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4 O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E A GESTÃO DEMOCRÁTICA: PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

4.2 O CME: marcos legais e importância

Como discutimos no capítulo 2, na década de 1980 foram grandes as transformações políticas em busca de autonomia, esses acontecimentos mobilizaram partidos políticos, instituições, sociedade civil e movimentos populares, os quais, somando esforços, culminaram com a abertura política. Esse processo de abertura política foi consolidado com a promulgação da CF/88, que trouxe avanços significativos para os municípios ao reconhecê- los como entes federativos e autônomos, ou seja, uma união com autonomia relativa à hierarquia das suas atribuições legais, que prevê a participação da sociedade.

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

II – cidadania; [...]

V – pluralismo político.

Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1997, p. 3).

No que se refere à organização político-administrativa do país, o Artigo 18 da CF/88 asseverou que essa “compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta constituição” (BRASIL, 1997, p. 20).

Com relação à competência dos municípios, a CF/88 estabeleceu em seu Artigo 30 que “Compete aos municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e estadual no que couber” (BRASIL, 1997, p. 30). Dessa forma, o pacto federativo pregou que os entes federados são independentes entre si, entretanto a Emenda Constitucional nº 14/1996 e a LDBEN nº 9394/1996 apontaram a importância da colaboração entre os entes para um pleno atendimento aos direitos da população. Esse fato foi marcado por uma disputa de forças políticas, conforme evidenciaram os estudos de Almeida (2005) sobre os processos de descentralização, desconcentração e recentralização, examinados no capítulo 3. Não obstante, pacto federativo pode constituir um instrumento contraditório de ação política que serve a diferentes interesses, tanto para a consolidação da hegemonia do poder central quanto para a construção da cidadania e a ampliação da participação no município.

A Emenda Constitucional nº 14 de 1996, definiu melhor o regime de colaboração entre os entes federados bem como suas áreas de atuação:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º - A União organizará o sistema federal de ensino e dos territórios, financiará as instituições de ensino federais e exercerá em matéria educacional, função redistributivas e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios;

§ 2º - Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (BRASIL, 1997, p. 184-185).

Entendemos que o pacto federativo entre os entes federativos significou para o município a abertura de sua autonomia na busca pelo princípio do bem comum. Para que o todo se desenvolvesse plenamente, foi reservado o direito que possibilitasse às partes o atendimento às suas peculiaridades locais não amparadas pela regra geral. A submissão dos entes federados à União foi entendida como necessária para garantir os direitos mínimos, bem como para corrigir as disparidades regionais e locais.

Foram grandes as contribuições da CF/88 e das demais leis que a complementaram para garantir a participação da sociedade civil na fiscalização e na cogestão das políticas públicas municipais, como um direito e dever do cidadão e não apenas como uma dádiva do Estado. Ao instituir a gestão democrática, a CF/88 dispôs em seu Artigo 206 que “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1997, p. 108). A gestão democrática do ensino público foi regulamentada e aprofundada pela LDBEN nº 9394/1996, constituindo, por meio de normatização, uma estratégia de governo para efetivar direitos, pois pensar a gestão democrática como princípio possibilitou, em alguma medida, a democratização das decisões e ampliação da participação da sociedade. No entanto, apesar dessa garantia legal, somente a participação dos cidadãos e da sociedade civil organizada ou de seus representantes pode de fato consolidar tais direitos.

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...]

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino;

[...]

Art. 8º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

§ 1º - Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.

§ 2º - Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta lei.

[...]

Art. 11. Os municípios incumbir-se-ão de:

I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;

[...]

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 2010).

