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GRÁFICO DA VIDA PROFISSIONAL

E- mail resposta enviado por Amália:

Olha!

Existem vários aspectos, não foi, e ainda não é uma decisão simples. Vou tentar ser concisa. Com a morte do Heitor tive que adiantar, sozinha, o que antes fazia muito calmamente com o apoio do Heitor, tomar as decisões para encaminhar minha vida e começar a crescer novamente. Buscava outra realidade para minha vida. Trabalhando no salão estava vivendo mais em função da vida da mãe do que de minha própria vida. Abri mão de muitos desejos, em função das necessidades da vó, da mãe, do papa. Não é culpa de ninguém, sentia-me útil só quando estava em função da vida dos outros, por isso passei

muito tempo vivendo em função da família ou dos homens que passaram pela minha vida. Cansada e deprimida, sinceramente quase sem forças comecei a reconhecer minha situação na época do Fábio. Sabia que não estava feliz, mas não identificava o que me afetava e quando identificava não via a possibilidade de mudança. Pela falta de apoio, reconhecimento de alguém que realmente ajudasse-me neste sentido. Entenda, não estava só, tive carinho de muitos, todos vocês, e isso sempre foi importante, claro! Mas, havia algo destruído em mim, ou melhor, algo que não fiz por mim. Quando estive em Londres e convivi com o Gabriel nos últimos dias de vida de sua ex-esposa, desesperei-me em ver que em tudo que eu olhava existia vestígios de uma mulher que viveu demais. Viajou muito, amou muito, estudou muito, li seus diários, olhei suas fotos, assisti seus filmes e fiquei perguntando-me onde estão meus vestígios, onde ficaram as impressões da história da minha vida. Senti-me vazia, senti que ainda não conseguia fazer nada e que nem ao certo sabia onde teria prazer em expressar-me. Envolver-me com o Gabriel e parar ao outro lado do mundo era um grito de que queria mudar.

Porém debilitada voltei mais deprimida para o Brasil, e precisava que cuidassem de mim, assim como tentei cuidar de todos até então. Graças a Deus recebi atenção de todos e um ótimo acompanhamento médico (foi realmente o que salvou minha vida). Doloroso, longo mas indispensável passo-a-passo fui retornando a vida. Claro que havia ainda muitas coisas que incomodavam, mas agora eu tinha uma outra perspectiva e a convivência com o Heitor ensinou-me a ter paciência e esperança em melhorar as coisas.

A primeira opção em fazer algo com prazer foi desenhar, e desenhando com muito prazer fui dando-me conta do resto. Dia sim, dia não fui percebendo o que gostaria de fazer e fui moldando os meus vestígios. Simplesmente comecei a interessar-me por mim, exclusivamente. Convivi com gente sábia, com gente hipócrita e com outra maturidade aperfeiçoei meus conceitos.

Perdi o Heitor, ou ganhei-o como anjo. Precisava pegar aquele servicinho novinho que eu era, tentar colocar em prática todos os valores e minhas crenças e seguir. Pensei que primeiro pensava viver e sustentar-me e sem abrir mão da responsabilidade que sentia em função da mãe. Esforcei-me em mantê-la trabalhando, mas muito rapidamente continuei a rumar em busca de uma nova profissão, pois o trabalho no salão não me satisfazia mais, sentia-me atrofiada intelectualmente.

Pensei no que gostava de fazer, dar aulas, o gosto pela matemática que adquiri na faculdade, queria ensinar algo que tivesse prazer. Pedagogia e matemática me pareciam ótimas opções. Agora, vai outro detalhe importante: o pai. Ele vivia em uma sede de construir a sua própria vida e sabemos que estava numa época que nada lhe ocorria com sucesso. Mostrou-me as fotos da pousada em meias paredes e abandonada, identifiquei-me com elas. Nunca havia prestado atenção no que havia lá, e não gostava de lembrar das trapalhadas do Fábio.

