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4. O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO

4.1.4. Malditas coincidências

Na edição de número 14 de O Pasquim 21, datada de 21 de maio de 2002, Fausto inicia falando de forma irônica sobre as possíveis coincidências e apontando para as mínimas chances de acontecerem. A descrença nos poderes constituídos também é outra marca do seu discurso que é produzido a partir da posição de jornalista de esquerda, comunista e que se demonstra preocupado com o futuro. “Décadas de jornalismo ensinaram-me que, pelo menos em política, não existem coincidências.”

Recorda que há mais de trinta anos no mesmo dia em que o mundo estava com a atenção voltada para os

      

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José Rainha foi um dos líderes do MST.

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Moisés foi um líder religioso, legislador e profeta a quem a autoria da Torá é tradicionalmente atribuída. É considerado o profeta mais importante do Judaísmo, e igualmente reconhecido pelo Cristianismo e Islamismo. Libertou o povo judeu da escravidão no Antigo Egito, depois o guiou pelo deserto em busca da terra prometida, resultando na famosa passagem em que Moisés abre o Mar Vermelho.

astronautas da Apollo41 5 que faziam testes do foguete Saturno IB, os americanos invadiam o Camboja. Lembra que quando a CIA42 apresentava baixo faturamento na indústria armamentista, dois aviões explodiram as torres do World Trade Center. Rememora que tanto no Brasil quanto no Chile ambos presidentes eleitos democraticamente (Allende43 e Jango44) foram depostos e mortos misteriosamente.

A seguir fala da época da campanha das Diretas Já e que, apesar de todo esforço, o povo teve que engolir as indiretas. “Tancredo, um homem bom e honesto tentou ser palatável aos americanos. Mas não foi o bastante e ‘coincidentemente’ acabou morrendo no Hospital das Clínicas de Brasília.”

Chega mais uma vez ao ponto crítico máximo de seu discurso que é a posição contrária a Sarney. “Coincidentemente seu vice é um homem de direita medíocre, mas confiável, José Sarney, que inicia o período de ditaduras brancas que continuamos sofrendo.”

“Ditaduras brancas” é também um termo recorrente em sua fala e sempre que citado evidencia a “ditadura negra”, ou seja, o período militar. E continua delineando seu discurso acerca da política nacional:

[...] o Pentágono não tem um homem confiável para ganhar e não quer saber de Lula, nem de Ulisses e nem de Brizola. ‘Coincidentemente’, com o apoio da Rede Globo, surge o valente Caçador de Marajás, mais tarde conhecido como cocainista anal, Fernando Collor de Mello. ‘Coincidentemente’ é impichado quando decide roubar mais que a quadrilha que o criou.

      

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O Projeto Apollo foi um conjunto de missões espaciais coordenadas pela Nasa (Agência Espacial dos Estados Unidos) entre 1961 e 1972 com o objetivo de colocar o homem na Lua. O projeto culminou com o pouso da Apollo 11 no solo lunar em 20 de julho de 1969.

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Central Intelligence Agency ou Agência Central de Inteligência é uma agência de inteligência civil do governo dos Estados Unidos responsável por investigar e fornecer informações de segurança nacional.

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Salvador Allende Gossens foi um médico e político marxista. Fundador do Partido Socialista governou o Chile no período de 1970 a 1973.

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João Belchior Marques Goulart, conhecido popularmente como Jango, foi o 24° presidente do Brasil no período de 1961 a 1964. 

O discurso de Fausto recorta a história do Brasil a todo o momento numa tentativa de que nada seja esquecido. E mais uma vez dispara sobre o seu desafeto Fernando Henrique e os seus oito anos de governo do qual faz uma breve análise: “Se fez alguma coisa além de cumprir a promessa aos gringos foi levar a classe média para as favelas e os favelados para o crime”.

A posição discursiva do autor continua enfatizando que:

[...] muitas ‘coincidências’ ocorreram sob a batuta do homem mais vaidoso do mundo (só perde para Madonna45 e Michael Jackson46 que, aliás, não são homens) (...) O Brasil inteiro sabia que algumas centenas de camponeses do Movimento Sem Terra estavam acampados em Buritis (MG) perto da fazenda (vá lá!) dos filhos do presidente. (...) ‘Coincidentemente’ no dia em que os camponeses foram à fazenda não havia um guarda tomando conta.

Com isso cria uma cena favorável a Lula e completa:

[...] no momento, os grandes jornais, rádios e canais de TV informam com destaque que Lula pode ser presidente no primeiro turno e pode mesmo e não há nada que o desabone e na minha opinião é o melhor candidato. Não se enganem, porém, leitores: a grande imprensa, sócia do poder, quer assustar os incautos. Muitas ‘coincidências’ ainda surgirão nos próximos meses para queimar Lula e os outros.

