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5 A CASTANHA NO MÉDIO TOCANTINS PARAENSE

5.1 Marabá: centro produtor de castanhas

A castanha, antes um complemento alimentar dos caucheiros, transformou-se no produto mais importante de todo o vale do Tocantins. Em 1913, Marabá foi elevada à condição de município e um ano depois, contava com um intendente (cargo equivalente ao de prefeito). A exploração da amêndoa fez com que Marabá deixasse de ser um “abarracamento de palha e assim teria continuado se a descoberta da castanha e sua posterior exploração não viessem modificar completamente o destino do antigo Burgo”. 140

Os dados apontam que Marabá começou a exportar castanhas em 1913, com uma produção de 20 hectolitros (ver Tabela 13). Em 1919, a safra local alcançou 5.396 hectolitros. O aumento da produção foi constante na década seguinte, devido ao fato dos castanhais ainda inexplorados estarem sendo incorporados à área de atuação dos castanheiros.

139 De acordo com o relato de Walter Leitão Sampaio, descendente direto do fundador do Burgo Agrícola do Itacaiúnas, o caucheiro entrava na mata à procura das árvores que já estavam marcadas pelo patrão e as quais, em geral, eram respeitadas pelos demais extratores. Caso as árvores não estivessem marcadas, cabia ao próprio caucheiro fazê-las. Para o abate, era feita a limpeza da vegetação em volta e o tronco da árvore era sangrado antes, para evitar que o “leite” espirrasse quando a árvore fosse atingida pelo machado. Após a derrubada, a árvore era limpa nas suas laterais para facilitar outras sangrias menores. Eram feitos buracos para recolher o leite canalizado do tronco da árvore, o qual, após dois ou três dias era recolhido quando estivesse coagulado. A operação de derrubada do caucho normalmente durava um dia. Ao final de uma semana, o produto obtido era conduzido em cestas ou paneiros carregados pelos próprios caucheiros até o barracão, onde o látex coagulado era lavado e depois colocado em uma caixa que funcionava como um tipo de prensa, onde ficava por alguns dias até se transformar em um bloco de aproximadamente 50 quilos, as conhecidas “pranchas”. Walter Leitão afirma que um “bom caucheiro” e que não fosse acometido por doenças poderia trabalhar em até cem árvores, sendo que cada árvore produzia uma média de 20 quilos, o que daria uma produção de dois mil quilos por safra. Uma produção normal girava em torno de mil ou mil e quinhentos quilos por caucheiro (SAMPAIO, Walter Leitão. Cruviana. Marabá: edição do autor, 1998, p. 37-38).

140 DIAS, Catharina Vergolino. Marabá: centro comercial da castanha. Revista Brasileira de Geografia, v. 20, n. 4, p. 393, out.-dez. 1958.

Tabela 13 - Produção de castanhas em Marabá 1913-1926 (em hectolitros) ANO PRODUÇÃO 1913 20 1914 2502 1915 2711 1916 1899 1917 1708 1918 1508 1919 5396 1920 17878 1921 27965 1922 27020 1923 61075 1924 77548 1925 84595 1926 120417

Fonte: Viagem ao Tocantins (1983).

A simples existência dos enormes castanhais não foi suficiente para tornar Marabá o grande centro produtor de castanhas. A disponibilidade de capital mercantil foi fundamental para consolidar a atividade e estabelecer um modelo de organização do extrativismo sem paralelo em toda a Amazônia, envolvendo um processo de acumulação de capital que levou à formação de uma oligarquia associada à castanha.141 Muito contribuiu para isso a presença dos comerciantes sírios e libaneses na região, que passaram a atuar de forma permanente na mesma época em que tivemos o declínio do caucho, na segunda década do século XX. Os sírios e libaneses que vieram a Marabá passaram a ser conhecidos como “galegos” e em grande parte eram provenientes do Maranhão. A família Mutran é a mais conhecida desse grupo e associou-se mais tarde, por meio de seus descendentes, ao beneficiamento do produto em Belém e em épocas mais recentes à pecuária. 142

141 LARAIA, Roque de Barros; MATTA, Roberto da. Índios e castanheiros: a empresa extrativa e os índios do médio Tocantins. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

142 Segundo relata um antigo morador de Marabá, produtor de castanhas e depois pecuarista, Almir Queiroz de Moraes, no ano de 1924 chegou na cidade o libanês Kalil Mutran, vindo da cidade de Grajaú, no Estado do Maranhão. Posteriormente, veio também o seu irmão, Aziz Mutran e seus oito filhos, um dos quais era Nagib Mutran, mais tarde prefeito de Marabá no final da década de 1950 e depois deputado. A família Mutran se constituiu ligada à atividade da castanha-do-pará e posteriormente membros desse clã se estabeleceram em Belém, para realizar o beneficiamento e exportação do produto (MORAES, Almir Queiroz de. Pelas trilhas de Marabá. São Sebastião do Paraíso: Chromo Arte, 1998).

