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Capítulo I: As realidades encontradas na teoria e na prática

B) MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA: DANÇA

a)

Grupo de dança sobre rodas Corpo em Movimento11

Com o objetivo de utilizar a dança como meio de integração do deficiente na sociedade, o Grupo de dança sobre rodas Corpo em Movimento foi criado em 1998, na Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos (Andef), sob iniciativa de sua diretora, uma senhora com deficiência física. Na formação inicial do grupo, o renomado bailarino carioca Carlinhos de Jesus aliou-se aos interessados e desenvolveu uma série de coreografias com os dançarinos com deficiência e com os andantes a fim de participarem de competições de dança de salão adaptada.

Nesses nove anos de existência, o grupo Corpo em Movimento já realizou mais de 500 apresentações no Brasil e no exterior. As coreografias são ecléticas, e passam por: Tango, Valsa, Forró, Capoeira, Funk, Axé, e Samba.

Composto por seis integrantes cadeirantes, uma amputada e três andantes, além de suas duas coreógrafas, o grupo tem por objetivo atualmente:

A proposição de uma imagem diferente do portador de deficiência física, que permita um redimensionamento social dos seus próprios corpos. O grupo tem papel fundamental na política da ANDEF de conscientização social sobre a potencialidade da pessoa portadora de deficiência, contribuindo de forma eficaz para a quebra de estigmas. Ao mesmo tempo, sua composição mista sugere uma reflexão sobre os caminhos de inclusão deste segmento, para que a sociedade de um modo geral possa respeitar as diferenças, desfrutando de toda arte mostrada pelos dançarinos do grupo com ritmo, suavidade, beleza e plasticidade. 12

Vê-se, através deste texto, que os objetivos de superação de limites e inclusão são as diretrizes da atividade.

Os integrantes do grupo foram todos convidados pelas suas coordenadoras e coreógrafas, a partir de um possível interesse que esta atividade poderia lhes despertar.13

11 Para fotos do grupo Corpo em Movimento, acesse o site: www.andef.org.br (com link para o grupo) ou solicite o arquivo pessoal da pesquisadora.

12 Informação contida no site: www.andef.org.br/grupodedanca , acessado em 24 de outubro de 2007. 13 Cf. Entrevista concedida à autora no dia 11 de agosto de 2007, na ANDEF – Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (sede do grupo Corpo em Movimento), em Niterói – RJ.

Segundo a coordenadora do Corpo em Movimento e funcionária da ANDEF, sobre o financiamento desta instituição e das atividades abarcadas por ela:

A ANDEF se sustenta dos convênios, não recebe ajuda do Estado e não temos patrocínio. Existe sim, o pagamento de mensalidades, que é do projeto ‘Construindo Cidadania’ para a comunidade ‘dita normal’ que cobramos o valor de R$ 10,00. Este valor, na verdade, não cobre nem o custo que temos com profissionais e com a manutenção, mas alcançamos atingir nossa missão que é: Superar as expectativas da sociedade em relação às pessoas com deficiência através da excelência da qualidade das ações inovadoras que desenvolvemos. Ah, alugamos o campo de futebol, o ginásio, a piscina e o restaurante para festas, isso também gera uma renda.14

E, novamente, aparece a questão da superação de limitações, a fim de se provar a capacidade da pessoa com deficiência, presente em muitos dos discursos encontrados.

Veremos a seguir que a ANDEF é uma associação de atendimento ao público com deficiência, e tem uma maior atenção voltada ao esporte, abrigando, inclusive, treinos de seleções paraolímpicas de diversas modalidades.

b) Associação de Balé e Artes para Cegos Fernanda Bianchini15

A Associação de Balé e Artes para Cegos inclui em suas atividades um corpo de balé de meninas cegas – o único de que se têm notícias em âmbito mundial que, segundo a própria diretora nos relatou em entrevista:

(...) começou há 12 anos atrás, tendo iniciado no Instituto de Cegos Padre Chico, no Ipiranga, que era uma instituição da qual meus pais e eu éramos voluntários e as meninas estudavam lá. E aí, uma das irmãs perguntou se era possível cego dançar balé clássico, e eu era bailarina desde pequenininha, desde novinha. E eu, com quinze anos de idade falei que eu não sabia, né? Porque eu nunca tinha sido professora, dado aula... Pra mim, professora tinha que saber muito pra poder ensinar. E foi aí, então, que o meu pai falou: ‘filha, nunca fala não pra um desafio, pois são sempre destes que partem os maiores ensinamentos para as nossas vidas’. E essas palavras entraram, mesmo, na minha vida, no meu coração, e eu comecei a ensinar essas meninas, voluntariamente. Sou voluntária até hoje. O trabalho foi crescendo, foi se desenvolvendo; depois de 8 anos dentro do Instituto, foi fundada a Associação de Balé e Artes para Cegos Fernanda Bianchini, tanto é que agora ela já vai fazer 4 anos, com objetivos mais amplos. Além do balé clássico profissionalizante, também, outras atividades, tai chi chuan; dança, sincronismo e expressão; dança de salão, outras atividades. E lá no Instituto só

