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1 INTRODUÇÃO

1.6 Tratamento do Câncer de Reto

1.6.5 Margens distais em cirurgia do câncer de reto

Quanto mais distal o tumor de reto, mais exígua será a margem distal em caso de preservação, mas a margem mínima aceitável levando em relação o risco de recidiva local tem sido muito estudada e debatida. Tumores de reto extraperitoneais possuem o risco de disseminação intramural em sentido distal, mas que dificilmente ultrapassa dois centímetros. Grinnell em 1954 havia determinado que margens distais de 5,0 cm eram adequadas para tumores de reto e sigmoide (GRINNELL RS, 1954). No estudo de Williams e colaboradores de 1983, entre 50 pacientes consecutivos submetidos à APR, 24% possuíam disseminação intramural, 14% distando até 1,0 cm do tumor e apenas em 10% foram encontrados implantes além de 1,0 cm distal ao tumor (WILLIAMS NS e

cols., 1983). Todos os cinco pacientes deste estudo que apresentaram implantes

distando mais de 1,0 cm do tumor tinham tumores pouco diferenciados Dukes C, e vieram a falecer por metástases em até três anos. Pollet e Nicholls também em 1983 verificaram se havia correlação clínica entre tamanho das margens com recidiva e sobrevida (POLLET WW e NICHOLLS RJ, 1983). Estratificando 343 pacientes de acordo com o comprimento em cm de mucosa normal ressecada distal ao tumor (i.e., margem cirúrgica distal), esses autores não encontraram diferença em sobrevida ou recidiva local quando as margens foram <2,0 cm (Grupo 1); 2,0 a 5,0 cm (Grupo 2); ou superiores a 5,0 cm (Grupo 3). Nos grupos 1, 2 e 3, as taxas de recidiva local foram de 7,3%, 6,8% e 7,8%, respectivamente. Apenas o estádio clínico Dukes A foi associado à menor taxa de recorrência local (1,5%, p-valor<0,005).

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Outro estudo, desta vez japonês, procurou detectar implantes tumorais não contíguos ao tumor principal na margem distal de 556 pacientes submetidos à ressecção de tumor de reto sem tratamento neoadjuvante entre 1981 e 1999 (UENO H

e cols., 2004). Em 10,6% dos pacientes, foi encontrada disseminação intramural, e

implante mais distante estava a 24 mm do limite inferior do tumor. Dos 56 espécimes cirúrgicos com disseminação intramural, em apenas dois esta se deu além de dois centímetros do limite inferior do tumor. Esses autores consideram possíveis margens inferiores a 2,0 cm nos pacientes sem fatores de risco para disseminação intraluminal (presença de brotamento tumoral (budding) na submucosa da margem invasora do tumor, tumor anelar acima de três quartos da circunferência, ou tumores do tipo 3 macroscópico [infiltrativo]).

Em pacientes submetidos a tratamento neoadjuvante com RXT/QT, a incidência de implantes intramurais parece ser menor. No estudo do Hospital Memorial Sloan-

Kettering Cancer Center de Nova Iorque (MSKCC), em apenas em 1,8% dos pacientes

foram encontrados implantes intramurais distais ao tumor (GUILLEM JG e cols., 2007), sendo que nenhum implante foi encontrado além de 1,0 cm do limite inferior do tumor.

No estudo de VERNAVA e colaboradores de 1992, pacientes com margens cirúrgicas distais iguais ou inferiores a 0,8 cm apresentaram 30% de recidiva na anastomose versus 10% no grupo com margens acima de 0,8 cm (p-valor=0,01). Da mesma forma, a SG em cinco anos naquele grupo foi pior (49,3% versus 67,5%; p-valor = 0.01), o que levou esses autores a recomendar uma margem mínima de 1,0 cm.

Embora implantes intramurais estejam confinados geralmente nos 1,5 cm a 2,0 cm distais ao tumor, implantes na gordura mesorretal podem ocorrer até 4,0 cm distal ao tumor (ZHAO GP e cols., 2005), principalmente na presença de linfonodos positivos. Esse achado implica na prática da ressecção completa do mesorreto em todos os tumores do reto distal.

Em um estudo coreano de 917 pacientes (KIM YW e cols., 2009), margens menores que 1,0 cm não apresentaram taxas de recidiva aumentadas comparadas a margens maiores que 1,0 cm (4,2% versus 4,1%), mas estiveram associadas a tumores com menores distâncias à MA, em média 6,2 cm versus 8,2 cm (p-valor<0,001).

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Entretanto, margens distais positivas tiveram risco de recorrência anastomótica aumentado em 16 vezes. Importante ressaltar que neste estudo apenas 7,3% dos pacientes foram submetidos a tratamento neoadjuvante.

