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“Tenho muita saudade da minha terra e do meu povo”

Acho importante esse tipo de trabalho baseado na história de vida de pessoas como eu, porque até hoje o que está na história, nos livros e é ensinado para os estudantes no colégio é que o Brasil foi construído por homens brancos de origem européia. Cadê as mulheres nessa história? Cadê os negros? Por que os índios não aparecem? Não somos a minoria - como eles falam e querem fazer a gente acreditar - e esse país foi feito com o nosso trabalho, com os nossos esforços e isso precisa ser conhecido e valorizado! A gente tem uma experiência de vida para contar, uma experiência de sobrevivência e trabalho. No meu caso não foi uma experiência muito boa.

Vim do “norte” há muitos anos, sou piauiense. Na primeira vez que vim para São Paulo eu tinha dez anos. Cheguei aqui, não conhecia nada, nada, nada. Fui morar na Vila Anastácio, com uma tia minha e comecei a trabalhar ajudando ela. Minha tia trabalhava para três empresas grandes, tinha uma pensão e servia refeições para 130 homens, empregados dessas empresas. A gente fornecia café da manhã e almoço. Para os que moravam na pensão também servíamos janta. Muitos daqueles rapazes moravam na pensão.

Era muito trabalho e era muito frio em São Paulo naquela época. De manhã cedo, quando você levantava caía gelo, a água da torneira ficava congelada. A gente levantava quatro ou cinco horas da manhã, e eu ainda era pequena, dez anos de idade. Assim fomos convivendo.

Nossa vida lá na roça também era muito difícil. Nós éramos muito pobres, morávamos em uma casinha coberta com palha de coco, mas não chovia dentro. Era uma casinha feita de varas, parecida com uma cabana de índio, e ali meu criou a nós todos, trabalhando na roça.

Quando peguei certa idade minha tia chegou e me convidou para vir para São Paulo, pediu para meu pai deixar-me vir trabalhar com ela. Fiquei ansiosa para conhecer São Paulo, porque ouvia falar muito sobre essa cidade pelo rádio. Naquela época não tinha televisão. Meu pai tinha um rádio velho, bem grande, que era ligado todos os dias às seis horas da tarde para a gente “assistir” a reza. Hoje, sou evangélica e não falo reza, falo oração. Meu pai ligava aquele rádio para ouvir as notícias também, para saber o que acontecia no mundo e aquele rádio velho falava, falava, falava até as oito horas da noite. Depois ele desligava, acendia uma fogueira lá fora e ali era a nossa convivência de todos os dias.

Vim para São Paulo com minha tia, morei com ela quatro anos da primeira vez, fiquei na pensão com ela, servindo comida àqueles rapazes, era tanta comida meu Deus, tanta carne, tanta coisa! Nós trabalhávamos dia a dia, de domingo a domingo, sem parar. Quando estava com os meus quatorze anos voltei para a roça, voltei para a casa dos meus pais e ali fiquei mais um ano e

pouco. Depois que completei quinze anos minha tia me chamou de volta, porque estava precisando de mim para ajudar na pensão. Voltei novamente para São Paulo, desta vez mais madura, com um objetivo: assim que completar 18 anos arranjar um emprego remunerado e comprar uma casa para meu pai. Voltei e fiquei trabalhando com ela até completar dezoito anos, quando cheguei à maioridade falei: “Tia, agora sou maior de idade, vou tirar meus documentos porque preciso trabalhar. Já sei cozinhar, já sei limpar uma casa, agora preciso trabalhar para tirar minha mãe daquela situação em que ela está!” Ela disse: “Tudo bem, minha filha, eu não posso fazer nada, você já é maior, você sabe o que faz”. De Vila Anastácio, em Osasco, fui para o Campo Limpo, para a casa de uma irmã porque já tinha uma irmã que morava aqui. Ela me arrumou emprego em casa de família. Graças a Deus trabalhei bastante tempo e consegui dar a casa que o meu pai queria, construí a casa do meu pai, com sete cômodos, enorme, lá no Piauí, no sítio, na roça.

