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Capítulo I: As realidades encontradas na teoria e na prática

CAPÍTULO 4: Da inclusão social e cultural

A) Relação com a Família

Como prioritário para a construção do indivíduo culto, temos o papel da Família. Porém, para a maioria dos integrantes com deficiência por nós entrevistados, o convívio familiar não promoveu uma vivência cultural sólida.

a) Integrantes que não recebem o apoio, nem a influência da Família

Quando questionados sobre a influência ou o apoio da família na escolha de fazer parte de seu atual grupo, por exemplo, ou se havia algum familiar que realizava atividade ligada ao campo artístico, muitos dos membros dos grupos deram resposta negativa a ambas as perguntas. Uma bailarina da Associação de Balé e Artes Fernanda Bianchini é exemplo desta situação, seguida por um integrante do SURDODUM e dois da Cia. de Arte Intrusa, sendo que o último caso guarda uma especificidade. A atriz da companhia aborda sua dificuldade em conseguir apoio da família na atividade artística que ela já realizava quando criança, devido a questões religiosas. É lhe dada a oportunidade de adentrar a esfera das artes, porém, quando isso fere os princípios religiosos assumidos pela família, passa a ser negado. “Tudo que era lúdico era proibido. Estudei piano, mas era para acompanhar, na igreja, os cantos. Quando minha professora disse que eu estava indo tão bem que poderia entrar no conservatório, meus pais brecaram, porque para eles era o inferno.”127

126 Para uma visão geral das relações de apoio e influência no âmbito artístico-cultural dos integrantes dos grupos com deficiência, consulte a TABELA 6, nos ANEXOS.

127 Entrevista concedida à autora no dia 21 de setembro de 2007, no Espaço Tugudum (sede da Cia. de Arte Intrusa), em Campinas-SP.

Em outros exemplos, não há nem a influência e nem o apoio da família para a realização de uma atividade artística por parte do integrante com deficiência.

b) Integrantes que recebem o apoio, mesmo sem terem sido influenciados pela Família

Nestes casos não há ninguém ligado ao universo artístico na família, portanto, a influência cultural do ambiente familiar para o integrante com deficiência é praticamente nula, chegando ao ponto de os familiares duvidarem inicialmente da capacidade artística do deficiente, como no exemplo de alguns membros do SURDODUM. Relembramos um trecho dos depoimentos que dá suporte para esta interpretação, em que a família duvida que o rapaz surdo possa tocar.128

Em outros casos, a família acompanha desde o início do desenvolvimento artístico da pessoa com deficiência, mesmo sem haver ninguém antes dela ligado ao mundo das artes. Citamos as experiências de dois integrantes do grupo Corpo em Movimento, três do Artes Táteis, duas das bailarinas da Associação de Balé e Artes para Cegos Fernanda Bianchini e dois membros da Companhia Mix Menestréis.

Todos os depoimentos dos integrantes acima citados são bastante similares, demonstrando o apoio da família, sempre presente em apresentações, elogiando-as, por exemplo. Este acompanhamento pode ser resumido através da fala de um integrante do Corpo em Movimento:

Sempre elogiam. Até mesmo por eu ter vencido o preconceito comigo mesma. Pra quem dizia que nunca ia dançar, eles até mesmo brigavam ‘vamos dançar um pouquinho’, quando passava alguma coisa na televisão, de dança. Uma música no rádio. Começavam a dançar do meu lado e ‘vamos dançar’. ‘Parabéns por você ter vencido este preconceito com você mesmo. Por você estar tentando vencer essa timidez. E está fazendo um trabalho lindo, também.’129

Desta forma, a família reconhece o salto qualitativo da pessoa, através da dança, neste caso.

c) Integrantes que receberam a influência da família

128 Ver depoimento na página 71.

129 Entrevista concedida à autora no dia 11 de agosto de 2007, na ANDEF – Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (sede do grupo Corpo em Movimento), em Niterói – RJ

Este tópico engloba integrantes dos grupos que tiveram alguém na família que já contava com uma experiência no campo artístico, mesmo que não fosse na manifestação artística na qual o deficiente se insere hoje.