Para avaliar o impacto de margens menores que 1,0 cm em pacientes submetidos à RXT/QT neoadjuvantes, Moore HG e colaboradores do Hospital MSKCC, em 2003, avaliaram 94 pacientes portadores de CR até 12 cm da MA submetidos à RAR após RXT/QT neoadjuvantes. Não foi encontrada diferença em recidiva local (12% versus 9%) ou SLD em três anos (82% versus 85%), quando a margem distal foi maior ou menor que 1,0 cm.

Já no estudo randomizado multicêntrico polonês comparando tratamento neoadjuvante com RXT/QT versus RXT hipofracionada, Rutkowski e colaboradores, em 2008, analisaram 166 pacientes submetidos à RAR após tratamento neoadjuvante. Não houve diferença nos 42 pacientes com margens macroscópicas menores ou iguais a 1,0 cm em relação aos 124 pacientes com margens maiores que 1,0 cm em relação à recidiva local (11,3% versus 15,4%, p-valor=0,514) ou SG (65,6% versus 71,0%, p- valor=0,663).

Esses mesmos autores avaliaram uma série histórica de um único serviço posteriormente para avaliar a segurança de margens ainda menores, no caso 5,0 mm (ROTKOWSKI A e cols., 2010). Para essa análise, foram avaliados 410 pacientes submetidos à RAR com margem radial negativa, com ou sem tratamento neoadjuvante (RXT/QT em 16%, RXT hipofracionada em 44%). A taxa de recidiva local em pacientes com margens iguais ou menores que 5,0 mm foi de 5,2% (IC 95%: 0-10,9%), não significativamente maior que os 4,0% (IC 95%: 2,0-6,0%) de recidiva local quando a margem foi maior do que 5,0 mm (p-valor= 0,719). Não houve diferença na taxa de recidiva local em relação ao tamanho das margens independentemente da terapia pré- operatória. Pacientes com margens <5,0 mm ou >5,0 mm tiveram SG equivalente (82,4% versus 76,3%, p-valor=0,581).

NASH e colaboradores do MSKCC avaliaram a relação de recidivas com margens distais em 627 pacientes portadores de CR submetidos à RAR entre 1991 e 2003 (NASH GM e cols. 2003). Foi encontrada associação entre recidiva e distância da

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margem enquanto variável contínua, mas não como variável binária quando estipulado um ponto de corte de 8,0 mm (baseado no estudo de Vernava e colaboradores); porém quando estudadas apenas as recidivas na mucosa retal, os pacientes com margens iguais ou menores a 8,0 mm tiveram maior taxa de recidiva (5% versus 2%, p- valor<0,001), mesmo nos pacientes submetidos à neoadjuvância. Esses autores concluíram que embora se deva buscar margens maiores quando possível, margens inferiores 1,0 cm podem ser admitidas no contexto de preservação esfincteriana, já que a recidiva local é evento raro mesmo quando as margens são exíguas, e a maioria das recidivas é distante (19%) e não locorregionais (7,9%). Pacientes com invasão linfovascular apresentam risco aumentado para recidiva na mucosa e na pelve.

Finalmente, uma revisão sistemática da literatura publicada em 2012 (BUJKO K e

cols., 2012) selecionou 17 publicações e estudou a associação de margens menores

que 1,0 cm com risco de recidiva. Em apenas dois dos 17 estudos, foi encontrado risco de recidiva aumentado para margens menores que 1,0 cm e, em apenas um de oito estudos, houve aparente impacto na redução de sobrevida. A metanálise encontrou risco aumentado em 1% para recidiva local nos pacientes com margem menor ou igual a 1,0 cm e, em 1,7% quando a margem era menor ou igual a 5,0 mm, em ambas as análises sem significância estatística (p-valor=0,175 e p-valor=0,375, respectivamente). Estes autores concluíram que margens distais menores que 1,0 cm não comprometem o resultado oncológico em tumores de reto distal, mas em geral no grupo de margens menores houve seleção de pacientes com características favoráveis em relação ao pacientes submetidos à APR ou RAR com margens maiores. Foi ressaltado também que pode ocorrer retração da margem por cerca 10 a 20 minutos após a extração do espécime cirúrgico e na fixação do mesmo em formaldeído, de forma que a margem estabelecida no ato intraoperatório pelo cirurgião pode divergir daquela descrita pelo do patologista (i.e., a margem pode “encolher”).

Embora margens distais inferiores a 1,0 cm pareçam ser seguras, outras variáveis possuem maior impacto nas taxas de recidiva local, entre elas o grau de infiltração na parede retal T3 e T4 (KIM YW e cols., 2009), a margem radial <1,0 mm (WIBE A e cols., 2002) e variáveis histopatológicas como a invasão linfovascular (NASH GM e cols., 2010), e o valor do antígeno carcinoembrionário (CEA) acima de 5,0 ng/ml (KIM YW e

52 cols., 2009).