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TECIDO PRONTO E ACABADO (24/09, ver carta de despedida em anexo nº 06)

4.1 13 UM TECIDO BORDADO, QUASE TERMINADO (28/08)

4.1.14. TECIDO PRONTO E ACABADO (24/09, ver carta de despedida em anexo nº 06)

Uma carta de despedida deve ser aplicada para o fechamento do processo. Ela representa uma finalização do trabalho, tanto para o sujeito que escreve, quanto para o orientador. Pode ser pensada como um retorno concreto de um trabalho. As orientações são simples: solicita-se a confecção de uma carta, com destinatário e remetente. Nela o orientando ou reorientando deve contar para qualquer pessoa como aconteceram os encontros, falando dos momentos que foram percebidos como difíceis ou fáceis, dos que achou mais importantes ou que tenha gostado mais e também dos que não foram agradáveis. A carta é um panorama do processo, as conclusões de alguém que se despede de um trabalho. O modo como irá ser feita é definido pela pessoa que escreve.

Antes deste encontro, ficamos afastadas por quase um mês. Além disso, havia uma certa resistência por parte de Amália em se despedir. De certo modo, compreendo que o término de um processo sempre traz um desconforto, que é diferente daquele que se apresentou no início do trabalho como estranheza. O momento se confunde, ora com a alegria de um trabalho terminado, ora com a tristeza pelo fim dos encontros semanais, dos risos, mas ficam outras coisas no lugar.

Começamos com um forte abraço. Amália, já havia mencionado no encontro do dia 14 de agosto que não queria se despedir de nada. Então, iniciamos com a leitura da carta. Esse foi o combinado: ela leria a carta e depois nós comentaríamos e finalizaríamos, não foi exatamente o que aconteceu. O processo parecia que ainda estava continuando.

Ela, então, passou a falar do primeiro encontro, que tinha sido decisivo. Havia, conforme ela dizia, uma necessidade sem controle de contar tudo que tinha vivido, na

verdade esperava por um momento assim há muito tempo (...). Percebo que tivemos a

mesma sensação naquele dia. Eu procurando alguém que fosse representativo para o meu trabalho e ela alguém que pudesse ouvi-la.

No relato do segundo encontro, informo sobre o cansaço que este havia me causado. Agora sou confirmada por Amália em suas palavras: A desgraçada [falando de si] não

parou de falar um minuto se quer (Risos). A Isabel levou uma semana depois pra se recuperar. Concordo com minha informante, e percebo que alguns encontros foram, assim,

muito cansativos, mas havia uma riqueza de materiais e freqüentes elaborações de Amália que me faziam continuar.

Ela também mencionou ter trabalhado com gráficos há muito tempo e que eles eram a expressão de temas da vida, mas ela não via sentimento algum neles. Já quando teve que transformar dados sentimentais em gráfico, esta foi um das atividades que mais lhe causou impacto: O difícil no gráfico foi atribuir-lhe notas. Ler o gráfico foi maravilhoso, parecia

que eu conseguia olhar melhor aqueles assuntos. Foi muito legal.

Ela ainda tinha coisas para relatar e fala da carta que escreveu para a irmã. Não interrompo e nem imponho a atividade solicitada como prioridade. Num relato de histórias de vida é mais surpreendente do que se imagina. Como disse Mintz (1984), contando a história de Taso seu informante, Encontrando Taso, me descobrindo. Sobre o e-mail que escreveu para a irmã, ela disse que este resumira tudo o que antes não conseguia visualizar. Pode-se perceber que o encontro não seria o último e que não leríamos a carta de despedida, mas Amália já estava preparada para uma despedida. O encontro anterior havia sido um ensaio para este. E, finalmente, ela inicia a leitura.

Essa carta é apresentada em sua versão integral em anexo (nº 06), contudo vale dizer que está permeada de sentimentos. Amália disse do processo, em suas palavras: (...) com o

passar do tempo, mesmo repetindo a história ou voltando a ela mesma sem querer pude falar de coisas guardadas, repensar em decisões, angústias, alegrias e tristezas vividas.

Walter Benjamin (1986), nos textos sobre o narrador e a respeito do conceito da história, pode ilustrar como as falas de Amália repercutem nesta pesquisadora. O primeiro texto diz que o leitor, ou no caso ouvinte, é livre para interpretar a história como quiser, e com isso

o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação. (p. 203). Sinto-me

assim ouvindo o que Amália dizia e lembrando cada momento por ela narrado. Cada detalhe sobre a vida que ela me descrevia. Em especial, lembro-me do encontro dela com o avô, do susto que ela tomou quando ele a surpreendeu. O avô não reagia às impertinências da neta travessa. Estas coisas estão gravadas em minha memória, com o sabor que pude experimentar.

O outro texto de Benjamin (1986), refere-se à imagem que se fixa na memória de cada um quando é captada ou nas palavras do autor: A verdadeira imagem do passado

irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. (p. 224). O passado resgatado como

experiência, sendo reconhecido no exato momento em que ele é mencionado, no instante em que ele emerge como cena do presente. Serão imagens de uma história que se construiu e que se construirá nas relações estabelecidas por Amália, com sua família, seus amigos, e agora com esta pesquisadora.

Pode-se tecer ainda muito desta “história de vida”. Na verdade, não se cansa e nem você leitor ficaria cansado, mas o final também faz parte desta história que ainda é tecida por Amália e pelos que estão juntos dela, construindo e sendo construtores, transformando e sendo transformados por fios que enlaçam uma vida, uma comunidade, uma cidade, um canto minúsculo no mapa de um país.

Nas palavras de Amália encontram-se também as minhas. Dizendo assim termina-se de tecer os encontros: Não quero relatar aqui minhas conquistas pessoais, meus

reconhecimentos e conclusões que obtive neste período (seria um livro).