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Enquadramento conceptual

1. Enquadramento conceptual da problemática do circuito do medicamento

1.2 Comércio paralelo

1.2.3 Manutenção da integridade da cadeia de distribuição

A cadeia de distribuição dos medicamentos, desde o fabricante até ao doente, é uma componente crucial dos cuidados saúde. Os medicamentos são bens perecíveis e alteráveis e a sua distribuição requer um elevado nível de cuidados no que respeita à conservação da sua qualidade, segurança e eficácia.

O objectivo visado é que os doentes recebam a medicação que lhes foi prescrita precisamente e prontamente, em perfeitas condições e com as instruções apropriadas. O complexo sistema que foi construído durante vários anos demonstrou ser capaz de atingir esse objectivo, em que cada parte interveniente na cadeia desempenha o seu papel devidamente.

A indústria farmacêutica realiza grandes esforços para manter os “stocks” a um nível capaz de suprir as necessidades do mercado, efectuando previsões de vendas e controlando os inventários, de forma a não disporem de “stocks” nem em excesso nem em defeito.

Com a importação paralela, esta gestão de “stocks” aumenta a sua complexidade, dado que se torna difícil de prever quais os produtos que os importadores paralelos pretendem comercializar.

A importação paralela é, por natureza, volátil. Os importadores paralelos não têm nada mais do que um objectivo financeiro com o fornecimento de medicamentos, pelo que aproveitam as oportunidades comerciais conforme são criados os diferenciais de preços entre países, assim como desistem de um produto se ocorrer uma alteração das circunstâncias, reduzindo o diferencial.

As consequências são fundamentalmente sentidas pelos utentes, os quais muitas vezes sofrem demoras até obterem o medicamento pretendido, devido aos distribuidores desviarem os fornecimentos locais para outros mercados mais lucrativos 22.

Situações de produtos esgotados no mercado têm sido frequentes nos países exportadores, nomeadamente Grécia, Espanha e França, devido aos armazenistas exportarem grande parte dos seus stocks dos produtos sujeitos a importação paralela 23. Outro dos motivos pelo qual ocorrem situações de esgotamento de produtos no mercado prende-se com a racionalização das vendas por parte dos responsáveis pela comercialização de medicamentos alvo de importação paralela.

A indústria farmacêutica, apercebendo-se do circuito da importação paralela com consequências directas nos seus lucros, como forma de controlar o mercado dos seus medicamentos, tem tomado medidas em sua própria defesa. Estas medidas passam por restringir a distribuição dos seus medicamentos, nomeadamente distribuindo quantidades limitadas dos seus produtos aos armazenistas, apenas para fazer suprir as necessidades que consideram existir nos países onde estão a comercializar e para não permitir que os seus produtos sejam exportados para outros países. No entanto, estas medidas acabam por lesar os doentes, uma vez que os produtos ao terem o fornecimento restringido encontram-se muitas vezes esgotados no mercado por este motivo, pois as quantidades que a indústria farmacêutica fornece não são suficientes e não conseguem suprir as necessidades do mercado local 6,24.

Neste sentido, e além de questões de natureza ética, coloca-se também a questão da legalidade desta restrição do fornecimento de medicamentos. Neste campo, as opiniões divergem, tendo como exemplo os seguintes casos ocorridos com as companhias GlaxoSmithKline (GSK) e Bayer.

A GSK fornecia medicamentos aos armazenistas na Grécia, os quais os reacondicionavam e vendiam noutros países da UE (importação paralela). A GSK para evitar esse problema restringiu o fornecimento aos armazenistas. As autoridades gregas para a livre concorrência levaram o caso ao TEJ para este se pronunciar sobre a legalidade das restrições de fornecimento da GSK. No entanto, o TEJ decidiu que não se poderia pronunciar sobre o caso. Enquanto isso, um advogado-geral do tribunal emitiu um parecer em Outubro de 2004 o qual era a favor da GSK, mencionando que o mercado paralelo tem um impacto negativo na investigação no sector farmacêutico. No entanto, num caso muito similar em 2004, o TEJ aplicou uma multa da Comissão Europeia no valor de três milhões de euros à companhia farmacêutica Bayer, devido a restrições de fornecimento similares 25.

Ainda na vertente da integridade da cadeia de distribuição, mas noutra perspectiva, verifica-se que as embalagens dos medicamentos são cuidadosamente desenhadas para proteger o produto e para manter a sua qualidade e integridade após a produção. O facto de os medicamentos poderem ser reacondicionados afecta claramente estes aspectos. Acresce que nos tempos mais recentes, as empresas têm tentado desenvolver novos sistemas, no sentido de tornar as cartonagens cada vez mais difíceis de falsificar, nomeadamente através da aplicação de selos de inviolabilidade e da utilização de tintas invisíveis, hologramas, imagens misturadas, microtextos, sensibilidade à luz UV, entre outros, os quais revelam a autenticidade da cartonagem 26.

Outra possibilidade que tem sido equacionada tem sido a serialização das embalagens, como parte dos sistemas que associam autenticação com rastreabilidade. Este sistema denomina-se por “monitorização e rastreabilidade”, interligando os dispositivos de segurança nas embalagens com bases de dados de gestão e serviços de rastreio, conferindo às empresas a possibilidade de saberem onde uma encomenda farmacêutica esteve, onde está, e para onde está a ser dirigida 27,28.

Torna-se difícil para os importadores paralelos reproduzirem os referidos sistemas anti- contrafacção ao reembalarem os medicamentos, ficando estes últimos novamente mais vulneráveis à contrafacção.

Os importadores paralelos argumentam, pelo contrário, que o facto de os medicamentos serem reembalados aumenta a sua segurança, dado que são sujeitos a mais uma fase de controlo 29.

No entanto, de acordo com o já referido, têm ocorrido numerosas reclamações relacionadas com medicamentos resultado de importação paralela. Isto pode atribuir-se ao facto de, apesar da legislação europeia para os importadores paralelos ser tão exigente como para os fabricantes, a observação do seu cumprimento talvez não ser tão exigente como para os fabricantes. Este constitui um ponto fraco das autoridades de saúde, as quais deveriam aplicar sistemas de inspecção mais eficazes aos importadores paralelos de forma a melhor controlar este sector da cadeia de distribuição de medicamentos.

Muito embora o reembalamento tenha de ser efectuado por um fabricante que cumpra as BPF, parece claro que a adição de uma nova etapa de acondicionamento secundário pode afectar a qualidade dos medicamentos, ao introduzir uma possibilidade acrescida de trocas e falhas, de acordo com o descrito no ponto anterior.

Também as Boas Práticas de Distribuição poderão ser afectadas, dada a dificuldade em efectuar a rastreabilidade dos lotes, podendo esta situação ser agravada considerando que os medicamentos resultado de importação paralela podem ainda ser exportados para outros países, fora da UE.