Eu mandava dinheiro para a construção da casa todo mês, e olha como era engraçado... Hoje nós temos Banco de toda a espécie para depositarmos um dinheiro, transferirmos para o número da conta desejado, automaticamente, mas naquela época não tinha. Naquela época a gente escrevia uma carta e mandava o dinheiro junto com ela, quando achava alguém para levar. Olha o que eu fazia: pegava um envelope, colocava uma quantia, nem me lembro mais que dinheiro era, porque hoje a gente trabalha com Real. Colocava uma cédula dentro do envelope, dobrava uma folha de caderno umas três, quatro vezes em cima daquela nota de dinheiro, colocava no envelope, ia aos Correios, registrava aquele envelope, colocava o destinatário para uma pessoa retirar, nos Correios, e levar até meu pai lá na roça! Era muito estranho, né? Hoje é diferente.

As pessoas eram muito solidárias, entregavam direitinho, não roubavam um centavo! Até hoje o povo do Nordeste tem muita honestidade. A palavra daqueles homens e daquelas mulheres da roça é rígida, não muda!

Quem recebia minhas cartas e entregava para meu pai era um senhor chamado José Barbosa, que infelizmente já faleceu. Ele recebia minhas correspondências e mandava aqueles açougueiros, que trabalhavam de cavalo, de jumento, lá para o interior e orientava-os: “Fala para o compadre Raimundo que tem uma carta de Paixão para ele aqui” Meu nome é Maria da Paixão, mas me chamam de Paixão. Seu José Barbosa ia aos Correios, recebia, assinava aquele envelope, achava que era uma carta comum, mas meu pai abria e era dinheiro, e eu mandava apenas duas palavras escritas: “Compre bloco”. Naquela época nós não chamávamos bloco, chamávamos adobe. Dizia para ele: “Compre o adobe para fazer a casa” e ele comprava. Quando terminei de mandar o dinheiro para comprar o material falei: “Agora arrume o pessoal para levantar a casa, que vou mandar o dinheiro para pagar a mão-de-obra”. Sabe como eu conseguia juntar esse

dinheiro? Minha tia não me pagava nada, mas daqueles 130 homens que tinham naquela pensão, muitos, digamos que uns 30 ou 40 moravam na pensão, porque era uma pensão bem grande, tinha vários quartos e cada quarto tinha quatro camas, com beliche. Eu lavava roupa para eles. Aquele dinheiro que mandava para a construção da casa de meu pai, era de roupa que eu lavava. Aí, quando peguei minha idade e fui trabalhar fora comecei a mandar um pouco mais: “Agora choveu dinheiro, agora está melhor a situação!”. Minhas patroas me ajudavam muito, me davam roupas, davam roupas para eu mandar para eles e fui conseguindo. Devagarzinho aquela situação foi melhorando e assim fomos convivendo...

O meu pai, coitado... Lembro que a melhor roupa dele - que era de vestir para ir para a cidade - era uma camisa, só que do tecido dela mesmo havia bem pouco. Tinha vários e vários pedaços de outros panos que minha mãe colocava, vários remendos. Ele vestia aquela roupa e recebia muita crítica porque a família da minha mãe era melhor de vida. Criticavam minha mãe por ter se casado com meu pai. Meu pai era pobrezinho, vivia naquela situação e eles humilhavam muito a gente por causa disso. Ainda hoje tem um pouco disso, mas agora a gente cresceu, sabe se defender.

Minha mãe lavava aquela roupa para meu pai, aquela calça com um milhão de remendos, coitado, do tecido da calça só tinha mesmo o corredor e a costura, o resto era só remendo. Aquilo me angustiava muito, sofria muito com aquela situação! Quando comecei a trabalhar em casa de família, minhas patroas perguntavam como eram meus pais, minha família, e a gente começava a se tornar amiga. Elas ficavam com dó da situação e começavam a mandar coisas para minha mãe, para meu pai e meus irmãos, mandavam roupas. Somos oito ao todo, três mulheres e cinco homens. Sou a caçula.

