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2 AS RELAÇÕES ENTRE REPRESENTAÇÕES E CONCEITOS

2.2 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE O CONCEITO DE FRAÇÃO: ASPECTOS

2.2.2 A magnitude numérica das frações

Outro aspecto abordado na literatura sobre fração diz respeito a sua magnitude absoluta e relativa. Carraher e Schiliemann (1992) ao analisar respostas de crianças para problemas que abordavam fração de forma absoluta e relativa perceberam que os alunos tendem a identificar o numerador e o denominador como indicando, respectivamente, o número de elementos marcados e o número total de elementos em um conjunto (versão absoluta). Além disso, não aceitam como válidas figuras que não preencham estes critérios, mesmo quando as figuras representavam frações equivalentes (versão relativa). Essas evidências sugerem que a prática de ensinar o aluno a considerar que o denominador representa a divisão do todo e o numerador a parte considerada desta divisão pode ser um obstáculo para a compreensão de frações equivalentes e mistas (CARRAHER; SCHILIEMANN, 1992; NUNES, 2003).

Faulkenberry e Pierce (2011) propuseram a estudantes de graduação 48 pares de fração em sua representação do tipo 𝑎𝑏 , solicitando escolha da fração de maior magnitude numérica. O intuito desta tarefa era examinar os tipos de estratégias utilizadas e a formação de

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representações mentais de frações. Três tipos de estratégias foram utilizados pelo participantes: a) já sabia a resposta; b) uso dos componentes da fração para acessar a magnitude (por exemplo, a multiplicação cruzada ou a conversão para o decimal); c) a compreensão numérica holística (por exemplo, visualização concreta ou uso de um ponto de referência). A partir de uma entrevista com os participantes sobre as estratégias utilizados, foram produzidas evidências de que as representações mentais formadas para a comparação de fração dependem de dois aspectos: a natureza das frações sendo comparadas e o tipo de estratégia usada para efetuar comparações. Todavia, o tipo de estratégia utilizada para efetuar a comparação parece ser o fator mais importante para determinar o tipo de representação mental a ser formada.

Outro estudo com preocupações relativas à magnitude foi o de YunQui e Siegler (2013), que examinaram e comparam as representações fracionária e decimal e termos de sua transparência na visualização da quantidade que expressam. Os autores analisaram, ainda, o quanto a exposição visual das representações de magnitude fracionária pode impactar em habilidades relativas aos números racionais como estimar e converter. A técnica utilizada foi a realização de uma intervenção, com crianças do 4º e 5º anos dos Estados Unidos, examinando três condições. A primeira delas abordou a estimativa de números racionais em suas representações fracionária e decimal, utilizando uma reta numérica delimitada do 0 ao 1. A segunda condição tratou de uma representação denominada como circular, na qual as crianças deveriam sombrear bordas para representar números de 0 a 1 e gerar, através do computador, representações corretas de magnitudes no círculo. A terceira condição se referia a apresentação de um livro didático as crianças, requisitando a leitura e resolução de exercícios da unidade destinada a frações. O estudo produziu evidências de que a representação decimal é mais transparente na visualização da magnitude numérica, sendo mais precisa e linear do que a representação fracionária. Os processos de instrução pautados na representação circular e no livro didático se mostraram menos efetivos, em termos de desempenho, do que a reta numérica. Em suma, a reta numérica parece ser uma ferramenta essencial para promover as habilidades de estimar e converter frações, na medida em que propicia melhor compreensão de sua magnitude numérica.

O estudo Zhang et al. (2013) também compararam as representações fracionárias e decimais, mas em termos de processamento. Para tal, utilizaram uma tarefa que envolvia a combinação de frações simbólicas e não simbólicas. A técnica utilizada foi ERP (event

related potential). Os participantes foram 14 estudantes universitários que foram submetidos a

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a um quadro dividido em duas partes, no lado direito continham frações simbólicas comuns do tipo 𝑎𝑏 e no lado esquerdo frações não simbólicas (desenhos). A segunda condição apresentava novamente um quadro divido em duas partes, no lado direito havia frações no registro decimal e no lado esquerdo por frações não simbólicas. Os participantes foram requisitados a identificar se uma fração simbólica apresentada correspondia a mesma fração apresentada de forma não simbólica. Os resultados sugerem que a identificação visual é diferente para frações comuns e decimais. A velocidade das respostas foi mais lenta para as frações comuns do que para as frações decimais. Foi evidenciado que, para comparar frações decimais, os participantes tendem a dividir a figura não simbólica de fração em 10 partes iguais, tendo em vista que as frações decimais se baseiam em unidades de 10. Essa mesma estratégia não pode ser utilizada para frações comuns. A magnitude numérica da fração decimal parece ser menos complexa do que da fração comum em termos semânticos. Os resultados sugerem que a notação comum da fração apresenta maior complexidade para seu processamento. Fica em aberto do ponto de vista psicológico, a explicação sobre a origem dessas diferenças.

