II. REFLEXÃO CRISTOLÓGICA: O SER HUMANO CRIADO E RECRIADO
1. Algumas considerações sobre a Unidade Letiva 2: «Jesus, um homem para os outros»
1.5. Manifestações e consequências da ressurreição de Jesus
O Manual do 6º ano sai um pouco do Programa e dedica duas páginas às tradições da
Páscoa
220. Depois continua, já dentro do Programa, com as consequências da ressurreição de
Jesus Cristo para a nossa vida: o compromisso, a atitude de dar a vida, a procura da felicidade
alheia, o respeito pela natureza, etc.
221São muitas e muito profundas as consequências da ressurreição de Jesus Cristo. Todas
elas devem ser contrastadas com o critério da cruz. Moltmann expressa claramente esta ideia,
ainda que precise de algumas matizações:
«Não é a sua “ressurreição” que constitui uma dimensão da morte de cruz, mas antes ao
contrário, e a sua entrega na cruz para a reconciliação do mundo que representa a
dimensão imanente do seu ressurgimento escatológico para a glória do reino futuro»
222.
A partir da ressurreição, depois de ter passado pela cruz, a entrega de Jesus tem maior
sentido. Vê-se claramente que a entrega de Jesus foi intencional. Fez-se servo (cf. Fl 2,7) para
nos converter em senhores livres de tudo. Isto faz parte da salvação. A salvação diz respeito,
antes de nada, às relações com Deus e com os irmãos: quando são autênticas, verdadeiras,
218 J.I.GONZÁLEZ FAUS, La Humanidad Nueva. …, p.162. 219 Ibidem, p.163.
220Cf. S.N.E.C., Estou contigo!..., pp. 74-75. 221Cf. Ibidem, pp. 76-79.
livres, cheias de vida, nunca será uma conquista, mas um dom, uma graça
223.A salvação de
Jesus Cristo envolve um restabelecimento destas relações.
A salvação requer reconciliação e justificação. São conceitos muito próximos, mas não
são exatamente o mesmo
224. Contudo, é possível explicar um a partir do outro. A valiosíssima
Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação de 1999 expressa claramente a diferença
e a relação entre ambas.
«Justificação é perdão dos pecados (cf. Rm 3,23-25; At 13,39; Lc 18,14), libertação do
poder dominante do pecado e da morte (cf. Rm 5,12-21) e da maldição da lei (cf. Gl 3,10-
14). Ela significa acolhida na comunhão com Deus, já agora, mas de forma plena no reino
vindouro de Deus (cf. Rm 5,1s.). Une com Cristo e sua morte e ressurreição (cf. Rm 6,5).
Acontece no recebimento do Espírito Santo no batismo como incorporação no corpo uno
(cf. Rm 8,1s., 9s.; 1Cor 12,12s.). Tudo isso provém somente de Deus, por amor de Cristo,
por graça, pela fé no "evangelho de Deus com respeito a seu Filho" (cf. Rm 1,1-3)»
225.
A justificação per se não é uma transformação moral da pessoa, mas é fruto da Aliança de
Deus com o seu povo em virtude da promessa e tem consequências escatológicas. Mas, acima
de tudo, a justificação tem que ver, sem dúvida, com Jesus Cristo. Ele é quem justifica
226e
justifica não apenas um indivíduo isolado, mas uma comunidade e, devido à vontade de Deus,
estende-se ao mundo inteiro
227. Deus oferece a todos a justificação livremente, mas nem
todos a aceitam. A justificação abre as portas para da salvação, mas alguns rejeitam-na. Ora
ninguém é salvo por outra via que não seja a justificação. A salvação é apresentada a todos,
por isso se afirma que Cristo morreu por todos, mas nem todos a aceitam, ainda que sejam
muitos os que a acolhem e ficam salvos. Todos eles aproveitam a morte e ressurreição de
Jesus: estes muitos são salvos e por eles morreu Jesus. Neste sentido se afirma que Cristo
morreu por muitos
228.
A justificação é, claramente, uma das consequências da ressurreição. Sem ela não é
possível compreender o projeto de Deus na História da Salvação. Há ainda outras
consequências da ressurreição. Uma delas é a nova criação.
Desde que o ser humano existe, há uma interação entre ele e o mundo que o rodeia.
A natureza não é um cenário imutável no qual se desenvolve a história da humanidade. «Assim
como participou na geração, no nascimento e no desenvolvimento do Homem, assim também
participará na sua consumação»
229. A Sagrada Escritura refere esta interação em muitas
passagens, a começar pelos relatos da criação dos capítulos 1 e 2 do Génesis.
223 Cf. J.AUER, Curso de Teología Domática. Tomo V. El Evangelio de la gracia, Editorial Herder, Barcelona 1990,
pp. 123-127.
224 Cf. N.T.WRIGHT, Justification. God’s plan and Paul’s vision, Intervarsity, Downers Grove – Illinois 2009, p.225. 225CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS, Declaração conjunta sobre a doutrina da
justificação,http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_d oc_31101999_cath-luth-joint-declaration_po.html, consultado a 30-06-2017.
226 Cf. N.T.WRIGHT, Justification…, pp.213-216. 227 Cf. Ibidem, p. 248.
228 Cf. BENTO XVI, Carta ao presidente da Conferência Episcopal Alemã sobre a tradução das palavras «pro
multis», Vaticano 14-04-2012 , http://w2.vatican.va/content/benedict-
xvi/pt/letters/2012/documents/hf_ben-xvi_let_20120414_zollitsch.html, consultado a 21-09-2017