• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I: As realidades encontradas na teoria e na prática

C) MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA: ARTES CÊNICAS

a) Companhia de Arte Intrusa21

A Companhia de Arte Intrusa se dá como continuidade de um processo desenvolvido ao longo dos últimos anos, por integrantes do Laboratório do Ator, de Campinas, SP.

O trabalho era uma investigação sobre os princípios da comunicação humana, que resultou no espetáculo "Ainda", estreado em 2005. Paralelo a esse processo, houve a encenação de uma outra peça, "Lautrec", envolvendo uma atriz com deficiência decorrente de má formação óssea congênita, com atrofiamento dos membros superiores e inferiores.

Tem por objetivos: a prática do teatro como um efetivo exercício de linguagem, calcado nas diferenças e nas condições próprias de cada participante e busca de alternativas artísticas, incentivando novos talentos e ocasionando a troca e o aprimoramento profissional. Sua principal característica é o envolvimento de atores com e sem deficiência que, conjuntamente, atuarão na criação e na produção teatral.22

19 Idem. Ibidem.

20 Idem. Ibidem.

21 Para fotos da Cia. de Arte Intrusa, visite o site do Laboratório do Ator: http://laboratoriodoator.tripod.com/id20.html, com link para a Companhia.

Em artigo publicado no jornal “Correio Popular” e disponibilizado no site do grupo, está explícito o posicionamento do diretor da Cia. De Arte Intrusa:

Diferentemente de uma prática puramente terapêutica ou pedagógica, a proposta é a busca de um procedimento artístico, que não considere as ditas deficiências como empecilho ou limitação, mas, ao contrário, perceba-as como matéria efetiva de criação teatral e experiência estética.23

Mostra-nos, então, o caráter artístico do trabalho desenvolvido, o que ainda se coloca na afirmação seguinte, presente no mesmo texto:

Obviamente, apenas o fato de ser diferente não garante um bom resultado artístico, nem confere automaticamente a qualidade de ator ou criador cênico a uma pessoa com deficiência. Mostra-se imperativo, mesmo neste caso, uma competência poética para a constituição da cena. Daí a importância de uma triagem, visando a seleção daqueles que se mostrem minimamente sensíveis à tarefa de expressão e criação, além de um estágio que os integre ao universo cênico e os leve ao seu entendimento considerando, é claro, as suas características e limitações.24

A partir deste excerto podemos notar os requisitos em que se baseia a seleção de atores do grupo, como uma competência poética para constituição da cena. Hoje, a Companhia de Arte Intrusa conta com uma equipe reduzida: do total dos integrantes atuais, 3 deles são deficientes. O grupo sustenta-se através da venda de ingressos em espetáculos, parcerias com universidades, entidades e organizações não governamentais para eventos específicos e conta com o apoio contínuo da Prefeitura de Campinas para o transporte adaptado de parte de seus integrantes.

b) Companhia Mix Menestréis25

Este grupo consiste em uma companhia de teatro cuja atividade, inicialmente, se desenvolvia dentro da Oficina dos Menestréis, como um curso para cadeirantes e deficientes visuais com posterior montagem de espetáculo. Em 2003, o diretor da Oficina dos Menestréis, se propôs a direcionar seu treinamento, em um curso específico e experimental, a um grupo de 20 cadeirantes, adaptando seus

23 TONEZZI, José A. P. “Intrusão Social pela Arte”, Correio Popular, Campinas, 23/11/2005. Disponível on-line através do site http://laboratoriodoator.tripod.com/id20.html, acessado em 23/10/2007.

24 TONEZZI, José A. P. “Intrusão Social pela Arte”, Correio Popular, Campinas, 23/11/2005. Disponível on-line através do site http://laboratoriodoator.tripod.com/id20.html, acessado em 23/10/2007.

25 Para fotos da Cia. Mix Menestréis, visite o site da Companhia: http://menestreis.campogeral.com.br, ou solicite o arquivo pessoal da pesquisadora.

exercícios. Como resultado do curso, eles apresentaram o espetáculo musical NOTURNO Cadeirantes. Esse projeto teve grande repercussão e aceitação do público, o que levou a Oficina a dar continuidade, unindo ao grupo, portadores de deficiências em geral, entre eles deficientes visuais, apresentado o espetáculo Good Morning São Paulo - Mixturéba em 2004 e 2005 e Vale Encantado em 2005 e 2006.

Atualmente, este grupo se constitui como Cia. Mix Menestréis, e já se apresentou nos seguintes locais: Teatro Dias Gomes (SP), Tom Brasil (SP), Teatro Gazeta (SP), SESC (São Carlos), Teatro Municipal de Indaiatuba (SP), Programa Educação Inclusiva - Instituto Paradigma (Sto. André/SP), XII Mostra Bauru de Arte sem barreiras (Bauru), Festival Brasileiro Além dos Limites (Brasília).

