• Nenhum resultado encontrado

Reforma educacional e gestão da educação nas décadas de 1980 e

3 POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL, DESCENTRALIZAÇÃO, GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO

3.3 Reforma educacional e gestão da educação nas décadas de 1980 e

De acordo com Mattos (2004), as reformas educacionais implementadas pelos governos brasileiros nos anos 1990 foram estimuladas e influenciadas pelas análises e proposições realizadas no âmbito dos organismos regionais (a CEPAL) e dos organismos internacionais (o BIRD e o BID), como também no âmbito de conferências e reuniões mundiais (como a Conferência Mundial “Educação para todos”, realizada Jomtien, Tailândia, em 1990). A pesquisadora destaca a influência exercida principalmente pelas recomendações do Banco Mundial e do BID, os principais financiadores dos processos reformadores em vários países da América Latina. Para a autora, as análises das orientações advindas desses organismos e instituições permitiriam uma maior compreensão acerca das novas formas de gestão da educação, sobretudo no Brasil, de suas possibilidades e limites para aquilo que se tornou a grande tarefa dos governos nacionais – garantir a universalização do acesso à educação e a qualidade do ensino oferecido.

Em seus estudos, Oliveira (1997) aponta as principais propostas da CEPAL para a educação latino-americana nos anos 1990. Os principais tópicos são: a) superar o relativo isolamento do sistema de educação, de capacitação e de aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos, abrindo-o às demandas sociais mais prementes; b) assegurar o

acesso universal aos códigos da modernidade; c) impulsionar a criatividade no acesso, na difusão e na inovação em matéria científico-tecnológica; d) gestão institucional responsável; e) profissionalização e valorização dos professores; f) compromisso financeiro da sociedade com a educação; g) cooperação regional e internacional.

Conforme aponta Gentilini (2010), tais propostas seriam incorporadas no processo de reforma da educação de vários países latino-americanos, dentre eles o Brasil, durante a década de 1990, como parte da política de descentralização da união e dos estados frente à “nova ordem mundial”. Na sua ponta, o município levaria a cabo a reforma da educação, após o encadeamento do processo de municipalização iniciado pelos estados (FARIA, 2007), em particular pelo estado de São Paulo, onde se encontra o município de São José do Rio Preto e se localiza o CME, nosso objeto de estudo.

Em trabalhos mais recentes, Sander (2003) salienta que é possível identificar dois enfoques distintos e predominantes nos estudos sobre a administração da educação12 na atualidade. O primeiro trata-se do enfoque produtivo, voltado para o mercado, que teve como pano de fundo o processo de globalização da economia e enfatizou a necessidade de as organizações serem eficientes, produtivas e competitivas, segundo a racionalidade empresarial. Já o segundo refere-se ao enfoque democrático, voltado para a cidadania, o qual emergiu como uma conquista dos movimentos sociais que lutaram pela redemocratização das instituições políticas e sociais dos países latino-americanos. Ambos prevaleceram nos processos de reforma da educação dos países latino-americanos durante os anos 1990.

Entendemos que as reformas políticas institucionais desencadeadas no país constituíram um paradoxo, quando, por um lado, permitiram um avanço democrático, pois a descentralização favoreceu e estimulou os processos políticos participativos ao valorizar as localidades nos discursos políticos e durante os processos de normatização; por outro lado, em sua maioria constituíram, na prática, um retrocesso democrático se considerarmos a participação popular, visto que foi uma política de cima para baixo, de fora para dentro. Numa perspectiva de análise comparada com as reformas desencadeadas no processo de abertura e transição democrática do país, abordadas no capítulo anterior, as reformas políticas institucionais pouco contaram com a participação popular e, de certa forma, permitiram a reorganização de grupos políticos com práticas políticas questionáveis de coronelismo, mandonismo e clientelismo, dentre outras, que estavam perdendo forças (AGGIO, 1997). Tais grupos aproveitaram-se da crise política e econômica dos anos 1990 para tomar as rédeas do

poder local e ditar os rumos e ritmos das reformas nas localidades onde estava sua base política, conforme também aponta nossa análise inicial.

No Brasil, o processo de reforma do Estado foi consagrado no Plano Diretor da Reforma do Estado, aprovado em 1995, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. A reforma proposta teve como objetivo central promover a transição de um tipo de administração pública, burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível, eficiente, voltada para o atendimento da cidadania. De acordo com Peroni (2003), tratava-se de transitar de um modelo de administração burocrático, caracterizado pela rígida hierarquia funcional, pela impessoalidade, pelo formalismo e pelo forte controle das ações dos administradores, para um modelo administrativo gerencial, flexível e descentralizado, pelo qual se conferiu maior autonomia e responsabilidade aos administradores, na medida em que os objetivos foram previamente estabelecidos e os resultados posteriormente avaliados. De um modelo que priorizava os procedimentos, as normas e o controle para um modelo centrado nos resultados, na melhor realização dos serviços sociais públicos. Desse modo, a reforma do Estado deve ser entendida no contexto da redefinição do próprio Estado, que deixou de ser o produtor do desenvolvimento econômico e social para ser o promotor e regulador desse desenvolvimento.

