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Marcos da construção curricular no Brasil

Em uma de suas publicações sobre o tema, Moreira (1990) apresenta três períodos que considera expressivos no que se refere ao desenvolvimento das idéias sobre currículo no Brasil:

O primeiro – anos vinte e trinta – corresponde às origens do campo do currículo no Brasil. O segundo – fi nal dos anos sessenta e setenta – corresponde ao período no qual o campo tomou forma e a disciplina “currículos e programas” foi introduzida em nossas faculdades de educação. O terceiro – de 1979 a 1987 – caracteriza-se pela eclosão de intensos debates sobre currículos e conhecimento escolar, bem como por tentativas de reconceitualização do campo (p. 15).

O primeiro período citado pelo autor representa o início da pesquisa nacional no campo do currículo, havendo registros que indicam que se começou a pensar e trabalhar sobre o currículo “ofi cial” na década de 1920 (LOPES e MACEDO, 2002). Desde então, houve, certamente, um determinado movimento no campo do currículo; porém, isso ocorreu sem que fosse instaurado um debate entre as idéias de pesquisadores e teóricos nacionais.

No segundo período (décadas de 1960 e 1970), o Brasil encontrava-se no regime militar durante o qual vários educadores fi caram impedidos de comunicar suas idéias. Um exemplo disso foi Paulo Reglus Neves Freire,17 que a essa época estava exilado. Suas posições a respeito

da educação popular chegavam ao Brasil sem que tivessem grande impacto sobre as discussões locais acerca do currículo. Até a década de 1980, portanto, o que se assistiu com maior freqüência foi uma transferência de idéias e teorias de outros países – em especial dos Estados Unidos – para a realidade nacional, incorporando-as diretamente à política educacional brasileira. Tal movimento explicitou-se por meio da adoção, por parte do governo brasileiro, de modelos americanos de projetos curriculares (forma de elaboração e documentação) , como parte de acordos entre os governos dos dois países.18 Embora fossem lidas e estudadas, as idéias de Paulo

Freire19 não chegavam a ser incorporadas aos currículos ofi ciais. 17 Doravante chamado de Paulo Freire, como é mais conhecido.

18 Tais acordos respaldavam-se no Programa de Ajuda à América Latina (LOPES e MACEDO, 2002).

19 Para muitos, Paulo Freire é considerado um autor crítico da educação, mas é possível dizer que vai além disso. Ao criticar o aspecto abstrato dos conhecimentos escolares, propõe que o que se ensina tenha relação com a reali- dade das populações excluídas (e não somente das elites). Ao defender que a educação parta da realidade do aluno e de sua condição de classe, esse autor oferece um meio concreto de lhe dar voz e dotar de signifi cado o ensino que lhe é proferido.

Na década de 1980, o predomínio das idéias norte-americanas é enfraquecido em virtude de novas configurações da política mundial, e discursos educacionais de outras origens passam a influenciar a produção nacional. Começa a ser perceptível no cenário educacional brasileiro a presença de idéias de autores de língua inglesa, em função de trabalhos de pesquisadores nacionais. Assim, abandona-se o modelo de assimilação direta de produções estrangeiras e passa-se a um novo processo de produção do pensamento curricular nacional. Vê-se também o surgimento de influências de pensadores franceses e, devido à conjuntura política brasileira, de grupos nacionais que passam a ganhar espaço na discussão sobre o currículo (LOPES e MACEDO, 2002). A esse respeito, Bittencourt (2003) afirma que

a década de oitenta representou um repensar das problemáticas educacionais no momento de democratização política em que vivia nosso país. A constatação de um sistema educacional “em crise” levou, entre outras medidas, a reformulações dos currículos produzidos durante o regime de ditadura militar e, nesse contexto, surgiram questionamentos diversos sobre as diferentes disciplinas escolares que consideravam, entre outros tópicos polêmicos, os objetivos e o papel social e cultural do saber elaborado para uma escola “para todos” (p. 16).