Figura 21 - Porto de Marabá na época da safra da castanha, no ano de 1927

Fonte: Casa de Cultura de Marabá.

Tradicionalmente o comércio de tecidos e de armarinhos era exercido pelos galegos. As pequenas vendas, quitandas, bodegas e botequins “eram dos brasileiros”.143 A partir da

década de 1920, muitos galegos tornaram-se também proprietários de embarcações. Em uma relação feita nesse mesmo ano entre os cinquenta e três principais comerciantes de Marabá, vinte e quatro tinham origem sírio-libanesa.144 Muitos dos estabelecimentos comerciais, situados no pontal onde se originou Marabá, atraiam trabalhadores, barqueiros, castanheiros, tripulantes das embarcações, fazendo da cidade às margens do rio Tocantins, um ponto de reunião.

Alguns comerciantes conseguiram atuar também na extração da castanha, fazendo arrendamento de castanhais de terceiros ou do Estado. Outros, como no caso dos sírio- libaneses, construíram e equiparam frotas de barcos-motores, trazendo de Belém as mercadorias para o seu comércio. Após a Segunda Guerra Mundial, alguns chegaram a investir na pecuária, beneficiamento de arroz e outras pequenas atividades manufatureiras. A classe mercantil moldou a estrutura social e econômica de Marabá e exerceu influência direta na organização do poder político local. 145

143 SAMPAIO, Walter Leitão. Marabá pontal verde: histórias mal contadas. Marabá: edição do autor, 2000. 144 VIAGEM AO TOCANTINS. Marabá: Prefeitura Municipal de Marabá em 1983. (Original de 1926). 145 Com a transformação de Marabá em município, no ano de 1913, o poder passou para uma junta governativa

formada pelos mais importantes comerciantes locais, que ostentavam patentes militares, vindas da antiga Guarda Nacional do Império. Esse grupo foi o embrião da futura elite ou oligarquia local, que controlava o capital mercantil e que, mais tarde, de forma progressiva, veio também a assumir o controle das terras onde se localizavam os castanhais. Entre as lideranças locais importantes nessa época, se destacavam o coronel Antônio da Rocha Maia, primeiro intendente (cargo equivalente hoje ao de prefeito) de Marabá, o major

Tabela 14 - Municípios maiores produtores de castanha no estado do Pará 1920-1926 (em hectolitros)

ANO MARABÁ ALENQUER ÓBIDOS ALMERIM BAIÃO MAZAGÃO

1920 17.878 17.098 6.916 9.867 4.690 10.024 1921 27.965 25.013 46.328 19.150 18.928 18.093 1922 27.020 74.047 50.274 31.975 38.054 25.099 1923 61.075 66.682 48.164 35.936 15.525 12.867 1924 77.548 77.888 56.067 33.804 23.683 11.226 1925 84.595 12.257 15.625 26.945 11.987 10.639 1926 120.417 72.765 77.466 46.935 32.548 12.319 TOTAL 416.498 345.750 300.840 204.612 145.415 100.267

Fonte: Torres Filho (1929). Dados compilados pelo autor.

Em 1927, a região do Tocantins tornou-se o maior produtor de castanhas no Estado do Pará, tendo o município de Marabá como o principal centro de comercialização do produto, que era enviado para Belém. A exploração na área do Médio Tocantins e em seus afluentes e igarapés proporcionou uma crescente safra na década de 1920 (ver Tabela 14). Marabá contribuiu muito para que a produção do Estado do Pará alcançasse o patamar elevado que foi estabelecido naquela década, superando em alguns anos a própria produção de borracha. A área do antigo município concentrava os mais importantes castanhais do Estado do Pará e, talvez, da própria Amazônia. A bacia do Itacaiúnas, afluente do rio Tocantins, área de grande concentração de castanhais, pertencia ao município de Marabá (ver Mapa 2).

Figura 22 - Partida para os castanhais às margens do rio Itacaiúnas, em Marabá, no ano de 1926

Quirino Franco de Castro, o capitão Afro Sampaio e o coronel João Anastácio de Queiroz, este último ligado à exploração da castanha (EMMI, Marília. A Oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. Belém: UFPA/NAEA, 1999).

Fonte: Casa de Cultura de Marabá.

Os melhores castanhais do município localizavam-se entre os rios Tocantins e Itacaiúnas, principalmente junto aos afluentes da margem direita deste último, como os rios Vermelho, Sororó e o Sororozinho, estendendo-se até a área de Conceição do Araguaia. Existiam também castanhais na margem esquerda do Itacaiúnas, nas proximidades de Itupiranga, Jacundá e Tucuruí.