Mas, com tanto tempo passado e fortalecida, senti pela primeira vez na minha vida que existia algo físico que era realmente meu. Conversei com o pai, pois sabia que não teria como dedicar-me integralmente á pousada. Pois tinha outros planos, buscava uma nova profissão, para alcançar outra realidade, satisfação pessoal, independência, autonomia.

Comecei a obra e ganhei com isso, uma nova convivência com meu pai, um resgate do que faltou-me muito na adolescência, ele ganhou de vez o cargo de meu melhor amigo, muito próximo, mas que soube sempre respeitar meu ritmo e identidade própria.

Na época de decidir entre Rinoceronte e Sabiá, já não consegui mais abrir mão desta minha nova fase, o pouco que me prendia aqui: uma pousada pela metade, um curso quase intransponível e um namorado muito louco e tantas dificuldades e o mais importante de tudo o que não posso garantir ainda se conseguiria manter sem retornar a Rinoceronte. Uma autonomia, uma independência, uma nova maneira de viver.

Ficar só não me fez mal, conviver sozinha não é fácil, mas é indispensável em algum ponto de nossa vida precisamos viver esta fase. Ainda reclamo solidão, mas ainda tenho que controlar-me para que na presença do outro não esqueça de minha própria vida em função da vida dos outros.

Muito bem ou muito mal, consigo aqui viver a vida da Amália, trabalho naquilo que me engrandece, busco sempre algo para aprender, não sou mais uma cabeleireira, sou uma estagiária, conquisto a cada dia um passo a mais em direção a um cargo administrativo, ainda não sei aonde, mas eu busco constantemente, concursos e ando de olho no mercado.

No momento certo, vou sair da TAN TAN para algo melhor. Gosto de administrar a empresa do Irineu, estudo em função disso e o bom funcionamento deste negócio me mantém mais folgada economicamente, e isso é importante.

Minha relação com a matemática é engraçada, procurei o auxílio de uma reeducadora profissional e constatamos que tenho habilidades para área administrativa e controles financeiros. Pensamos em pesquisar os cursos de administração e/ou contábeis, mas para minha surpresa senti um pesar muito estranho e doloroso e não consigo cogitar, pelo menos agora, em trocar de curso.

Ele é tão difícil, tão difícil, mas é tão bom.

Penso que se comprasse um pequeno Kiti (referindo-se a quitinete) no centro e trabalhasse no salão ou na prefeitura 1/2 turno e cursasse pedagogia na UFRGS, não sentiria-me mais feliz do que aqui. Sinto-me importante aqui, importante para mim é uma sensação estranha e gostosa, sei se as coisas mudarem rapidamente eu procurarei a mim em primeiro lugar e hoje antes de envolver-me com os outros eu garanto os meus interesses em primeiro lugar.

Este egoísmo é vital, e sempre que abri mão dele sofri com percas irremediáveis. Hoje, sou eu, eu de verdade e não uma Amália que fica para acontecer amanhã. Tenho saudade de Rinoceronte e dos meus prazeres por aí, Margs, Museus, Feiras, Atelier, das ruas, do salão, das pessoas, da família, do colo da minha mãe (nos momentos em que ela era minha mãe e não minha filha, nos momentos em que ela não me visualizava como uma heroína que só existia na imaginação dela).

Mas, este azul deste céu daqui, este verde enorme, este cheiro de mar, este povo malandro, matuto e brejeiro que só por aqui se encontra. A paz que sinto cada vez que volto para Bicho Preguiça e caminho naquela praia sentindo como se fosse meu paraíso aqui na Terra. Isso me faz acreditar que errada ou não, fiz a melhor escolha e tudo que vivi e aprendi nestes últimos dois anos valeram e valeram muito. Respondi a tua pergunta? Eu precisava de algo, precisava de essência, precisava existir, parei de esconder-me atrás dos outros, da ida e das necessidades dos outros e fui em busca de mim e continuo me procurando e me conhecendo e tento ter toda a sabedoria, paciência e sensibilidade para realmente conhecer e reconhecer-me.

ANEXO 06