No caso de membros que tinham familiares ligados à mesma arte que eles, podemos citar o pintor da Associação dos Pintores com a Boca e com os Pés, que reconhece em sua mãe a sua influência artística.

[Ela] tinha a arte de desenhar, sabe? Ela desenhava pra bordar, fazer os bordadinhos dela, ela mesma desenhava. Eu acho que tendi a puxar por ela. Ela me incentivou, sabe? Mamãe, ela nunca foi assim de deixar eu colocar uns quadros na parede. Isso aí é o gosto, né? De deixar as paredes limpas na casa. Mas eu sempre tive minhas obras espalhadas dentro do meu canto, no meu lugar.130

Percebe-se que, além de cumprir com o papel da influência, ela também apoiava as iniciativas artísticas do filho. O mesmo também aconteceu no caso de um membro da Cia. de Arte Intrusa, que relatou que sua mãe “já fazia teatro desde criança. Aí teve o maior apoio através dela, de coisas que eu pretendia fazer.”131 Essas ações (de influência e apoio) se repetem no caso de um integrante do grupo Corpo em Movimento. Sua irmã, que fez curso de dança o incentivou.

Pudemos notar a presença de integrantes cujos familiares participavam de outras manifestações artísticas ou ligavam-se a elas de uma outra maneira, que não aquela estabelecida pelos membros dos grupos. Aqui, temos o caso de um integrante da Cia. Mix Menestréis, que afirma: “[o pai] era da bateria de escola de samba. Mas há muito tempo que ele não exerce. Isso eu era pequeno. Talvez, sim, tenha uma influência direta ou talvez genética, não sei Mas mais a música, teatro não.”132

Já uma das integrantes do grupo Corpo em Movimento tem em sua família pessoas ligadas a arte, mas não atribui tal influência à sua atividade atual. Sobre isso, ela explica:

A minha família é uma família de artistas. Todo mundo muito ligado nessa coisa de artes, cultura, mas sempre atrás dos palcos. Eu tinha 17 anos e eu trabalhava como assistente de produção, sempre esta coisa de show. Mas, sempre atrás dos palcos. Não, eu não tenho ninguém na minha família que me estimulasse a estar fazendo estas coisas.133

130 Entrevista concedida à autora no dia 16 de junho de 2007, no ateliê de um dos membros da Associação dos Pintores com a Boca e com os Pés em São Paulo-SP.

131 Entrevista concedida à autora no dia 11 de outubro de 2007, no Espaço Tugudum (sede da Cia. de Arte Intrusa), em Campinas-SP.

132 Entrevista concedida à autora no dia 07 de setembro de 2007, no estúdio do grupo SURDODUM no Porão do Rock, em Brasília - DF.

133 Entrevista concedida à autora no dia 11 de agosto de 2007, na ANDEF – Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (sede do grupo Corpo em Movimento), em Niterói – RJ.

Por fim, temos o caso das Ceguinhas de Campina Grande, que tiveram sempre o incentivo (mais como uma obrigação) do pai para aprenderem a cantar e tocar ganzá, já que ele tocava realejo para acompanhar as filhas a pedir esmolas pelas ruas. Depois de seu falecimento, elas continuaram nesta atividade obrigadas pela mãe e pelo padrasto. A figura do pai era mais como de alguém que as obrigava do que de alguém que as influenciava ou apoiava no campo musical.

Assim, observamos as diferentes formas que os artistas com deficiência se relacionam com suas famílias no âmbito cultural ou artístico. Há situações de apoio, presença de familiares ligados às artes, e também a inexistência de vivência artística dentro de casa e do incentivo. E ainda, a arte mostrada como algo obrigatório na vida do deficiente (visual, no caso), como forma de mendicância. De modo geral, o panorama abordado nos remete à falta de demanda artística das famílias de onde vêm os membros dos grupos, com raras exceções. Este fato será relevante ao analisarmos a importância da participação em um grupo artístico para o envolvimento deste membro com deficiência com o ambiente da arte. Neste sentido, sua experiência escolar, também será relevante, segundo Bourdieu.