Meu pai construiu a casinha, e quando estava pronta, de telha nova, disse: “Minha filha, não precisa mandar dinheiro para eu comprar cimento não, porque cimento é luxo. Vou aterrar ela”. Não tem aquelas casinhas de chão de terra, de barro? Fica bem firme. Nós fizemos um serviço desses esses dias, construí uma casa lá no Piauí esses tempos, de chão batido, bem firme, bem bonito. Meu pai falou: “Filha, não precisa mandar dinheiro para cimento, não, arruma dinheiro para você se cuidar porque eu já aterrei e está bom”. Mas falei: “Vou mandar sim porque mamãe não agüenta fazer o serviço sozinha, é muita coisa, não tem água, água é difícil e com piso de cimento, passou um paninho já tá limpo, não precisa ta varrendo toda hora”. Consegui mandar o dinheiro para meu pai fazer o pisinho da casa, ele fez, colocou o reboco - lá o reboco é feito de barro mesmo, e ficou bonitinha a casa da minha mãe. Em comparação com onde ela vivia, passou a morar em um palácio!

A casa somente eu ajudei a construir, meus irmãos que moravam aqui em São Paulo enviavam dinheiro para comprar outras coisas, como alimentos, porque às vezes não tem inverno

e quando isso acontece, as pessoas do sertão do Piauí passam muita necessidade, até hoje. Lá eles vivem da agricultura, não tem firmas, não tem empresas, não tem emprego. Aqui em São Paulo a gente encontra um serviço de faxineira aqui, diarista lá, arrumadeira em casa de família, mas lá é muito difícil você encontrar um trabalho. As pessoas vivem das plantações, da lavoura. Se não tem inverno não tem colheita. Inverno que eu falo é chuva. Se não tem inverno, a lata de óleo passa a custar R$: 4,00 ou R$: 5,00, o feijão, o arroz, as coisas todas aumentam de preço. É um custo de vida alto e não se tem como pagar, fica difícil sobreviver. Quando não tinha inverno era uma situação muito difícil, era uma tristeza!

Meus irmãos José de Anchieta e Maria das Graças já eram casados nesta época, tinham a família deles para se preocupar, mas meu irmão que era solteiro ajudava muito meu pai. Meu pai falou: “Paixão já está mandando dinheiro para construir a casa, então vocês arrumam aí para outra parte”. Lá eles fazem as portinhas pela metade, é diferente daqui, só abre a parte de baixo.

Pensei: “Fiz a casa para minha mãe agora vou fazer a minha vida”. Continuei trabalhando e lá na casa do seu Miguel, em Pinheiros, encontrei um pedreiro. Ele estava trabalhando para o seu Miguel, em uma construção. Seu Miguel era advogado. Conheci esse pedreiro, gostei dele, ele de mim e juntamos os trapos. Fomos morar juntos. Nessas alturas já tinha meus 22, 23 anos, fui morar com ele e comecei a ter meus filhos. Falei: “Meu Deus, vou começar a ter minha família e me responsabilizar por alguma coisa na minha vida”. Tive, desse casamento, a Luciana, que foi a primeira, o Felipe, que está com 22 anos e a terceira foi a Laura.

Não deu certo, o pai deles não tinha juízo, era muito novo, não tinha responsabilidade. A vida dele era dançar em festa, saía sexta e só voltava segunda, com a camisa nas costas. Eu falava: “Genival, cadê o leite dos meninos?” E ele: “Só semana que vem”. Passar a semana inteira com fome para comer na próxima semana? É um tonto, né? Tive muita luta porque os meninos começaram a nascer e eu não tinha quem cuidasse. Precisava trabalhar, mas como Laura deu muito trabalho, era muito pequena, ninguém queria cuidar dela porque tinha medo. Era prematura, nasceu com menos de sete meses. Felizmente encontrei um trabalho em Pinheiros, na Avenida Deputado Lacerda Franco, em uma empresa chamada Construtora Ipê, e meus patrões – eram cinco - montaram um quartinho em uma varanda, colocaram um bercinho e me deixaram ficar com Laura perto de mim. Todos os dias levava a Laura para trabalhar comigo, ela não chorava, o chora dela era um “hum” de tão fraquinha que era, e quando emitia esse som, parava tudo para cuidar dela. Muitas vezes os patrões iam embora e deixavam o escritório aberto para eu ficar até terminar o serviço e sair com Laura. Chegava à casa nove, dez horas da noite. Hoje, graças a Deus Laura está aí, com 19 anos, vai fazer 20 no dia quatro de Abril, e daí por diante minha luta foi essa: trabalhar e criar meus filhos.

