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5 A CASTANHA NO MÉDIO TOCANTINS PARAENSE

5.4 O entrave do transporte

Em toda a Amazônia o transporte se constituía na “questão nevrálgica da comercialização da castanha”. 178 Também era considerado o fator que mais onerava o custo

de produção desse produto. Além das grandes distâncias, a transposição dos rápidos e corredeiras fazia com que, muitas vezes, a carga tivesse que ser retirada das embarcações e percorresse alguns trechos por terra. Tal procedimento fazia com que o produto ficasse exposto durante muito tempo ao sol e à umidade, provocando a deterioração de parte dos

176 Muitos destes passaram a residir em Belém e indicavam pessoas de maior confiança para representar os seus interesses na região e fazer o “corpo a corpo desgastante que teriam de enfrentar ao aviar, acertar contas de castanheiros devedores, credores e negócios permanentes, relacionados à extração de castanhas” (MONTEIRO, op. cit., p. 54).

177 “O financiamento é feito tomando por base 40% do valor obtido pelo hectolitro da castanha em Belém, na safra anterior e é proporcional à produção do castanhal; obtido em uma ou duas quotas (a 1ª., em outubro, para as despesas com o aviamento; a 2ª., em janeiro, para atender aos transportes), a quitação é realizada em julho (término da safra)” (DIAS; VALVERDE, op. cit., p. 151).

carregamentos. Na região do Tocantins, o grande obstáculo ao transporte da castanha até a cidade de Belém, encontrava-se no trecho compreendido entre Jatobal e Alcobaça (depois Tucuruí), portanto a jusante de Marabá, que formavam as corredeiras de Itaboca.

Na tentativa de viabilizar o transporte no Médio Tocantins e permitir a ocupação e o povoamento daquela região, o Governo Federal fez a concessão para a construção de uma ferrovia em 1890, a futura Estrada de Ferro Tocantins. A previsão era de que a mesma ligasse Alcobaça até Jatobal, na margem esquerda do rio Tocantins, cobrindo todo o trecho das corredeiras. O primeiro trecho só foi inaugurado em 1905, com 45 quilômetros de extensão, sem cobrir por completo o trecho acidentado daquele rio. 179

Na opinião do engenheiro Aldo Andreoni, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) a ferrovia foi criada de forma prematura. Sómente em 1930, 40 anos depois de sua criação, é que começou a existir um transporte fluvial mais regular e constante no Tocantins. Nesse mesmo ano, o leito da ferrovia não havia atingido a margem do rio acima das cachoeiras e quando alcançou este ponto, em 1944, o material rodante já tinha quase meio século e seu estado de conservação era péssimo, não permitindo atender a finalidade do transporte regular de carga para a qual tinha sido criada. 180

Figura 28 - "Motores" para transporte de castanha no porto de Marabá, em 1927 Fonte: Casa de Cultura de Marabá.

179 Mais tarde com o nome de Estrada de Ferro Norte do Brasil, a companhia foi reorganizada e novos prazos foram estabelecidos para a ampliação da mesma, por sucessivos decretos. Em 1919 tinham sido entregues 82 quilômetros, mas sem alcançar a margem do Tocantins acima das cachoeiras de Itaboca. Após ter sido arrematada pela União e arrendada ao Governo do Pará de 1925 a 1932, foram iniciados os trabalhos de restauração da ferrovia, agora com o nome de Estrada de Ferro do Tocantins. Em 1944, os trilhos da ferrovia chegaram até Jatobal, acima da cachoeira de Itaboca, quando a mesma alcançou a sua extensão máxima de 117 quilômetros (ALMEIDA, op. cit., 2011, p. 16).

180 ANDREONI, Aldo. A navegação e os barcos do rio Tocantins. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo/Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1950.

Nas décadas de 1950 e 1960 era realizado o transporte por tropas de burros até a sede do castanhal e depois, nos barcos do tipo "penta", até Marabá, onde a castanha ficava armazenada aguardando transporte para Belém. Normalmente a castanha poderia passar para outra embarcação a vapor, as “gaiolas” em Tucuruí, que a levava até a capital. Os produtos que serviam também para o abastecimento de Marabá aguardavam o momento do embarque naquele mesmo porto, nos barcos a motor que retornavam.

Figura 29 - Típico barco a motor do Tocantins utilizado para o transporte de castanha-do-pará, no final da

década de 1940

Fonte: Andreoni (1950, p. 25).

A grande “revolução” no transporte fluvial do Médio Tocantins Paraense ocorreu com o surgimento do barco a motor ou “motores”, a partir de 1916, que trouxe novas possibilidades para a transposição das corredeiras do Tocantins, pelo menos no período das “águas altas” ou inverno amazônico. 181 Dez anos após a chegada do primeiro barco a motor

foram relacionados 65 motores no porto de Marabá, que realizavam o transporte de produtos até Alcobaça (atual Tucuruí), percorrendo 201 km em três dias, contando a ida e a volta, na estação das cheias. 182 Antes dos motores, as viagens entre Marabá e Tucuruí, ida e volta, podiam durar entre 20 e 25 dias. Foi a partir dessa fase que o transporte fluvial ganhou maior regularidade, rapidez e com a formação de uma classe profissional de marítimos na região, peritos na condução das embarcações pelos trechos mais perigosos.