Para o Brasil, esse processo de reforma do Estado significou o fim do modelo desenvolvimentista de Estado, criado em 1930 e responsável pela industrialização do país. A presença do Estado na condução das atividades econômicas foi fundamental para o desenvolvimento econômico do país e agora, diante da fixação dos ideais neoliberais, essa presença passa a ser redefinida. Dentre as estratégias de reforma do Estado adotadas no Brasil, o Plano Diretor destacava a privatização, a terceirização e a publicização.

A consideração das mudanças propostas pelo Plano Diretor de Reforma do Estado no Brasil se mostrou plausível na medida em que as alterações dos modelos de gestão – do burocrático ao gerencial – sinalizaram que as instituições públicas estavam acompanhando o movimento geral de mudanças no campo administrativo, ditado pelo mundo empresarial. Racionalizar, cortar gastos, descentralizar, autonomizar, cobrar resultados eram prerrogativas introduzidas nos modelos administrativos do mundo dos negócios, gradualmente inseridas no universo público e, por conseguinte, nos processos de implementação e de avaliação das políticas sociais.

Segundo Shiroma, Moraes e Evangelista (2004), o processo de reforma da educação nos anos 1990 esteve permeado pela ideia de que o sistema educacional brasileiro vivia uma situação de crise, de fracasso e de ineficiência, em virtude da dificuldade de atender as

demandas por educação pública quantitativa e qualitativamente; do fracasso escolar com altos índices de repetência e de evasão escolar; dos altos níveis de defasagem idade/série. Para os autores, a interpretação dessa situação de crise à luz de dados internacionais conduziu o governo federal a concluir que o deteriorado quadro educacional brasileiro devia-se não à falta de recursos, mas à ineficiência em sua gestão. Esse diagnóstico permeou todo o processo de reformas, fazendo com que a reforma da educação assumisse a feição de uma reforma administrativa, ou seja, a proposição de que alterações no plano da gestão resolveriam as deficiências do sistema de ensino nacional.

Nogueira (2002) critica o predomínio de critérios de gestão técnico-burocrático e enfatiza a importância dos critérios políticos, democráticos e participativos no âmbito das reformas educacionais, quando afirma que não basta administrar a escola, é necessário dirigi- la. Nesse sentido, não basta racionalizar estruturas, reduzir custos, criar rotinas ágeis e eficientes, se não houver um movimento de modificação das substâncias, dos sentidos e dos significados da educação; se não defendermos uma escola pública, democrática, cívica e pluralista; se a educação não figurar como grande causa nacional valorizada por todos – uma referência implícita a Azanha. “Necessitamos da escola como fator de universalização da educação laica, democrática, cívica, não como fator de formação para o mercado”

(NOGUEIRA, 2002, p. 32).

Como somos filhos do tempo, tendemos a aceitar a idéia de reforma hoje em circulação: procedimentos e operações destinados a reduzir custos e a ajustar estruturas, a deslocar ‘quantidades’ e não a modificar substâncias, sentidos e significados. (NOGUEIRA, 2002, p. 19).

De acordo com Filmus (1996), antes de qualquer esforço reformador, é necessário que se tenha clareza de qual educação se deseja construir, pois somente assim o processo desencadeado estará em sintonia com aquilo que foi definido como função principal da educação para a sociedade num determinado momento histórico. Essa afirmação nos faz pensar nos limites das reformas educacionais desencadeadas nas diversas esferas governamentais do país, muito mais preocupadas com a delegação de responsabilidades e a racionalização do uso dos recursos e das estruturas, do que com a edificação de um sistema de ensino atento à formação de pessoas capazes de participarem da vida em sociedade. Pessoas essas que devem se inserir no mundo do trabalho, exercer direitos políticos, demandar serviços sociais, enfim, atuar como responsáveis pelo seu destino e o de parte da sociedade.

Interessa-nos saber se os processos políticos participativos que envolveram as reformas possuem sustentação para uma gestão democrática e participativa da sociedade civil, como está previsto em lei. O embasamento legal permitiu que as estruturas organizacionais mais democráticas e participativas funcionem efetivamente na prática? Em que medida o cidadão e a comunidade podem se apropriar dos instrumentos democráticos, ou como podem participar na busca pelo bem comum e por uma melhor qualidade de vida? Tais questionamentos remetem-nos à prática da gestão democrática como ato e como fato na localidade.