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Capítulo 3 Inserção do Subsistema Eólico no Macrossistema Elétrico Brasileiro

4.1 Um uso mais corporativo do território

Santos (2008) afirma que é o uso do território e não o território em si mesmo que faz dele o objeto da análise social, ressaltando o papel ativo do território no período atual. Para ele o território usado são objetos (naturais e artificiais) e ações, sinônimo de espaço geográfico, espaço humano.

Por isso estudar os usos que se faz do território é tão importante no período atual, já que é o uso do território que dá conteúdo às formas materiais. Sendo assim não basta que se analise apenas as formas, pois estas por si só não revelam os conteúdos. Na verdade em muitos casos escondem as intencionalidade e as racionalidades por trás dos objetos técnicos, frutos da necessidade e resultado da produção humana.

Segundo Silveira (2007) a análise do território usado deve ser feita primeiro a partir da articulação das variáveis-chave do período, técnica, ciência e informação, e em um segundo momento a partir da análise do território sendo usado, buscando apreender o movimento, procurando explicar como o território vem sendo usado e como ele poderia ser usado.

Na tentativa de compreender o território atual, de forma analítica, Santos (2009) propõe dois recortes, as horizontalidades, que são os domínios da contiguidade, e as verticalidades, que são o domínio das redes, pontos distantes uns dos outros que conectados em rede dão origem a um espaço de fluxos.

Para além de uma visão fragmentadora, Santos (2008; 2009) propõe que a análise do território se faça tendo sempre como horizonte o conceito de espaço banal. O espaço banal, por sua vez, seria o espaço onde coexistem os lugares contíguos, marcados pelas relações de proximidade, e os lugares em rede, o espaço onde convivem todos os atores, o espaço de todos. Estes lugares são em verdade os mesmos lugares, mas que desempenham funções diversas de forma simultânea, o resultado são aconteceres, também simultâneos, mas diversos.

Os aconteceres homólogo e complementar, estariam ligados aos domínios da contiguidade, e o acontecer hierárquico, seria o domínio das redes, que se resume ao conjunto de pontos conectados de forma hierarquizada, dependente e alienadora, onde as decisões essenciais sobre os processos locais são estranhas ao lugar e obedecem a

uma lógica alienígena.

Os aconteceres homólogos e complementares marcam um território compartido mediante regras que são formuladas localmente, onde a informação tende a se generalizar e onde há o domínio de uma solidariedade orgânica. São espaços que sustentam e explicam um conjunto de produções localizadas, interdependentes, dentro de uma área cujas características constituem também um fator de produção (SANTOS, 2009, 2008; 2008b).

Já o acontecer hierárquico, que tem papel preponderante no período atual, pode ser explicado como resultado de um cotidiano imposto de fora, comandado por uma informação privilegiada e marcado por uma solidariedade organizacional, que em geral favorece os atores hegemônicos (SANTOS, 2008; 2009).

No período atual há uma tendência que os lugares se unam verticalmente, obviamente ainda existem muitos lugares onde os aconteceres homólogos e complementares são preponderantes e onde existem e ainda predominam os aconteceres orgânicos. Entretanto, estes lugares estão se tornando cada dia mais escassos. Já que a lógica racionalizadora externa, imbuída de um conteúdo ideológico de origem distante, acaba por se impor a todas as esferas da vida cotidiana e a todos os lugares. Nesse sentido, de acordo com Kahil (2010), podemos então afirmar que em nossa época o espírito do capitalismo se universaliza como modo de racionalização do espaço geográfico. O que justifica falarmos em um uso mais corporativo do território.

O uso corporativo do território é o uso onde predominam as solidariedades organizacionais que trabalham com o objetivo de satisfazer a necessidade dos agentes hegemônicos.

A decisão da instalação de parques eólicos no semiárido nordestino é externa aos lugares onde estes estão sendo instalados. Ela resulta, primeiro, da necessidade de aumento da oferta de energia elétrica no território nacional, a partir da diversificação da matriz elétrica brasileira, uma verticalidade. Em um segundo plano, ela resulta da necessidade de expansão de mercados consumidores pelas empresas do ramo eólico, seja pela saturação dos mercados europeus, seja pela conjuntura de crise configurada em 2008. Não foram os lugares que necessitando produzir energia para seu próprio consumo decidiram por implantar parques eólicos a fim de satisfazer sua necessidade.

Ao contrário a necessidade é externa a estes lugares e se impõe a eles.

Os lugares onde vêm sendo instalados parques eólicos, passam a ser nós que se conectam em rede com outros nós espalhados pelo território nacional, aqui estamos nos referindo à atual organização do macrossistema elétrico brasileiro; e com nós espalhados pelo mundo, aqui estamos nos referindo à relação estabelecida entre os parques eólicos construídos no Brasil e suas empresas proprietárias e as empresas fornecedoras de equipamentos eólicos, que via de regra são de origem estrangeira, dando origem a um território reticulado (SANTOS, 2009).

Nesse sentido, novos usos são impostos aos lugares, através de vetores externos que trazem consigo racionalidades alienígenas e novas formas de organização dos lugares. As relações de contiguidade, antes predominantes em boa parte do semiárido nordestino, passam a ser substituídas pelas relações hierarquicamente organizadas e o comando que gesta o funcionamento do território passa a ser externo a ele.

O uso do território passa a ser um uso mais corporativo, comandado pela lógica e pela racionalidade de grandes empresas e a valorização do espaço passa a ser cada vez mais seletiva e circunscrita a manchas e pontos do território de alto potencial eólico, onde os parques eólicos vem sendo instalados. Nesse sentido, acreditamos que os parques eólicos são verticalidades, vetores externos que quando depositados nos lugares, impõem a eles uma racionalidade externa que leva ao desarranjo das solidariedades preexistentes antes pautadas pelas relações de contiguidade, aqui entendidas como horizontalidades (SANTOS, 2009).

O território passa a ser organizado segundo uma racionalidade externa e extravertida guiada por dois grandes objetivos, satisfazer a necessidade de aumento da oferta de energia no macrossistema elétrico nacional, que irá garantir o funcionamento de outros tantos macrossistemas técnicos; e satisfazer a necessidade das empresas que atuam na produção de energia eólica e de equipamentos eólicos, que é a maximização dos lucros.

O comando das ações vem de fora, neste caso o centro e a sede das ações não coincidem e o que vemos é a formação de um espaço em rede, que conecta apenas pontos e manchas do território de elevado potencial eólico. O centro de comando das

ações relacionadas com a produção de energia eólica não é neste caso nunca o lugar. As ações relacionadas à produção de energia eólica podem ter dois centros, as empresas do ramo eólico, fabricantes dos aerogeradores ou investidoras em parques eólicos; ou o CONS, localizado em Brasília (DF), de onde partem as ordens para o funcionamento dos parques.