Esses marcos legais aliados ao processo de descentralização permitiram a criação do CME e constituíram um dos canais de participação para o desenvolvimento da democracia e da cidadania. Porém Silva (2004) aponta que a criação dos Conselhos Municipais de Educação no estado de São Paulo foi anterior à LDBEN nº 9394/1996 e baseiou-se no Artigo 71 da Lei nº 5692/1971:

[...] em 1995, é promulgada a lei 9.143, que fixa normas para a criação, composição, atuação e funcionamento dos Conselhos Municipais de Educação (CME). De acordo com essa lei os Conselhos Municipais passam a ter “caráter normativo, consultivo e deliberativo” e a integrarem os sistemas municipais criados pelo executivo. Ao CEE cabe a fixação dos critérios e condições para delegação de competências aos CMEs, os quais, entre outras atribuições, devem colaborar com o poder público municipal de educação (Art. 4º, Inciso II). (SILVA, 2004, p. 174-175).

Portanto, no Brasil, desde meados de 1996 a legislação preconizava que aqueles municípios que recebessem recursos destinados às políticas sociais deveriam criar conselhos municipais para o devido acompanhamento. A lei determinou a obrigatoriedade de três conselhos na área educacional, a saber: o Conselho Municipal de Educação (CME), o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Esses conselhos têm função consultiva, deliberativa e assessoram o poder executivo. Uma característica peculiar é que, apesar de normatizados por legislação federal e estadual, tais órgãos devem ser criados por lei e por iniciativa do poder executivo municipal, sendo que na sua composição parte dos membros é eleita por seus pares e parte indicada pelo poder executivo, mas todos precisam ser nomeados pelo prefeito.

Para Gohn (2007), os conselhos municipais intencionam mediar relações de conflito e conferir maior interação entre governo e sociedade civil, suas estruturas inserem-se na esfera pública e fazem parte da esfera política, pois integram os órgãos públicos vinculados ao poder executivo municipal e estão voltados à discussão, deliberação e definição de políticas públicas específicas como, por exemplo, o CME. A composição dos conselhos deve ser formada por representantes da sociedade civil organizada e do poder público, os quais têm como função formular políticas públicas em um processo de gestão descentralizada e participativa, além de possibilitar o controle social sobre a gestão da coisa pública, favorecendo uma maior fiscalização e cobrança de prestação de contas dos órgãos públicos.

Segundo Gohn (2007), os conselhos possuem caráter duplo, impregnado por contradições e contrariedades, podendo tanto atuar como um instrumento para a consolidação de uma gestão democrática e participativa, quanto servir de instrumento para a contenção de conflitos, ou, ainda, constituir uma estrutura burocrática para acomodar decisões já elaboradas por cúpulas e repassá-las à sociedade. Logo, a presença dos conselhos no município não descarta a participação e a mobilização da sociedade, pois as conquistas de direitos sociais necessitam de pressões da sociedade para serem ampliadas ou consolidadas, como apontaram Marshal (1967) e Gohn (2007). Nossos estudos parecem caminhar na mesma direção, visto que muitos direitos legitimados como ato podem não se constituir como fato.

Os conselhos são instrumentos de determinados processos políticos e constituem inovações institucionais na gestão de políticas sociais no Brasil. Esses processos podem ter diferentes objetivos, contribuir para mudanças sociais significativas ou auxiliar a consolidação de estruturas sociais em transição ou sob o impacto de fortes pressões sociais. (GOHN, 2007, p. 107). [...] dependendo como são compostos, poderão eliminar os efeitos do

empowerment, do sentido de pertencer dos indivíduos, e reafirmar antigas

práticas herdeiras do fisiologismo. Como tal, carregam contradições e contrariedades. Tanto podem alavancar o processo de participação sociopolítica de grupos organizados, como estagnar o sentimento de pertencer de outros – se monopolizados por indivíduos que não representem, de fato, as comunidades que os indicaram/elegeram. Eles não substituem os movimentos de pressão organizada de massas, ainda necessários para que as próprias políticas públicas ganhem agilidade. (GOHN, 2007, p. 108 – grifos do autor).

A autonomia dos Conselhos deve assegurar não só o processo democrático encadeado na elaboração das leis, mas sobretudo a representatividade dos cidadãos. A autonomia deve, portanto, estimular a participação da sociedade como forma de enriquecimento dos debates.

Espera-se que todos os setores da sociedade cujos interesses voltam-se à área social, dentre elas a educação, estejam representados dentro do Conselho.