Kallai e Tzelgov (2014) investigaram o processamento da representação decimal de frações. Os autores criaram quatro experimentos considerando rapidez, automaticidade, controle do número de dígitos e controle da posição do zero nas representações. Os participantes foram 20 estudantes universitários de cursos aleatórios. O experimento foi conduzido com o uso de um computador no qual os participantes deveriam apertar teclas para indicar respostas corretas e receberiam um feedback de acerto e ou erro. De modo geral, foi observada que a quantidade de dígitos exerce influência na performance e que não há uma compreensão holística da representação decimal. Assim, o estudo fornece evidências de que os decimais não são processados automaticamente, demonstrando que esse tipo de representação simbólica não é rapidamente acessado em termos de sua magnitude numérica, mesmo para adultos. Fica em aberto ainda a investigação sobre a influência de diferentes situações didáticas para o acesso dos indivíduos a magnitude numérica de frações.

Quanto aos aspectos que influenciam no acesso às magnitudes numéricas na representação fracionária, DeWolf e Vosniadou (2014) investigaram se alunos de graduação conseguem acessar frações como um todo, através da captação direta de sua magnitude, ou se buscam apoio em seus componentes (numerador e denominador). Foram realizados dois experimentos. Em ambos eram apresentados pares de frações a serem ordenados, mas apenas em uma condição se controlou a distância entre as frações. Neste último, foram usados dois

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subconjuntos de frações com pouca e muita distância entre elas. Os resultados produziram evidências de que a precisão da ordenação é dependente da distância entre as magnitudes fracionárias, sendo menor quando a distância entre as frações é pequena. Quanto a forma de acesso a magnitude, novamente a distância demonstrou ser um aspecto de influência significativa. Haja vista que foi percebido que quanto menor era a precisão da magnitude numérica para o participante maior a interferência dos componentes da fração, numerador e denominador, no processamento da fração como um todo. Diante destas evidências, é compreendido que as representações de fração não são baseadas numa compreensão inata do sistema numérico que inclua os racionais dentro dos números reais. A aprendizagem de fração se dá por mudança conceitual, uma vez que as representações não são produto de um desenvolvimento contínuo.

Em oposição ao estudo acima, Hurst e Cordes (2016) investigaram se números racionais (fracionários e decimais) e números inteiros são representados a partir de um contínuo mental único e integrado. Os participantes foram estudantes universitários que se submeteram a três diferentes tarefas envolvendo a ordenação de magnitudes numéricas em diferentes representações, bem como tarefas procedimentais com as notações de fracionárias e decimais. Os resultados do estudo evidenciaram que existe uma compreensão dos números racionais (fração e decimal) e números inteiros como um contínuo integrado, independentemente de suas notações. Nas tarefas propostas percebeu-se que os participantes apresentaram mais dificuldades com a representação fracionária do que com de números decimais e inteiros. Essas dificuldades parecem pertencer a aspectos vinculados a representação em si em detrimento da magnitude, uma vez que, a notação de fração foi considerada menos transparente que a notação decimal em termos de usa magnitude. Outro resultado foi que de que, para adultos, parece haver uma vantagem, do ponto de vista de procedimentos aritméticos, da notação fracionária sobre a notação decimal.

Estes estudos evidenciam a complexidade associada à visualização seja mental ou semiótica da magnitude expressa pelas frações, no entanto, para além desta compreensão diversos estudos apontam que as diversas situações nas quais a fração se insere como responsável pela dificuldade dos estudantes em compreender e visualizar frações tanto do ponto de vista quantitativo como conceitual. Neste sentido, a seguir serão apresentados estudos que enfatizam as diferentes situações relacionadas ao conceito de fração.