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5.3 O ACONTECIMENTO REBELIÃO EM ALCAÇUZ: DISCUTINDO

5.3.2 Mais um para a conta Sites de redes sociais e prática jornalística

Para nós, pensar em convergência jornalística é encontrar e apresentar as formas de construir e compartilhar os conteúdos (KOLODZY, 2006). É nesse sentido que encontramos traços, registros do caminho convergente que aqueles dois jornais à época da cobertura da rebelião trilhavam. O uso das lives, por si só, já demonstra um aspecto diferente do que em sua origem dois jornais impressos se propõem a fazer. No que diz respeito, por exemplo, ao patamar tecnológico que envolveu a cobertura de Alcaçuz, podemos enfatizar os dispositivos móveis como essenciais para construir os vídeos. De fato, sem eles e a mobilidade que perpassa a realidade das empresas de comunicação, não seria possível a construção daquele material audiovisual – já que para gravar em ambientes externos empresas e repórteres utilizavam smartphones conectados à internet móvel.

Quando analisamos os vídeos produzidos, também conseguimos caracterizar um perfil profissional que já está inserido dentro desse contexto de convergência, o de jornalista polivalente (SALAVERRÍA, 2010; SCOLARI, 2008). Durante as transmissões ao vivo, os repórteres apontavam suas câmeras para o fato e o narravam como se de fato estivesse noticiando algo para a televisão, mas não só isso, faziam fotos, atualizavam as redes sociais e escreviam textos. As ambiências digitais configuram-se cada vez mais como espaços para a prática jornalística, mas é importante debater a qualidade do jornalismo que se deseja ao passo que ao profissional é imposta a lógica da instantaneidade, na qual ele precisa dar conta de diversas tarefas ao mesmo tempo. Precisamos avaliar se o mercado está moldando profissional que não reflete sobre suas

práticas e o próprio motivo para que esse jornalista não questione as condições impostas a ele.

Rede social eu acho que é fundamental para apuração. Tanto para observar o que as pessoas estão comentando tanto para ir atrás das pessoas. Eu uso para as duas coisas. Tanto para olhar o que as pessoas estão comentando como para me comunicar com as pessoas. Antigamente eu não usava Twitter, eu odiava. Mas daí, no começo de 2017 eu tive que fazer um, eu vi a necessidade e a importância que ele tem em Natal. Hoje eu tenho mais para observar do que pra falar (TN1, informação verbal).

Encontramos na fala da jornalista dois aspectos que se assemelham ao que Recuero (2009b) elenca como relação entre essa prática profissional e esses dispositivos: redes como fontes para apurar informações e como meio em que compartilhamos essas informações. O compartilhamento, as interações e comentários seriam o terceiro ponto, que é o de reverberação do conteúdo. Esse cenário, entretanto, contribuiu e ajudou a acelerar mais ainda o processo do jornalista multitarefa, um entendimento que parece ser comum nas redações:

Eu acho que ela é uma coisa que vai ser cada vez mais natural pro jornalista, ele vai ter que ser um jornalista multiplataforma que vai ter que ter um conhecimento mais abrangente, no uso do equipamentos, seja um smartphone, seja uma câmera fotográfica, ou qualquer coisa do tipo, mas isso também prejudica as relações trabalhistas porque eu acho que seria importante que a gente tivesse também... tudo bem que a gente trabalhe mais, mas que a gente ganhasse mais por conta disso (JN1, informação verbal).

Primeiro, apesar de ser uma redação que trabalha para impresso e para online, obrigou que fôssemos uma equipe mais dinâmica e que tem um filtro ainda mais apurado porque o volume de informações das redes sociais é muito alto. A equipe é uma só. Então você precisa ter um filtro maior (TN2, informação verbal)

No Novo e na Tribuna, os repórteres eram sempre orientados a ficar atentos aos comentários nas redes sociais, caso algo de interesse surgisse poderia se tornar uma pauta. Nesse sentido, inclusive, repórteres dos dois jornais souberam do que acontecia em Alcaçuz por meio de grupos no Whatsapp.

Figura 7: exemplo de repórteres fazendo fotografias durante transmissão ao vivo

Fonte: print de live realizada na redação do jornal

Nos próprios vídeos gravados era possível identificar marcas de um jornalista polivalente. Em uma gravação, enquanto ouvíamos um jornalista do Novo, por exemplo, explicando o que ocorria na penitenciária e quais seriam as atitudes do Governo para conter aquilo, conseguíamos identificar ao fundo das imagens outros repórteres do jornal encaminhando mensagens via smartphone e fazendo registros fotográficos de câmeras semiprofissionais ou de celulares. Em outro vídeo mais a frente os papéis se invertiam. E por atuar em tantos meios, o jornalista acabava fazendo daquelas transmissões seu novo bloco de anotações ou seu novo gravador. São apropriados, portanto, novos dispositivos que contribuem para a prática jornalística.

Como eu te falei, eu entrevistei o Governador e a live era o único lugar onde eu tinha alguma coisa gravada. Enquanto eu entrevistava não estava gravando de outro smartphone um áudio, eu não estava filmando em outro celular, então o que fiz foi aproveitar o conteúdo daquela live para fazer uma matéria pro online (NJ1, informação verbal).

Essa pode ser considerada uma estratégia para que o jornalista consiga enfrentar essa realidade polivalente em que se insere, uma forma astuta de apropriação do dispositivo tecnomidiáticos.

Entender a reviravolta na produção de notícias e no jornalismo, e decidir qual a maneira eficaz de aplicar o esforço humano, será crucial para todo e qualquer jornalista. Para determinar qual o papel mais útil que o jornalista pode desempenhar no novo ecossistema jornalístico é preciso responder a duas perguntas correlatas: nesse novo ecossistema o que novos atores podem fazer, hoje, melhor do que jornalistas no velho modelo? E que papel o jornalista pode

desempenhar melhor do que ninguém? (ANDERSON, BELL E SHIRKY, 2013, p.42).

Portanto, entendemos esses espaços também enquanto dispositivo, isso porque carregam junto de si possibilidades constantes de construção de sentidos. Surgem mais que perfis onde as pessoas podem observar umas às outras, essas redes ajudam na articulação de conexões e intensificam interações sociais (ELLISON; BOYD, 2013). Não só elas, os próprios recursos existentes dentro dessas plataformas também devem ser considerados dispositivos. Tomemos as lives dentro do FB como exemplo. Durante a cobertura de Alcaçuz, os jornais (re)significavam aquele acontecimento e os internautas que acompanhavam as transmissões, por sua vez, também construíam novas simbologias, novas impressões e não apenas a respeito do caso em si. O dispositivo FB e o dispositivo live inscrevem-se e sobrepõem-se entre si, queremos destacar que eles nos ajudam a construir, através de sua lógica, novas percepções de mundo, mas que são também reconstruídos e ressignificados. Com isso, propomos uma relação de conciliação entre a prática jornalística durante a cobertura de Alcaçuz e o meio pelo qual o acontecimento é veiculado. Ora, segundo as necessidades que o dispositivo pede (como a conexão em rede para que ele possa acontecer, ou o aparelho carregado), ora de acordo com a atuação do profissional que investe através das escolhas em, por exemplo, responder ou não um comentário.