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ana Paula do nascimento1

introdução

Através da intertextualidade com o Evangelho de Lucas, o qual diz que “a boca fala daquilo que o coração está cheio”, pretende-se investigar a gênese emocional. Ao longo do texto a seguir pretende-se desmistificar o senso comum que vincula emoção e coração, deslocando o “recanto” das emoções para o encéfalo.

A fim de que se possa elucidar a gênese emocional por meio de mecanismos neurobiológicos, serão primeiro avaliadas as emoções pri-márias, que são inatas, seguidas pelas secundárias, que seriam de alguma forma adquiridas. Há também de se avaliar o histórico das pesquisas neu-robiológicas, o qual se dará pela descrição das teorias emocionais.

Como as emoções escolhidas para este estudo são a raiva, o medo e o prazer, há uma descrição de como estas se desenvolvem, bem como a posterior análise dos mecanismos neurobiológicos envolvidos no processa-mento do estímulo emocional e a devida resposta fisiológica, orquestrados pelos sistemas límbico e nervoso autônomo (SNA), respectivamente.

¹ Ex-aluna do Curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado ao Ensino Médio, com habilitação em Análises Clínicas (2008-2010). No presente momento, atua como bolsista do projeto Saúde, Trabalho e Iniciação Científica de Técnicos de Nível Médio em Saúde. No trabalho de construção de sua monografia de conclusão de curso, contou com a orientação do professor-pesquisador Daniel Souza Santos (graduado em Ciências Biológicas), do Laboratório de Educação Profissional em Técnicas Laboratoriais de Saúde (Latec) Contato: ananascimento@fiocruz.br.

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as EmoçÕEs

“Emoções são conjuntos complexos de reações químicas e neu-rais, formando um padrão; todas as emoções têm algum tipo de papel regulador a desempenhar, auxiliando o organismo a conservar a vida” (DAMÁSIO, 2000, p. 105).

Biologicamente, razão e emoção são conceitos impossíveis de serem definidos. No entanto, é possível elaborar definições operacionais que as conceituam como “operações mentais acompanhadas de experiências ante-riores características, capazes de orientar o comportamento e realizar ajus-tes necessários” (LENT, 2005, p. 653). Contudo, é necessário desmistificar a questão que conceitua emoção e razão, bem como o funcionamento das mais diversas partes do cérebro humano como operações e mecanismos independentes, uma vez que “emoção, sentimento e regulação biológica desempenham um papel na razão humana” (DAMÁSIO, 1996, p. 13).

Emoção e razão são distinguidas pelo fato que “a expressão da pri-meira quase se confunde com suas manifestações fisiológicas, enquanto o exercício da razão não é acompanhado de uma repercussão orgânica observável” (LENT, 2005, p. 653).

A filosofia define razão como a faculdade atribuída ao ser humano, que o distingue dos demais animais. Tal faculdade promove a capacidade de alcançar o conhecimento do universal e necessário, não promovendo, obrigatoriamente, um conhecimento universal. Já a definição de emoção está relacionada à ideia de paixão, como a acepção de um afeto. A pai-xão estaria acompanhada de uma agitação da alma, da mente do indi-víduo, configurando emoção como algo que não se restringe apenas às manifestações corporais (MORA, 2004).

Por essa lógica, pode-se afirmar que a alma se manifesta através do corpo, e sentimentos, como o sofrimento, cujo início se dê no corpo ou numa imagem mental, serão perceptíveis no corpo (DAMÁSIO, 1996). Deve ficar claro que a perspectiva de alma citada acima e ao longo desta introdução não trata daquela empregada pelas religiões, e sim como o ser e o princípio de todos os seres, a substancia não material e não sensível, porém essencial ao corpo (MORA, 2004).

Pode-se afirmar que há uma convergência de sentido entre alma e mente humana. A mente humana é um contínuo do qual razão e emoção fazem parte. Tal contínuo é demasiadamente relevante na tomada de de-cisões, no planejamento do futuro e no comportamento social. Segundo Damásio (2000), as ações acima referidas necessitam de uma intensa inte-gração dos componentes emocionais e racionais. Uma vez que haja déficit em algum destes componentes, tais ações estarão comprometidas.

Exemplo do citado acima é o caso de Phineas Gage, que teve seu córtex frontal perfurado e atravessado por uma barra de ferro enquan-to preparava uma explosão para abrir caminho a uma estrada de ferro em Vermont, nos Estados Unidos. A barra de ferro perfurou a bochecha saindo no topo do crânio, o que levou Gage a perder a consciência e ter convulsões; apesar disso, ele não apresentou perdas nas funções moto-ras, somáticas, sensoriais ou intelectuais, mas apresentava sérios danos na tomada de decisões, uma vez que a barra de ferro atingiu o lobo frontal cerebral, reconhecido como uma importante zona de caráter emocional (DAMÁSIO, 1996; LENT, 2005).

Ilustração 1 – Crânio que representa a lesão sofrida por Phineas Gage. Fonte: SABBATINI, 1997.

O comportamento emocional do indivíduo é crucial para sua sobre-vivência, para a de sua espécie e para sua comunicação social. A agressão

54 Iniciação Científica na Educação Profissional em Saúde: articulando trabalho, ciência e cultura - vol. 7 do predador e o medo da presa promovem a ativação dos mecanismos que possibilitam a luta e a fuga, exemplificando a garantia da sobrevi-vência do individuo pelo comportamento emocional. O comportamento sexual, nos humanos, adquire um caráter mais relevante que mera forma de perpetuação da espécie, diferente dos demais animais, sendo visua-lizado como uma expressão emocional, que pode mesclar amor e pra-zer. A comunicação social é outro quesito que distingue o comportamento emocional de homens e animais, uma vez que humanos tecem vínculos emocionais que excedem a mera comunicação pautada na busca pela sobrevivência, observada nos animais (DAMÁSIO, 1996; LENT, 2005).

Retomando o já citado caso de Phineas Gage, pode-se fazer uma associação entre sua lesão no lobo frontal e seu déficit na tomada de decisões, que é acompanhada de um comportamento social deturpado. Como a comunicação social é regida por processos emocionais, os quais estavam comprometidos devido ao dano no lobo frontal, Gage estava impedido de executar sua sociabilidade, fato que comprometeu seu futuro profissional, uma vez que apresentava certa insubordinação e inapetência a determinadas tarefas (DAMÁSIO, 1996; LENT, 2005).