Segundo seu diretor, a Cia. Mix Menestréis trabalha por demanda ou ciclos. Se surge um convite para uma montagem, com parcerias ou patrocínios, eles se reúnem e trabalham. Os alunos pertencentes ao grupo continuam fazendo o treinamento na própria Oficina dos Menestréis, em turmas “normais”, e, quando há uma oportunidade, voltam a se reunir em torno de um projeto.

Sua intenção para o grupo de cadeirantes e deficientes visuais foi colocada em entrevista cedida à autora e segue abaixo:

Eu não sei nada sobre inclusão, eu nunca estudei nada sobre terapia, eu sei que tem profissionais gabaritadíssimos pra falarem disso, agora, eu sei muito de palco. Sei muito de palco, e sei que o palco é um instrumento que... É vida, né? Então, foi nesse sentido que eu parei, e falei: galera, eu só quero falar de palco. Eu estou falando por mim, entendeu? Eu não sei pelos outros grupos, mas a minha intenção foi única e exclusivamente palco. Eu não fiz isso por inclusão, eu não fiz isso por caridade, eu fiz isso por fissura artística. Eu acho, realmente, que a tal da cadeira ia ser uma chinfra no palco, fazer aquelas paradas rodar, girar. Foi mais por esse lado artístico... Eu até gosto de participar de movimento de inclusão. Participo quando posso, quando têm umas passeatas e eu posso estar lá com a galera, sempre estou. Mas não é o nosso objetivo. Eu até prestigio, mas não é essa a nossa função. A nossa função é única e exclusivamente a arte. E não tem problema se o cara é cadeirante, se o cara tem 78 anos, se o cara é deficiente visual. Teoricamente, mistura tudo. Foi aí que eu fiz, com essa intenção. Nunca pensei em outra coisa que não fosse arte. Eu só quero arte. Fazer arte. Eu só gosto de fazer arte.26

Em outro momento desta mesma entrevista, ele partilha que:

me sinto muito realizado com o trabalho, acho que ele tem uma característica artística muito, muito grande... E mesmo não querendo fixar o meu projeto numa inclusão, ele é um trabalho de inclusão. Eu sei disso. É uma maneira de nós, artistas, estarmos dando nossa contribuição, também pra esse lado social. E a Oficina não é diferente. Então, é uma maneira dela contribuir pra esse lado social. Não sei se você sabe, mas foi só por causa disso que eu dei esses 4 anos de graça. Eu nunca cobrei nada, entendeu? Eu sempre fiz questão de dizer que eu não cobrei, não por caridade, porque eu acho que ali todo mundo pode pagar... Tem gente

26 Entrevista concedida à autora no dia 16 de junho de 2007, no Teatro Dias Gomes (sede da Oficina dos Menestréis), em São Paulo-SP.

dirigindo, tem gente com seu carro, tem gente com poder aquisitivo muito melhor que muito andante por aí. Tem gente com trabalho e tem andante que não tem. Não foi por isso que eu não cobrei. Eu não cobrei porque eu queria dar uma contribuição. Porque eu acho que é um projeto social. Porque eu acho que nós temos mais coisas pra dizer que não meia dúzia de cena bonita. Porque isso só já é lindo, já me completa como artista. Mas, no caso dele, tem um encanto de essas 20 cenas bonitas, ainda por cima mexer na cabecinha de uma criança de 10 anos, que vai sair do espetáculo, vai sentar no colo dele e não vai ter nenhum tabu em sentar em uma cadeira [de rodas]. Isso, realmente, não dá pra esquecer. Apesar de não ser o objetivo, não dá pra deixar de levar em conta isso.27

Estas falas do diretor da Oficina dos Menestréis nos revelam um posicionamento bastante comum na realidade sobre a qual nos debruçamos: a de um líder de grupo de artistas deficientes – não sendo ele deficiente – que reconhece, mesmo que o objetivo do trabalho não seja este, que sua atividade tem uma função inclusiva. Este posicionamento será melhor discutido em capítulo seguinte. Nesta mesma entrevista, o diretor nos falou também da sustentabilidade da Oficina dos Menestréis, e da Cia. Mix Menestréis:

O que eu tenho, às vezes, são cotas de apoio, uma pequena cota, muito do, do ingresso, que a nossa casa é boa, e cada turma paga o seu horário. Então, eu tenho a turma que treina segunda-feira, cada aluno é responsável por aquela mensalidade, que, atualmente, tá de R$ 160,00. Uma mensalidade que você for pagar por mês na Oficina fica de R$ 160,00.28

Ele ainda completa a informação, dizendo que a Oficina tem uma média de 200 a 250 alunos. A seleção para a entrada de um novo ator na Companhia Mix Menestréis fica a cargo de seu diretor, como ele mesmo nos conta: “Eu faço uma avaliação da pessoa, vejo até que ponto ela está pronta pra entrar numa cena ou não (...).”29 E mais uma vez, os critérios para esta escolha nos parecem subjetivos, ficando a cargo do diretor do grupo.

27 Idem. Ibidem.

28 Idem. Ibidem. 29 Idem. Ibidem.