Todas as coincidências apresentadas pelo autor são apoiadas na ideia de que, na verdade, não existem coincidências e que tudo já estaria programado seguindo as condições de produção apresentadas.

      

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Madonna é uma cantora americana reconhecida mundialmente e dona de sucessos como Like a Virgin, Papa don't Preach e Like a Prayer.

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Michael Jackson foi um famoso cantor americano e emplacou diversos sucessos nas paradas mundiais como Beat It, Billie Jean e Thriller.

4.1.5. Como dói a proteção ambiental de FHC!47

O acinte acerca da política e da pessoa de FHC é demonstrado na crônica do dia 23 de julho de 2002 de uma maneira ideologicamente agressiva. Fausto discorre sobre uma palestra que diz ter assistido em um dos “três mil canais da NET48” e que teria sido ministrada por Fernando Henrique Cardoso. O presidente falava para uma platéia que, segundo o autor, “quando a câmera focalizou foi fácil ver que o auditório estava literalmente de saco cheio”. A demarcação política do discurso do autor é demonstrada frequentemente, como é possível observar, e totalmente contrária a FHC. Essa contrariedade é evidenciada a cada afirmação que faz sobre Fernando Henrique, como por exemplo: “A situação absurda era a seguinte: ele fingia dizer a verdade sabendo que ninguém acreditava nele e a platéia fingia acreditar nele sabendo que ele sabia disso”.

A cada vez que o autor afirma ser contrário ao presidente FHC abre um espaço para o que ainda não disse sobre Lula, ou seja, o não dizer a respeito do candidato do PT é também uma forma de dizer pelo silenciamento.

Sobre a palestra diz que:

FHC falava da importância da ecologia e do meio ambiente, que defenderia na sua próxima viagem à África do Sul. Dizia que a cultura em relação à questão havia mudado e que era preciso martelar isso nos ouvidos das pessoas para que elas tomassem consciência. Eu, entretanto, ouvi outro discurso mais ou menos assim: ‘Em oito anos de desgoverno e subserviência aos interesses das grandes transnacionais, conclui com êxito o trabalho iniciado       

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WOLFF, F. Como dói a proteção ambiental de FHC! O Pasquim 21, p.23, 23 jul. 2002.

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pela ditadura em 1964. Imbecilizei o povo tão completamente que ele já nem de futebol entende. Maltratei tanto a classe média que ela está mais interessada em arranjar um emprego do que em política’. Era isso que eu ouvia sair dos lábios milongueiros deste homem ferido de nauseabunda vaidade.

Ao dizer que o que ouvia do palestrante eram outras palavras e ao produzir uma fala que julga ser o pensamento de FHC, Fausto evidencia por uma imagem construída a partir de uma condição de produção idealizada uma pessoa que consta da sua memória discursiva com a qual não apresenta nenhuma afinidade.

Em seguida, comenta que, por meio de Decretos e Medidas Provisórias o presidente desmontou a legislação ambiental, fechou a Sudam49 e a Sudene50 ao invés de colocar na cadeia os responsáveis pela verba desviada.

Aponta também para o acidente na Petrobrás com a plataforma51 de extração de petróleo e especula que se tratava de uma tentativa de desmoralizar a estatal. Aqui fica clara a razão pela qual o autor é taxativo, ou seja, mais uma vez sem dizer ele ligou o nome de FHC a desmoralização de um órgão público enfatizando a mensagem conhecida de que antes de tornar qualquer coisa privada é preciso sucatear os seus serviços.

De acordo com Fausto,

no momento, FHC protege o meio ambiente lutando para que os Estados Unidos obtenham permissão para usar a base de lançamentos espaciais de Alcântara, no Maranhão. É tão subserviente com os poderosos quanto é arrogante com os humildes, o nosso FHC.

      

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A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia é uma autarquia do governo federal criada com a finalidade de promover o desenvolvimento da região amazônica. O órgão foi fechado em 2001 por FHC devido a denúncias de corrupção e reaberto em 2003 pelo presidente Lula.

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A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste era uma autarquia que tinha o intuito de encontrar soluções que permitissem a progressiva diminuição das desigualdades verificadas entre as regiões geoeconômicas do Brasil. O órgão foi extinto devido a denúncias de corrupção em 2001 por Fernando Henrique Cardoso.

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A P-36 era a maior plataforma de produção de petróleo no mundo antes de seu afundamento em março de 2001. Pertencia a Petrobras e produzia 84 mil barris de petróleo por dia. 

Por fim, acrescenta as qualidades que vê em FHC. “O homem mente, é chato, vaidoso, perigoso e pode enlouquecer a qualquer momento. Ainda não disse mas deve achar que aumentou o preço da gasolina e do gás de cozinha para combater a poluição.”

Nos dois últimos parágrafos a crítica evidencia uma tentativa de desmoralização do governo, pois as eleições se aproximavam e a batalha presidencial tomaria proporções enormes como veremos nos próximos textos.

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