Tenho sete filhos, não me arrependi. Tenho também um neto de quatro anos que se chama Johnatan, está lá no Piauí, é o filho da minha filha mais velha. Tem Laura, que agora está grávida, mas os outros rapazes não têm filho.

Acho que sou uma mulher vencedora porque criei meus filhos. Depois de meu casamento com Genival tive mais qauatro filhos, que não são filhos dele: o Cássio, o Rodolfo, a Caroline e a Luana. A Luana é filha desse Barba que a Laura fala na entrevista, que considera como padrasto. Fui batalhando, tentando encontrar alguém para me ajudar a ser feliz, mas a sorte não bateu. Fui de um lado, de outro, arrumei um aqui, outro ali, não deu certo e acabei ficando sozinha. Mas os meus filhos estão aí, os meus filhos rapazes: o Felipe, o Rodolfo, o Cássio, tenho uma mocinha com 12 anos, que é a Luana e agora essa minha pimenta, que é a Carol, e que espero que seja a última, com fé em Jesus.

Estou lutando, no momento estou desempregada, procurando, mas se Deus quiser vou encontrar logo um emprego porque preciso trabalhar, preciso ajudar meus filhos. Minhas filhas estão casando, estão vindo os meus netos e preciso mostrar para eles que sou uma avó guerreira, e quero que minhas netas sejam como eu: trabalhadeiras, lutadoras, de uma moda sem prejudicar ninguém, honestas, decentes, pobres, mas dignas porque acho que o mais importante é você ter dignidade. Não importa o que você é, o importante é que você seja honesto, que você possa entrar e sair em qualquer lugar, sem deixar mancha em canto nenhum. A virtude é algo que ninguém tira, que vem de berço, vem de longe. Digo para eles todos os dias: “Quero que vocês sejam exatamente isso, não precisam ser mais, porque se você quiser ser mais do que isso não vai conseguir, vai atropelar lá na frente. Vocês têm que ser como são e do jeito que eu ensinar para vocês está bom, porque até aqui para mim foi ótimo”. Se eu passar daqui para lá acho que não vou conseguir. Até aqui foi ótimo, foi bom, foi maravilhoso!

É uma pena que perdi a minha mãe, vai fazer três anos. Mas é essa a vida, isso faz parte. Há três anos foi ela, depois vai ser outro, daqui a 10, 15 anos não sei, vai ser eu, vai ser nós, mas uma coisa eu digo: quando eu faltar nessa terra quero que meus filhos, meus netos e até a minha quarta geração... Não quero que falem: “minha avó, minha mãe, foi uma pessoa inútil”. Não, quero que eles falem: “Ela morreu, mas morreu lutando, morreu falando” Eu falo muito e quero que eles passem para os filhos deles e para os netos deles aquilo que ensino. E vão passar porque Jesus é bom.

Ensino também a outra parte do Evangelho. Costumo dizer para eles: “A primeira coisa que você tem que fazer quando abrir os olhos é se agarrar em Deus, porque ele é o nosso ontem, o nosso hoje e será para sempre. Sem Deus nada podemos fazer”. Tudo o que somos, tudo o que temos, tudo o que vivenciamos é permissão de Deus. Se hoje estou dando essa entrevista é porque tive permissão de Deus. Temos que agradecer a ele por todas as lutas, e já fazia isso

mesmo quando era pequena, pobrezinha, que não tinha sequer um chinelo para por nos pés. Muitas vezes, quando meu pai podia comprar um chinelinho assim, de dedo, para a gente calçar, ficávamos tão orgulhosos que nem o calçávamos. Colocávamos nas mãos ou dentro de uma vasilha e íamos buscar água numa distância como daqui lá na avenida ou um pouco mais longe. A gente colocava dentro do balde para fazer inveja nas amiguinhas porque a gente tinha e elas não. Pisávamos no chão quente, mas não calçávamos os chinelo nos pés, para não sujar, para não estragar.

