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A proposta do polígono dos castanhais

6 O DECLÍNIO DA CASTANHA-DO-PARÁ NA AMAZÔNIA ORIENTAL

6.3 A proposta do polígono dos castanhais

A destruição das castanheiras gerou um forte impacto sobre a atividade extrativista com a queda na produção de castanha no Estado do Pará (ver ANEXO 6). A atividade ficou irremediavelmente comprometida, bem como em partes de Mato Grosso e em Rondônia, onde os níveis de desmatamento também foram elevados. Apesar disso, o Brasil ainda é o maior detentor de estoques naturais de castanheiras, embora não seja mais o maior produtor.

Em 1982, durante a realização do 1º. Simpósio Nacional da Castanha do Brasil, em Belém, começou-se a discutir a proposta de delimitação de uma área de preservação dos castanhais no Sudeste do Estado do Pará, como forma de conter o processo de desmatamento. O Sindicato Rural de Marabá e a Associação do Exportadores de Castanha solicitaram a uma firma particular, a elaboração de um “Memorial Descritivo do Polígono”, que abrangeria as áreas dos municípios de São João do Araguaia, Marabá e Xinguara. Inicialmente não era utilizado o termo “Polígono”, mas fazia-se referência à necessidade de demarcação de uma área prioritária.

Na opinião das pesquisadoras do NAEA, Marília Ferreira Emmi, Rosa Acevedo Marín e Rosineide da Silva Bentes, a proposta era uma “tentativa desesperada da oligarquia” ou dos

214 Os dispositivos legais, que protegiam as castanheiras não foram utilizados com rigor pelo Poder Público, para conter a derrubada da espécie. No Código Florestal, instituído pela Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1975 e na portaria do IBDF, de número 449-P, de 3 de outubro de 1987, eram proibidos o abate e comercialização da castanheira e da seringueira, bem como o desmatamento dessas espécies nas áreas de ocorrência das mesmas. A fiscalização era promovida pelo órgão responsável, o IBDF, que não dispunha de recursos materiais e humanos para essa tarefa. No caso de ser localizada uma área de extração irregular ou uma serraria que possuísse toras de castanheira, aplicava-se uma multa e o material era apreendido. Contudo, o valor da multa era irrisório. Segundo afirmava, em 1988, o delegado do IBDF em Marabá, três toras de madeira pagavam o desmatamento de uma área equivalente a 100 hectares (Ibid., p. 22).

antigos “donos” dos castanhais de preservar os seus domínios, uma vez que a mesma pretendia tornar fato consumado, o controle definitivo dos castanhais que, naquele momento, estavam sendo contestados por outros segmentos da sociedade local. Mesmo esse grupo não era homogêneo no que se referia ao regime de usufruto das terras, pois alguns defendiam a continuidade do aforamento e outros a sua transformação em propriedade privada. O discurso da antiga oligarquia era distinto dos pecuaristas, madeireiros e da tecnocracia do Estado, refletindo um momento de perda de domínio político frente aos novos atores sociais presentes na área. 215 A velha oligarquia combatia qualquer tentativa de transação com a castanha que fugisse ao seu controle, sobretudo com relação à massa de migrantes que começava a chegar à região.

A proposta do Polígono estava sendo esboçada e para fortalecer a ideia foram utilizados argumentos em favor da preservação da floresta, do meio ambiente, da defesa da produção da castanha-do-pará e do seu significado econômico, social e político. O INCRA era acusado pela antiga oligarquia de não considerar a estrutura do extrativismo como benfeitoria, usando-se a justificativa do desmatamento, para formar as pastagens como sendo a única forma de garantir a posse da terra. A regularização fundiária era vista como urgente pelos “donos” dos castanhais, que defendiam a proposta do Polígono.

No “Memorial Descritivo do Polígono” encaminhado ao GETAT também foi recomendada a criação de estímulos para o plantio das castanheiras por meio do próprio órgão, o qual deveria elaborar um projeto. Contudo, a preocupação maior desse “memorial” era o de defender a manutenção de uma área exclusiva para os “donos” dos castanhais, afastando aqueles que eram vistos como “invasores”. Embora a pecuária fosse colocada por muitos como prejudicial à preservação dos castanhais, muitos dos integrantes da antiga oligarquia tinham migrado ou estavam migrando para essa atividade, como era o caso de alguns membros das famílias Mutran, Chady e Chamié. 216

215 Os conflitos, que começaram a partir de Conceição do Araguaia, com a abertura da rodovia PA-150, alcançavam Marabá, preocupando a antiga oligarquia, pois os problemas envolviam as áreas de castanhais. Começou a surgir um repúdio às “invasões”. Os antigos “donos” ou, na verdade detentores dos títulos de aforamento, apelavam para a sua condição de pioneiros e desbravadores. Contudo, não eram lembradas as formas como esse mesmo grupo ou oligarquia havia se apossado dos castanhais, as negociatas políticas envolvidas nesse processo beneficiando uns e excluindo outros. Na visão dos mesmos, o novo ocupante dos castanhais era tão somente um “invasor” e não um posseiro, que estava ocupando terras devolutas. As críticas desse segmento atingiam também os órgãos do Governo Federal presentes na região e identificados com o processo das invasões, como o INCRA, o IBDF e à própria Justiça Comum. Idem.