Nesse momento, é importante destacar o nome de Paulo Freire como um marco fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico sobre o currículo. Com a formulação da “Pedagogia do Oprimido” (1977),20 esse autor procura valorizar a cultura

popular por meio de uma prática pedagógica essencialmente dialógica. Como diz Luiz Alberto Boing (2006), “não se trata apenas de um diálogo de pessoas, mas de culturas” (on-line, s/p). A proposta de Freire destacava a cultura popular quando criava, entre outros

dispositivos didáticos, os “temas geradores” levantamento de uma temática significativa, por meio da qual o educador pode estabelecer relações concretas entre os alunos e o conteúdo programático. Em suas palavras,

o que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus temas geradores (FREIRE, 1977, p. 13).

Pautando-se no conceito de educação problematizadora (FREIRE, 1977), Freire propõe novas alternativas para a educação nacional, as quais são sintetizadas na concepção de educação bancária. Para Silva, T. (2005), as idéias de Freire criticam o caráter “verbalista, narrativo, dissertativo do currículo tradicional” (p. 59) e passam a ter grande infl uência no cenário educacional brasileiro.

Assim, a década de 1990 tem início contando com contribuições variadas no campo

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Embora sua publicação date de 1977, essa obra teve grande infl uência sobre educadores brasileiros notadamente na década de 1980.

do pensamento curricular brasileiro. Nessa época, alguns estudos passam a apontar para uma compreensão de currículo como um texto político que representa um espaço de relações de poder (MOREIRA, 1997). A literatura especializada passa a defender a idéia de que o currículo não pode ser entendido se não forem considerados, simultaneamente, os contextos político, econômico e social.

Muitos trabalhos são desenvolvidos sobre o tema do currículo, e várias questões relacionadas a ele começam a ser debatidas (como seleção de conteúdos, métodos, relações existentes dentro do espaço escolar). Confi gura-se então a idéia de “currículo como construção social do conhecimento” (LOPES e MACEDO, 2002, p. 15).

Na segunda metade da década de 1990, as diferentes infl uências que recaíram sobre o campo do currículo instauram idéias e tendências bastante variadas, o que difi culta que se chegue a uma defi nição precisa do termo. Estudos com temáticas muito diversas são englobados no tema, que começa a ser considerado um campo bastante híbrido no que diz respeito à produção intelectual a ele relacionada:

Essa pluralidade de temáticas exige que a defi nição do campo do currículo supere questões de natureza epistemológica. [...] consideramos que o campo do Currículo se constitui como um campo intelectual: espaço em que diferentes atores sociais [...] legitimam determinadas concepções sobre a teoria de Currículo e disputam entre si o poder de defi nir quem tem a autoridade na área. Trata-se de um campo capaz de infl uenciar propostas curriculares ofi ciais, práticas pedagógicas nas escolas [...]. O campo intelectual do Currículo é um campo produtor de teorias sobre currículos, legitimadas como tais pelas lutas concorrenciais nesse mesmo campo (LOPES e MACEDO, 2002, p. 17-18).

Nessa época, podem ser notadas fortes influências do pensamento curricular espanhol, por meio das idéias do grupo de pesquisadores coordenados por Cesar Coll (1996), desenvolvidas durante a reforma curricular espanhola realizada no início da década de 1990. As idéias defendidas por esse grupo norteiam a produção de importantes materiais no cenário da política educacional de nosso país, que se referem ao currículo das escolas brasileiras: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para o ensino fundamental (BRASIL, MEC/SEF, 1997), e os Referenciais Curriculares Nacionais (RCN), para a educação infantil (BRASIL, MEC/SEF, 1998). Tais documentos expressam orientações que refletem opções feitas pela equipe responsável por sua edição para os sistemas de ensino regionais, com base nas quais a política educacional brasileira deveria ser organizada.

Assim, uma vez explicitada a concepção de currículo adotada nesta investigação, passamos à discussão acerca do currículo referente à etapa da educação infantil denominada pré-escola.

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