14 Informação obtida através de questionário enviado por e-mail à coordenadora do grupo, e respondido na caixa de e-mails da pesquisadora, em 11/09/2007.

podia fazer aula quem era do Instituto. Aqui, a gente abriu a oportunidade pra crianças de diversos institutos diferentes. 16

A seleção das primeiras meninas a integrarem o grupo foi feita pelas freiras do Instituto de Cegos Padre Chico, que abrigaram as atividades do balé originalmente. Este procedimento inicial é relatado por uma de nossas entrevistadas, que nos diz que: “(...) as irmãs escolheram 6 alunas pra estar começando o balé. E eu fui escolhida entre as 6.”17 Como podemos perceber, não há nenhuma razão explícita para tal escolha. Apenas, a vontade de cada menina, como nos fala uma outra bailarina:

Eu vi as meninas fazendo, porque elas entraram primeiro que eu, uns meses antes, e eu vi elas fazendo movimento nas horas vagas, fazendo os passos... Aí eu falei: ‘Nossa, que legal! Também quero entrar. Muito diferente.’ Aí, as irmãs me colocaram no balé também.18

A Associação se sustenta através de patrocinadores, colaborações em boletos (pessoas físicas), e através de patrocínios de empresas obtidos através da Lei Rouanet. Há também a possibilidade de cachês recebidos pelas bailarinas em algumas apresentações. Eles são divididos da seguinte forma: para o grupo profissional o cachê, por apresentação, é de R$ 100. As bailarinas do segundo grupo recebem R$ 75. Seguidas dos dois últimos conjuntos, que recebem R$ 50 e R$ 25, respectivamente. Uma porcentagem referente a estes cachês fica para a própria Associação.

Além do pagamento pelas apresentações, as bailarinas profissionais da Associação ainda recebem cesta básica, têm plano de saúde e odontológico, e seus figurinos são todos produzidos por conta da instituição. Elas também são professoras de balé de alunas mais novas e recebem por esse trabalho.

Vale ressaltar que a Associação de Balé e Artes para Cegos Fernanda Bianchini tem em seu quadro de professores, com exceção das bailarinas cegas, somente voluntários. Isso está ligado à concepção de trabalho com pessoas com deficiência, que a própria diretora da associação expressou quando nos revelou sua experiência de vida:

Enquanto minhas amigas todas estavam preocupadas em ir pro shopping, fazer compras, eu sou uma menina de classe média-alta, entendeu? Então, assim, eu não... Não precisava de nada disso. Mas eu sempre fui muito envolvida. Desde quando eu era criança. Minha mãe fala que quando eu ganhava uma boneca eu falava: ‘Mamãe, eu tenho que dar a mais velhinha, pra quem, tá lá na creche’. Aí, eu ia levar... Porque eu sempre tive esse lado. (...) Não sabia que tudo isso ia acontecer. Eu fiz por amor. E a coisa deu muito certo. Mas eu acho

16 Entrevista concedida à autora no dia 15 de junho de 2007, na sede da Associação de Balé e Artes para Cegos Fernanda Bianchini, em São Paulo-SP.

17 Idem. Ibidem. 18 Idem. Ibidem.

que só deu tudo muito certo porque eu fiz com muito amor. Sem pensar em nada em troca, sem pensar no salário que eu ia ganhar com isso, entendeu? E eu acho que, se um dia me falassem assim: ‘ah, quer ganhar quanto?’, eu acho que não ia ter mais o mesmo valor pra mim, entendeu? Porque, assim, eu sou muito realizada profissionalmente, sou realizada em tudo. Aqui é o meu trabalho de doação.19

A mensagem de auxílio ao próximo revelada nesta fala é, muitas vezes, complementada pela idéia de superação que os próprios integrantes com deficiência colocam em seu trabalho, como podemos notar na fala de uma das bailarinas desta Associação:

(...) com as apresentações, muitas pessoas ficam felizes... Tomam a gente como lição de vida. Tomam a gente pra poder falar: ‘nossa, ela não enxerga e pode fazer, então, eu também posso, apesar das minhas limitações’. Não precisa, ser visual, física, a deficiência, a limitação. Mas, cada um tem uma limitação diferente, então, apesar dessas limitações, as pessoas podem fazer as coisas, então, tomam a gente como exemplo.20