São Paulo seu maior expoente, foi contido, mesmo com a chegada de imigrantes mais rebeldes e com a implantação das primeiras indústrias. É verdade que o ensino primário público se expandiu, mas às custas de uma contenção de salários de seus mestres e do início da dobra de jornada de trabalho, facilitada pela criação dos Grupos Escolares, com aulas matutinas e vespertinas, além das noturnas.

Os professores mais bem pagos, assim como os educadores burocratas, diretores e inspetores, constituíam uma minoria conspícua que na maioria dos estados se aliava à classe política e econômica dirigente. A demanda excedente por escolarização secundária era absorvida pelas escolas particulares, principalmente religiosas, com professores não assalariados. Mesmo assim, datam dos inícios deste século os primeiros sindicatos de professores , que dão condições de novas mudanças.