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Síntese e conclusão da reflexão teológica

II. REFLEXÃO CRISTOLÓGICA: O SER HUMANO CRIADO E RECRIADO

3. Síntese e conclusão da reflexão teológica

A Unidade Letiva 2 da E.M.R.C.do 6º ano da escolaridade explica a pessoa e a obra de

Jesus Cristo em cinco passos perfeitamente articulados entre si e apresenta conteúdos básicos

de forte potencial explicativo: 1º Jesus, o Messias esperado por Israel marca a História e a

arte; 2º a mensagem de Jesus; 3º a prisão, condenação e morte de Jesus, confronto com o

poder do seu tempo e realização da sua missão, 4º a ressurreição de Jesus como vitória sobre

o mal e confirmação da sua mensagem; 5º manifestações e consequências da ressurreição de

Jesus.

Nesta sequência falta qualquer uma referência à pergunta, por outro lado frequente

nas crianças: por que morreu Jesus? No sentido de: que motivos teve para se entregar à

morte?

A resposta sempre foi clara: Jesus veio para nos salvar. Esta resposta salvaguarda a

universalidade da salvação de Jesus Cristo e pode ser desenvolvida de diferentes formas. A

partir de santo Agostinho, o desenvolvimento da questão foi realizado direta ou

indiretamente sobre os moldes da teoria do pecado original. A expressão «pecado original»

nasceu para salvaguardar a universalidade da salvação, mas pode levar a interpretações

erradas. Contudo, o que se significa como pecado original não é, de facto, um pecado, mas

não deixa de ser uma realidade.

Qualquer outra explicação da necessidade universal da redenção precisa de analisar os

textos bíblicos que deram suporte à teoria do pecado original (cf. Gn 2,25-2,23; Rm 5,12-21)

e que lidos em conjunto manifestam a universalidade da ação de Jesus Cristo. Necessita

também de refletir sobre a realidade do ser humano. Só assim poderá melhorar a sua

compreensão da ação de Jesus Cristo: as suas consequências e a sua oportunidade.

A reflexão que aqui se propõe parte da afirmação de que Deus criou o ser humano

dinâmico, radicalmente aberto à relação com os outros e à realização de si mesmo. Esta

abertura habilita incluso à relação com Deus. A própria ciência ensina que o crescimento da

criança envolve não apenas a dimensão física, mas também todas as suas outras qualidades,

de maneira que o ambiente no qual a pessoa cresce marca profundamente o seu

344 O evangelho segundo são João identifica a vida e a vida eterna com Jesus Cristo e com a sua graça: Jo 14,6;

desenvolvimento pessoal. Neste sentido pode se perceber o sentido da expressão pecado

estrutural, assim como a conveniência da manifestação do Messias na altura adequada, na

plenitude dos tempos.

Os estudos referenciados nas páginas anteriores permitem perceber que, ainda que

igualmente dotados de alma e liberdade, o que poderia definir a humanidade das pessoas em

tempos passados não é exatamente igual do que nos define hoje como humanos. Nos dias de

hoje, a escravidão é uma situação desumana; nos tempos dos primeiros cristãos foi assumida

e integrada na mesma experiência de fraternidade cristã.

Quando o desenvolvimento dinâmico da humanidade alcançou o momento certo para

a encarnação, a «plenitude do tempo» (Gál 4,4), esta aconteceu. Jesus Cristo é a plena

realização da condição humana, a completitude da abertura da condição humana apenas

possível na comunhão com os outros e com Deus através de Jesus Cristo (cf. Ef 4,11-13).

A vida, a mensagem, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo estabelecem a plena

realização da vontade de Deus na História, que é amor, e abre de novo o horizonte de

realização pessoal até à plena comunhão com Deus. A vida, a paixão, a morte e a ressurreição

de Jesus Cristo são a plena comunhão de Deus que assume a nossa condição humana frágil,

dependente, mortal, mas capaz de ultrapassar todo o mal pelo amor e a plena comunhão

trinitária.

Jesus Cristo é a resposta à radical abertura do ser humana, uma resposta definitiva e

para todo o sempre, cujo efeito atinge a todos os tempos, posteriores e anteriores. A

universalidade da salvação de Jesus Cristo não seria tal se assim não fosse.

Neste contexto, a realidade designada pela expressão «pecado original»

corresponderia à incompletude da realidade humana implícita na sua radical abertura à

comunhão. O ser humano está criado para a comunhão. Se ficar fechado em si mesmo nunca

desenvolverá a sua condição genuinamente humana, mas se abrir aos outros, encontrará o

seu desenvolvimento; e se se abrir a Deus, encontrará a sua plenitude. Esta plenitude é

possível graças a Jesus Cristo. Neste sentido, podemos repetir com santo Agostinho: Deus

«não contou com o interessado para o criar, conta com ele para o salvar»

345

.

A condena do ser humano provém da tentação de se achar autossuficiente, sem

necessidade de se abrir à verdadeira comunhão.

Afinal, a melhor resposta para a questão sobre os motivos de Jesus para aceitar a sua

paixão e morte (cf. Mt 26,38-44; Mc 14,36; Lc 22,41-44) continua a ser aquela que sempre foi

dada: o amor misericordioso de Deus. O Papa Francisco sintetiza num breve texto os motivos

que Deus tem para nos oferecer a vida em plenitude:

«[…] a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de

proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A

caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria

igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco»

346

.

Este amor faz com que uma das consequências de aceitar Jesus Cristo, da abertura á

comunhão com Deus, é a necessidade de viver a comunhão com os irmãos, de sair ao encontro

das necessidades dos outros. O compromisso com os outros, a solidariedade, a alegria

partilhada, são consequências do encontro com Deus plenamente manifestado em Jesus

Cristo.

As considerações expostas são no seu conjunto excessivamente complexas para os alunos

do 6º ano da escolaridade obrigatória. No entanto, são o suporte teórico da proposta

pedagógica que se apresenta a seguir e sem elas careceria da devida coerência cristológica e

pedagógica necessárias para poder ser integrada no programa da disciplina da E.M.R.C.

346Cf. FRANCISCO, Mensagem para a Quaresma 2014: Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza(cf. 2

Cor 8, 9), Vaticano 26-12-2013,http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/lent/documents/papa- francesco_20131226_messaggio-quaresima2014.html (consultado a 21-09-2017).