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Maneiras de utilização de uma empresa veículo

3 A UTILIZAÇÃO DE EMPRESA VEÍCULO NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO,

3.2. Empresa veículo

3.2.2. Maneiras de utilização de uma empresa veículo

A conveniência ou mesmo a necessidade de utilização de uma empresa-veículo por um determinado contribuinte, em um regular contexto de aquisição de participação societária entre partes independentes, pode se dar por razões das mais diversas possíveis. Uma primeira situação recorrente é a hipótese na qual um grupo econômico multinacional resolve realizar investimentos no Brasil e, para isso, decide adquirir empresas que já estejam bem estabelecidas em um determinado setor econômico do mercado brasileiro37.

Caso o grupo estrangeiro decida realizar a aquisição da sociedade localizada no Brasil, por meio de uma sociedade localizada no exterior e, nessa aquisição, pague valores que seriam considerados ágio por expectativa de rentabilidade futura pela lei brasileira, no momento em que a sociedade estrangeira incorporar a sociedade investida situada no Brasil, a sociedade estrangeira não poderia deduzir os valores de ágio pagos, uma vez que não está submetida à tributação no Brasil.

Para contornar esse impasse e possibilitar a dedução do ágio, uma possível alterativa encontrada pelo grupo econômico estrangeiro seria a constituição de uma nova sociedade holding, no Brasil, que seria a responsável pela a aquisição da sociedade alvo do investimento. A sociedade estrangeira poderia transmitir os recursos necessários à aquisição para a sociedade holding de diversas maneiras, tais como integralização de social ou mútuo.

Desse modo, havendo uma sociedade holding do grupo investidor no Brasil e ocorrendo a aquisição de participação societária, a sociedade investida poderia incorporar a holding, trazendo para dentro de si o ágio por expectativa de rentabilidade futura pago, cumprindo a previsão contida nos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Como consequência, a sociedade incorporadora poderia deduzir os valores de ágio no Brasil para reduzir a tributação incidente sobre os lucros operacionais que provavelmente teria que pagar nos anos seguintes. A situação descrita se trata da constituição de uma sociedade holding, entendida como sociedade veículo, para realizar a aquisição do investimento.

37 Caso Columbian Chemicals (Acórdão nº 9101-002.213 do CARF, de 03.02.2016); Caso Arcelormittal (Acórdão nº

Imagem retirada da apostila elaborada como material de apoio à matéria Tributação Direta das Pessoas Jurídicas, ministrada pelos Profs. Luís Eduardo Schoueri e Roberto Quiroga Mosquera na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2019. Pendente de publicação. Página 75

Partindo do mesmo exemplo no qual um grupo econômico estrangeiro tem a intenção de adquirir participação societária em uma sociedade brasileira, uma outra opção também pode ser considerada pelo grupo investidor para que fosse cumprida a absorção patrimonial determinada pela lei brasileira. O grupo econômico multinacional poderia, ao invés de constituir uma sociedade no Brasil para realizar a aquisição, realizar a aquisição por meio de uma de suas sociedades situadas no exterior com o mesmo pagamento de ágio, a ser registrado na escrita contábil dessa sociedade estrangeira. No entanto, para fazer com que esse ágio se tornasse dedutível no Brasil, o grupo econômico estrangeiro constituiria uma nova sociedade holding no Brasil, que teria o seu capital social integralizado com o investimento com ágio realizado pela sociedade domiciliada no exterior, havendo, dessa forma, a transferência do ágio registrado em uma sociedade estrangeira para a sociedade brasileira38. Note-se que a sociedade holding recentemente constituída no Brasil, nesse novo exemplo, não realizou a aquisição de investimento algum, mas apenas recebeu o investimento com o respectivo ágio da sociedade estrangeira.

Realizada essa transferência do investimento com ágio para a sociedade holding brasileira, a sociedade investida poderia incorporar a sociedade holding na qual passou a estar registrado o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura. Dessa maneira, a sociedade operacional brasileira, objeto do investimento traria para dentro de si o ágio e cumpriria, dessa maneira, a

38 Caso Johnson Controls (Acórdão nº 9101-002.183 do CARF, de 20.01.2016); Casos Santander I e II (Acórdãos nº

previsão dos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Esse segundo exemplo é o que normalmente se considera como constituição de uma sociedade holding, entendida como empresa-veículo, para a transferência de ágio.

Imagem retirada da apostila elaborada como material de apoio à matéria Tributação Direta das Pessoas Jurídicas, ministrada pelos Profs. Luís Eduardo Schoueri e Roberto Quiroga Mosquera na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2019. Pendente de publicação. Página 75.