181 A tradição local aponta que o primeiro barco a motor apareceu em Marabá em 1916, chamava-se “Pedrina” e era de propriedade do comerciante de castanhas, Alfredo Rodrigues de Monção. Tinha um sistema de comando diferente das lanchas e navios usados no Baixo Tocantins. Podia transportar 120 barricas de castanha (equivalente a 120 hectolitros) e era acionado por um motor de 25 HP. Por outro lado, o engenheiro Aldo Andreoni afirmou que o primeiro barco a motor a aparecer na região foi o “Tupy”, também no mesmo ano, o que, de qualquer modo, valida a informação para a época do surgimento dessas embarcações (ANDREONI, op. cit., p. 27).

Na avaliação feita pelo engenheiro Aldo Andreoni do IPT, os motores tinham boas qualidades para navegar no Tocantins, sobretudo a capacidade de manter a “diretividade” e a forma da popa facilitavam as manobras. Os motores que faziam o transporte da castanha até Arumateua ou Tucuruí, costumavam partir de Marabá às três horas da manhã. No dia seguinte, após o retorno, começava outro carregamento de castanhas para Tucuruí. Tal rotina repetia-se nos meses de janeiro a maio. Até julho as viagens prosseguiam com mais vagar. 183

Figura 30 - Embarcação enfrentando as corredeiras do Médio Tocantins, no final da década de 1920

Fonte: Casa de Cultura de Marabá.

Uma prova do aperfeiçoamento da navegação nesse trecho era que, antes do barco a motor, as embarcações levavam entre 6 a 8 dias para fazer a subida. Na metade da década de 1960 uma embarcação de 100 cavalos de força levava em torno de uma hora para fazer o mesmo percurso.184 De Marabá até Belém a viagem levava quatro ou cinco dias, chegando até duas semanas, sendo que esse prazo poderia dobrar na volta. Em Itaboca havia o desembarque de passageiros e mercadorias para que o trecho fosse percorrido em uma estrada de rodagem

183 No período das “águas altas” (chuvas) era possível atravessar Itaboca com maior facilidade, embora a pratica dos marítimos e dos pilotos fosse imprescindível para o cumprimento do trajeto. Nessa mesma época, para subir o rio em direção ao Alto Tocantins, as embarcações teriam que ter meia carga e, em algumas ocasiões, fazer a subida puxada por cabos de aço acionados por guinchos localizados na proa das embarcações. Quando a operação era feita na descida do rio, a chamada “arriada”, a extremidade do cabo ficava presa a uma pedra e o mesmo ia sendo desenrolado a partir do guincho da embarcação. A tripulação auxiliava com varas e cordas. No caso da subida, no trabalho de “dar cabo”, a extremidade do mesmo era amarrada em um ponto adequado e o guincho realizava o trabalho. Durante a época das cheias, os motores venciam a subida e passavam “na palheta” ou em velocidade mais lenta, como afirmavam os marítimos (ALMEIDA, op. cit., 2011).

em péssimas condições ou recorrer à velha ferrovia, que andava a vinte quilômetros por hora e às vezes ficava parada por horas no mesmo ponto.

Nenhuma política pública foi implantada no sentido de aperfeiçoar a navegação no rio Tocantins, apesar da importância que a mesma teve durante décadas para a economia regional. 185 O engenheiro Aldo Andreoni, que no final da década de 1940 esteve na região para estudar as embarcações utilizadas naquele rio e sugerir possíveis melhorias nas mesmas, surpreendeu-se com a capacidade de adaptação dos barcos às dificuldades encontradas nas corredeiras. Na opinião do engenheiro, aperfeiçoar e desenvolver uma indústria náutica local representaria um passo importante na ocupação da bacia amazônica, podendo ser estendida aos demais rios da região. Tal intervenção poderia também criar condições futuras para um melhor aproveitamento econômico dos recursos naturais, reduzindo os custos de transporte da castanha-do-pará, por exemplo. Tais medidas poderiam ter sido concretizadas pelo menos até que o crescimento do volume de carga justificasse outros meios auxiliares de transporte, como as rodovias. 186

Na década de 1960 a Estrada de Ferro Tocantins praticamente não funcionava mais e os seus 117 quilômetros de trilhos ficaram abandonados para sempre. A avaliação era de que a ferrovia era antieconômica para a União. Por isso, uma velha estrada de rodagem municipal, em Jacundá, na margem direita do rio Tocantins, era utilizada. Contudo, o seu porto a jusante não permitia o acesso de embarcações, sendo necessário o uso de canoas para chegar até os barcos motores. Mesmo quando das “águas altas” essa estrada era utilizada, pois os motores retiravam as cargas, que eram colocadas em caminhões e faziam o trecho das corredeiras com meia carga ou descarregados. Além desses problemas, a Estrada de Ferro Tocantins não dispunha no seu terminal, em Jatobal, de armazéns para guardar as castanhas, as quais eram amontoadas nas praias nas margens do rio, diretamente no chão.

Com a abertura da rodovia Belém-Brasília em 1960, Marabá passou a ser abastecida não só por Belém, mas também pelas praças do sul do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1967 foi aberta a rodovia estadual PA-70, que fazia a interligação entre Marabá e a Belém-Brasília facilitando o acesso daquela área a esta rodovia. Mais tarde, em 1971, a conhecida Transamazônica alcançou a cidade de Marabá.

185 A navegação no rio Tocantins foi o resultado de uma verdadeira superação dos entraves naturais realizados por navegadores, balseiros, canoeiros e na fase da exploração da castanha, pelos pilotos dos “motores”, os quais consolidaram a mesma como alternativa mais viável do que a estrada de ferro. Tratava-se de uma navegação sui generis, mas que possibilitou, por exemplo, a consolidação da economia da castanha-do-pará, durante mais de 60 anos, no Médio Tocantins (ALMEIDA, op. cit., 2011).

6. O DECLÍNIO DA CASTANHA-DO-PARÁ NA AMAZÔNIA