216 Em outubro de 1983, um novo memorial foi encaminhado ao ministro dos Assuntos Fundiários, por parte da Associação dos Exportadores de Castanha e do Sindicato Rural de Marabá, propondo, mais uma vez, a criação do Polígono dos Castanhais. A oligarquia cobrava do ministro, o general Danilo Venturini, decisões sobre os problemas relativos à terra a fim de assegurar os seus interesses. Nesse documento foi pleiteado o fim do regime de aforamento e a transformação do mesmo em propriedade (Ibid. p. 22).

Finalmente, o projeto de lei no. 2036/83 foi apresentado pelo deputado federal Gerson Peres, propondo a criação do Polígono Castanheiro. Somente em 1986 o projeto foi aprovado pela Câmara e enviado ao Senado, o qual não deu continuidade ao seu encaminhamento. O projeto do Polígono entrava em choque com os planos de reforma agrária propostos pelo primeiro governo da Nova República e pelo MIRAD, colocando a antiga oligarquia em posição conflitante com o Governo Federal, criticado pela mesma por não agir na região.

A proposta do reflorestamento também começava a ser discutida, embora não despertasse o entusiasmo dos produtores de castanha e também dos donos das madeireiras. Desde o início da década de 1980, a EMBRAPA havia conseguido dominar todo o processo do cultivo da castanheira e estava em condições de assessorar os interessados nessa alternativa. Em junho de 1987, Carlos Hans Muller, engenheiro agrônomo do órgão, esteve em Marabá, participando de um encontro entre a ASSIMA, a Secretaria de Agricultura e a própria EMBRAPA, para debater o tema, defendendo o reflorestamento, fazendo recomendações a respeito de como o mesmo poderia ser feito e recomendando a castanha-do- pará como uma riqueza que poderia continuar sendo aproveitada.217 A EMBRAPA chegou a orientar, em Marabá, procedimentos para o cultivo da castanheira, três anos antes, mas a iniciativa não despertou maior atenção da parte dos antigos donos dos castanhais.

Figura 34 - Viveiro com mudas de castanheiras na fazenda Bamerindus, próxima a Marabá, em 1984

Fonte: Casa de Cultura de Marabá.

O único experimento importante de plantio da castanheira nas proximidades de Marabá foi realizado no município de São Geraldo do Araguaia, na fazenda Bamerindus, em 1984, que pertenceu à instituição financeira do mesmo nome. Contudo, segundo relata o agrônomo Alfredo Homma, da EMBRAPA, o local sofreu invasão de posseiros e integrantes do MST em 1996, não tendo o projeto a continuidade necessária para o início da produção comercial.218

Outra ameaça passou a pairar sobre as castanheiras no município de Marabá com a inauguração oficial do Distrito Industrial de Marabá (DIM) em 1988, quando entrou em funcionamento o primeiro forno para a produção de ferro gusa. O corte das árvores passou a ser destinado também à produção de carvão vegetal, insumo necessário às guseiras instaladas no DIM. 219

Nesse mesmo ano de 1988, o Ministério da Reforma Agrária começava a desapropriar algumas áreas de castanhais em Marabá, com a finalidade de promover assentamentos de trabalhadores rurais. Por meio de um acordo com os portadores dos títulos de aforamento, 62 castanhais foram adquiridos pela União para a realização dos assentamentos, atendendo às finalidades do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), criado no início da Nova República. Contudo, o PNRA acabou sendo desfigurado da sua proposta inicial e executado de forma autoritária, sem atender aos interesses dos trabalhadores rurais. 220

Os castanhais incluídos no programa do PNRA estavam numa situação de impasse, uma vez que eram ocupados por trabalhadores rurais na condição de posseiros, embora fossem imóveis aforados pelo Estado do Pará aos antigos produtores de castanha, com a condição de que utilizassem os mesmos para a finalidade do extrativismo. Contudo, o fato

218 HOMMA, op. cit., 2000.

219 Antes da construção do DIM, vários castanhais foram desapropriados para abrigar as guseiras que começaram a processar o minério de ferro proveniente de Carajás. A 1ª. etapa do DIM foi entregue em 1987 pelo governador Jader Barbalho, o qual afirmou que a obra traria divisas para o município de Marabá e para o Estado do Pará, fazendo com que o minério fosse industrializado, gerando 50 mil empregos a médio prazo, algo que não se concretizou (CORREIO DO TOCANTINS, Marabá, p. 71, 27 mar.-3 abr. 1987). 220 O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) instituído pelo Decreto n. 91.766 de 10 de outubro de 1985,

