• Nenhum resultado encontrado

5 A CASTANHA NO MÉDIO TOCANTINS PARAENSE

5.2 O castanhal e o barracão

Segundo Marília Emmi a existência de um barracão ou sede em um castanhal, indicava que o mesmo tinha um “dono”, o qual controlava a exploração da área. Além dos castanheiros que trabalhavam diretamente na coleta, lavagem e transporte, existiam também os que trabalhavam no barracão recebendo e controlando a produção em nome do patrão. Com a consolidação do regime de posse das terras, no final da década de 1950, o “dono” não era apenas o indivíduo que organizava a produção, mas também aquele que passava a ter “o domínio de fato da terra”.146 A organização administrativa de um castanhal era voltada para a

reunião e o transporte do produto coletado na floresta. Na sede de um castanhal bem organizado ou barracão, estavam os depósitos para a castanha “suja” e para a “lavada”, os pequenos armazéns para o fornecimento de mercadorias e a casa do administrador. 147

Um castanhal tinha, em média, 3.600 hectares ou uma légua quadrada de extensão, ou seja, o módulo que mais tarde, foi adotado pela Lei Estadual 913 de 04.02.1954, que estabeleceu o aforamento perpétuo. A produtividade de um castanhal explorado anualmente em sua máxima capacidade variava de 600 a 2.000 hectolitros por légua ou entre 0,16 a 0,55 hectolitros por hectare, sendo observada uma média de 0,25 hectolitros por hectare. 148

146 Ibid., p. 71.

147 PREFEITURA MUNICIPAL DE MARABÁ. Marabá. A História de uma parte da Amazônia, da gente que

nela vivia e da gente que a desbravou e dominou, fazendo-a emergir para a civilização, de 1892 até nossos dias. Marabá: Prefeitura Municipal, 1984. p. 70.

Figura 23 - Um típico barracão com as castanhas amontoadas no chão, na região do médio Tocantins no final da

década de 1920

Fonte: Torres Filho (1929. p. 39).

De acordo com o relato do memorialista Walter Leitão Sampaio, o centro de um castanhal de maior porte girava em torno da casa do administrador. A mesma era feita de tábuas e coberta com telhas de barro, onde ficavam os depósitos para o produto. Lá estavam, também, as casas dos empregados e castanheiros. Estas últimas eram feitas de taipa e coberta com folhas de babaçu. Normalmente existia também um pequeno pasto para o sustento das tropas de muares, utilizadas para o transporte das castanhas. A partir desse centro saiam estradas vicinais ou trilhas, que alcançavam as “colocações”, locais onde ficavam os castanheiros e próximos às maiores concentrações de árvores. Em alguns castanhais foram construídas barracas maiores para abrigar os castanheiros casados, invernadas para pastagem de animais, roçados para milho e arroz, estradas menores e pontilhões. 149

Figura 24 - Uma colocação de castanheiros nas matas do Tocantins

Fonte: Torres Filho (1929, p. 45).

Cada colocação tinha uma produção que variava entre 200 a 500 hectolitros por safra e eram ocupadas por 1 a 4 castanheiros, de acordo com a maior ou menor concentração de árvores. Na colocação era aberta uma clareira para a instalação da barraca do castanheiro e um pequeno pasto quando havia o transporte por muares. A distância entre a colocação e a sede chegava a corresponder a um dia de viagem. Nos castanhais de maior extensão existiam subsedes para reunir a produção das colocações mais distantes.150

O acesso aos castanhais era livre nos primeiros tempos da economia da castanha, no sentido de que não existia uma dependência tão forte em relação a um patrão e no que dizia respeito aos próprios castanhais, que não eram controlados. 151 Contudo, à medida em que a exploração da castanha-do-pará ganhava importância maior na economia do Pará, o interesse em controlar os castanhais foi aumentando. Em 1918, a Lei nº 1.747 permitia a compra das terras devolutas do Estado e três anos depois, a Lei nº 1.947 previa o regime de aforamento perpétuo nas terras devolutas pertencentes ao Estado do Pará, com a finalidade de exploração

150 Ibid.

151 Segundo nos relata João Brasil Monteiro, memorialista local, o intendente (cargo equivalente ao de prefeito) de Marabá, coronel João Anastácio de Queiroz, autorizou a entrada nas terras da região para a exploração da castanha. Em 1926 foi organizado por ele o sistema de matrícula, sob a responsabilidade da Intendência, dando condições a qualquer pessoa de usar as terras do patrimônio público para o extrativismo. Para isso, eram pagos dois mil réis por uma matrícula que autorizava a exploração. A administração municipal justificava a cobrança da mesma para a realização de investimentos nos castanhais, como abertura de pequenas estradas ou trilhas e para que fosse efetuada a fiscalização dos locais “inibindo os indesejáveis furões que sempre ficavam à margem da lei, ditada pelo Intendente”. Esses castanheiros matriculados e licenciados ficaram conhecidos como “municipeiros” (MONTEIRO, op. cit., p. 37).

extrativa de produtos vegetais. 152 Com a Lei 2.491, de 04.11.1925, teve início o processo de arrendamento dos castanhais, que se generalizou na década de 1930, determinando a preferência, entre o aforamento ou venda das terras devolutas, ao arrendamento por um preço fixo anual ou por uma porcentagem sobre a produção obtida nas matas naturais, equivalente a até 10% do valor da mesma. Os arrendamentos eram deferidos pela Diretoria da Fazenda Estadual do Pará, permitindo o aumento do controle do poder local por parte da oligarquia, sobretudo em Marabá, beneficiada por essas concessões em troca de apoio político. Apesar disso, a extração livre permanecia nos chamados “castanhais do povo” ou de serventia pública, que em tese, eram garantidos pela legislação. 153

A Lei Estadual 913, de 02.12.1954, restabeleceu e regulamentou o instituto do aforamento perpétuo por parte do Governo do Pará, prevendo a concessão de um único aforamento por requerente, com uma área de 3.600 hectares. 154 Esse dispositivo legal permitiu o início do processo de concentração das terras nas mãos das famílias mais importantes de Marabá, ligadas ao comércio e exploração da castanha-do-pará:

“Os 168 aforamentos destinados a Marabá foram inicialmente apropriados por 152 foreiros. Se agruparmos os foreiros por famílias, aparece de maneira mais clara a concentração das áreas de castanhais. Essa concentração irá se acentuar por toda a década de 70, quando sucessivas transferências de direitos vão contribuir para a modificação do perfil fundiário dos castanhais”. 155

152 O aforamento era uma forma de concessão das terras para a extração de produtos vegetais por meio do pagamento de uma taxa anual ao Estado, por parte do foreiro (indivíduo que recebia a concessão). Este manteria a posse útil das terras por toda a sua vida. Abandonado em 1930, foi restaurado em 1954 no Estado do Pará. Existia um limite de área de 3.600 hectares e que eram concedidos a um único foreiro (EMMI, Marília. Os castanhais do Tocantins e a indústria extrativa no Pará até a década de 60. paper do NAEA, Belém, n. 166, out. 2002. Disponível em: <www.ufpa.br/naea/gerencial/ler_publicacao.php id=78>. Acesso em: 5 mai. 2010).

153 EMMI, op. cit., 1999.

154 SILVA, Fábio Carlos. Poder econômico e política fundiária no Pará. Pará Agrário, Belém, n. 2, jan.-jun. 1987.