Tanto no exemplo de empresa-veículo utilizada para a aquisição de investimento com ágio quanto no exemplo de empresa-veículo utilizada para a transferência de investimento com ágio, foram descritos cenários em que uma nova holding é constituída para que uma empresa ou um grupo econômico estrangeiro possa adquirir participação societária no Brasil e possa deduzir os valores de ágio decorrentes dessa aquisição, igualando-se ao tratamento que empresas brasileiras têm ao realizar o mesmo tipo de investimento. A respeito disso, é possível defender que esse tipo de estruturação é necessária para que um grupo econômico internacional possa competir de maneira igualitária com um grupo econômico nacional39, competição essa que se acentua em um cenário de leilão de privatização, na qual são comparados diferentes lances dados por diferentes investidores para adquirir a mesma empresa. Nesse caso, as implicações concorrenciais ficam claras quando se considera que, se o investidor estrangeiro puder deduzir o ágio por expectativa de rentabilidade futura quando adquirir uma empresa estatal, ele considerará a possibilidade de dar lances mais altos nos leilões públicos, uma vez que terá a expectativa de deduzir parte do valor pago na aquisição em um momento posterior. Para além das preocupações concorrenciais, também deve ser levado

em consideração que a permissão à dedução de valores de ágio por investidores estrangeiros é relevante para a atração de investimentos externos que possam aquecer a economia nacional.

Embora a constituição de uma sociedade holding no Brasil por um investidor estrangeiro possa ter implicações tributárias, também podem existir razões negociais para que a estruturação do investimento seja realizada dessa maneira. Talvez a maior delas seja a possibilidade de reduzir o risco cambial envolvido nessa aquisição transnacional, uma vez que, ao realizar os aportes na holding brasileira para que esta última realize o pagamento aos alienantes, ao invés de realizar os pagamentos diretamente do exterior a um número de alienantes que pode vir a ser grande, há um maior controle do fluxo internacional de recursos e, consequentemente, um maior controle das operações cambiais envolvidas na aquisição. Ainda, como outro exemplo de razão negocial, cita- se a maior facilidade de cumprir as inúmeras imposições burocráticas impostas para empreendimentos no Brasil, que tendem a ser menos onerosas para sociedades constituídas no Brasil em comparação às imposições para sociedades constituídos no exterior.

A utilização de empresas-veículo também pode vir a ser vantajosa para aquisições realizadas por grupos empresariais brasileiros, hipótese na qual também é possível uma estruturação de operações para que a empresa-veículo realize aquisição ou transferência do investimento com ágio.

No caso de investidores brasileiros, as razões para a utilização de empresas-veículo podem ser de ordem regulatória, a exemplo de empresas que atuam em setores altamente regulados e que não podem realizar a aquisição e posterior incorporação de sociedades de maneira direta, em razão da vedação exercida por órgãos reguladores tais como a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”). Como breve exemplo, um banco que adquirisse uma concessionária de energia elétrica não poderia incorporá-la em razão da vedação regulatória que sofre e, portanto, só poderia incorrer na hipótese prevista pelos arts. 7º e 8º se interpusesse uma empresa-veículo40.

40 SCHOUERI, Luís Eduardo; GALENDI JUNIOR, Ricardo André. As Vicissitudes do Tratamento do Ágio na

Jurisprudência Administrativa. In: DANTAS, José André Wanderley; ROSENBLATT, Paulo (orgs.). Direito Tributário: os 30 anos do Sistema Tributário Nacional na Constituição – Estudos em Homenagem a Ricardo Lobo Torres. Recife. Ed. dos Organizadores. 2018. p. 351.

Outra razão pela qual a utilização de uma empresas-veículo pode vir a ser necessária para um investidor deduzir o ágio, seja ele nacional ou estrangeiro, é a hipótese de uma empresa adquirir uma outra e não ser economicamente vantajoso uni-las por meio de incorporação ou fusão41, seja porque é vantajoso financeiramente manter a estrutura, o corpo administrativo e todo o risco que os negócios envolvem de maneira segregada, seja porque é mais interessante manter o posicionamento de diferentes marcas, vinculadas a diferentes empresas pertencentes a um mesmo grupo, de maneira separada no mercado perante o consumidor.

Com relação a essa última motivação, cite-se o exemplo de uma empresa que atua no ramo de vestuário de luxo. Na hipótese dessa empresa buscar expandir os seus negócios e realizar a aquisição de uma empresa do ramo vestuário voltada ao público de menor aquisitivo, caso a primeira empresa realize a incorporação da outra de modo a unir as duas, sofrerá impacto não apenas em toda a linha de produção dos dois empreendimentos, como também afetará seriamente a percepção que o consumidor comum tem sobre o produto que antes era pretensamente vendido como um produto de luxo, cuja estratégia de marketing provavelmente estava sedimentada em uma percepção de exclusividade que a primeira empresa transmitia. Nesse caso, unir os dois negócios de modo a permitir a dedução do ágio, embora possível, seria uma péssima ideia do ponto de vista estratégico do negócio. Assim, interpor uma empresa-veículo de modo a realizar a aquisição seria conveniente para permitir a dedução do ágio, gerando a mesma economia tributária que seria alcançada caso fosse realizada a aquisição e incorporação direta da sociedade investida, sem a utilização de qualquer sociedade intermediária.

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