colocava a reforma agrária como uma das prioridades da Nova República e para a sua execução foram criados novos aparatos institucionais, entre eles o MIRAD. A proposta inicial era de colocar a propriedade da terra vinculada ao exercício de sua função social. Nesse sentido, as terras improdutivas estariam na condição de desapropriação por interesse social. Ao mesmo tempo, a cidadania do trabalhador rural estava sendo colocada ao lado do processo de democratização do país, após o período do Governo Militar. Os trabalhadores rurais e as suas organizações deveriam ter um papel importante no processo de implantação da reforma agrária e também nas desapropriações. Contudo, não foi isso o que se verificou depois, uma vez que ocorreu uma “transfiguração da proposta de reforma agrária inicial” e inclusive na extinção do próprio MIRAD. O PNRA acabou sofrendo um processo de esvaziamento e o pouco que foi realizado em termos de desapropriações e assentamentos acabou se efetuando sem a participação dos trabalhadores interessados e as desapropriações vieram mais no sentido de favorecer os grandes latifundiários com indenizações acima do valor de mercado das terras (BENTES, Rosineide da Silva. Reforma agrária nos castanhais do Tocantins: a reforma que não reforma. Pará Agrário, Belém, n. 4-5, p. 127, jan.-dez. 1988).

dessas terras terem se transformado em fazendas de gado feria essa finalidade. Os foreiros foram tratados como se fossem os legítimos proprietários. O MIRAD, comandado por Jader Barbalho, político paraense, estava suscetível à influência da antiga oligarquia da castanha. Os castanhais que eram reivindicados pelos trabalhadores para desapropriação, não foram incluídos entre os que foram disponibilizados para aquisição.

Segundo Rosineide da Silva Bentes, pesquisadora do IDESP, a compra dos castanhais pela União fugiu dos critérios técnicos do próprio MIRAD e não obedecia aos interesses dos trabalhadores. O Estado comprou imóveis sobre os quais já detinha direitos legais, ou seja, poderia retomá-los, uma vez que a concessão dos mesmos aos foreiros foi feita para a exploração da castanha-do-pará e não para outras atividades, como a pecuária. Nesse sentido, a solução do MIRAD foi ideal para a velha oligarquia, pois esta pode se livrar das terras que já estavam sendo invadidas e ainda receber pelas mesmas um preço superior ao de mercado, dos quais nem mesmo eram proprietárias na forma legal.

Nesse momento, em 1988, uma parte pequena dessa oligarquia monopolizava a indústria e a exportação da castanha-do-pará e comprava esse produto dos vários pontos de coleta que existiam na Amazônia: Médio Amazonas Paraense e os Estados do Acre, Amazonas e Amapá. Esse segmento ou fração da oligarquia foi altamente beneficiado, pois ainda havia conseguido manter em seu poder aproximadamente 321.918 hectares de castanhais aforados, alguns que ainda tinham produção de castanha-do-pará. 221

Com relação aos assentamentos promovidos a partir dessas aquisições de castanhais pelo MIRAD, notou-se a ausência do extrativismo da castanha-do-pará como única atividade ou mesmo a principal. Quando os assentados se instalaram nos castanhais já devastados pelos próprios foreiros, realizavam o plantio de culturas de ciclo curto ou criavam pequenos animais. Mesmo nos castanhais ainda preservados, os assentados realizavam a pequena agricultura, ao lado da coleta da castanha, do cupuaçu e do babaçu. A terra foi dividida em lotes de 50 hectares e permaneceram aguardando uma futura regularização. 222

O extrativismo da castanha-do-pará no Médio Tocantins Paraense entrou em rápido declínio no final da década de 1980 e no início da seguinte. Em 1990, a produção da microrregião de Marabá alcançou 1.160 toneladas, enquanto a do Estado do Pará foi de 16.235 toneladas. Portanto, a produção de Marabá foi equivalente a 7,1% do total daquele

221 O total de títulos de aforamento expedidos para Marabá pelo governo do Estado do Pará, entre 1955 e 1966, totalizava 616.719 hectares. O MIRAD adquiriu em 1988 o equivalente a 219.462 hectares e excetuando alguns títulos que foram transferidos a empresas (como a Vale do Rio Doce), restaram aproximadamente 321.918 hectares. Para mais detalhes ver: BENTES, op. cit., 1988, p. 132.

Estado (ver ANEXO 8). Para uma comparação, em 1937, a produção de castanha-do-pará, na área do Médio Tocantins (que incluia Marabá e São João do Araguaia) correspondeu a 72,82% da produção total de castanhas do Estado do Pará (ver ANEXO 4).

A antiga oligarquia não se mobilizou no sentido de preservar o extrativismo e, nem mesmo, os próprios castanhais. Pelo contrário, a mesma atuou no sentido mais imediato, de se defender ante a possibilidade de realização de uma reforma agrária por parte do governo da Nova República e garantir benefícios, oriundos do fato de possuirem os títulos referentes à posse dos castanhais. Em função disso, o extrativismo da castanha entrou em um processo de declínio no sudeste do Pará, a partir da década de 1980, contribuindo para a perda de posição do Brasil no mercado internacional desse produto.