Hoje agradeço a Deus porque tenho meu guarda-roupa com roupas de vestir em casa, roupas de vestir na igreja, roupas de vestir no trabalho, roupas de sair. Naquela época a gente não tinha. Meus pais faziam roupa de saco de açúcar para a gente usar, fazia chinelo de couro de gado para nós calçarmos. As coisas melhoraram daquela época para cá e creio que daqui para frente é só vitória!

Falei para minha família que vou me casar de novo, que quero arranjar um companheiro para eu viver junto mais uns 20 anos! Não quero ficar sozinha porque eles vão todos casar, sair de casa, viver a vida deles. Acho que o Cássio já está namorando, está com uma cara de sapeca... Quero arrumar um companheiro, mas um companheiro de Deus, evangélico, porque aí ele não vai me trazer muitos problemas, como os que tive no passado. Se não for dessa forma também não quero. Estou bem abençoada sozinha, mas se vier um servo do senhor para me ajudar a aconselhar meus filhos quando eles precisarem, vou aceitar.

Sou da Igreja Deus é amor. Na igreja Deus é amor sou nova, tenho apenas cinco anos de caminhada, mas já faz dez anos que sou evangélica. Saí da igreja em que congregava, passei uns dois ou três meses sem congregação nenhuma, depois o Espírito Santo de Deus me guiou à igreja Deus é Amor. Dia 30 de Maio vai fazer cinco anos que me batizei e para a glória de Deus hoje sou pregadora da sua palavra. Não para a minha honra, mas para a honra do nosso Deus, e falo muito porque crente fala demais!

Costumo falar, falar, tenho essa coisa de falar e agradeço a Deus porque ele nos deu a boca, a língua para nós falarmos, se fosse para ficar mudo ele não tinha dado, não é verdade? Então, minha filha, essa é uma parte da minha história, uma história de luta, de vitórias e muita saudade da minha terra e do meu povo.

Quando morava no Piauí era muito bom! A gente buscava lenha no mato, a gente ia para a roça trabalhar, trabalhava na enxada e quando era uma base de umas cinco horas da tarde, cinco e pouco, meu pai falava: “Meus filhos, vão buscar lenha!” Aí agente ia paro o mato cortar lenha, eu já passava a mão no machado, porque era boa de machado, até hoje sou, porque o profissional não esquece sua profissão. A gente ia para o mato, trazia aquelas lenhas bonitas, colocava no terreiro. Terreiro aqui é coisa de macumba, mas lá, terreiro é a frente da casa, onde

nós varríamos com aquelas vassouras de malva que eram uma bênção. Quando era noite o meu pai acendia aquela fogueira e se era época de inverno a gente ia assar milho, assar batata doce, se não era época de inverno o meu pai sentava ali com nós todos e começava a contar história. Mas era mentiroso, contava cada história! Eram lindas as histórias do meu pai!

Uma vez ele falou uma história que me deixou amedrontada, essa é uma história verdadeira, não é conto da carochinha, não. Foi um fato que aconteceu quando ele era rapaz, tinha entre os seus 15 e 18 anos. Ele não foi criado com o pai dele, o nosso avô a gente não chegou a conhecer. Foi criado em uma fazenda chamada Massapé, lá no interiorzão do Piauí, nem sei para onde fica.

Papai trabalhava de vaqueiro e para sair de uma fazenda para outra era muito longe, dois, três dias e viajem. Ele disse que ia com os vaqueiros levando um gado e que tinha um lugar em uma baixada... Quando estavam bem lá no alto, lá em cima, altas horas da noite, começaram a sentir sede. A água que eles lavavam naquelas cabacinhas tinha acabado. Meu pai falou: “E agora? Como é que a gente vai fazer? Não tem água!” Aí o colega dele disse: “Olha, Raimundo, lá em frente tem uma casa, vamos encostar o gado, ver se o companheiro lá tem curral para gente colocar o gado e pousar por lá até o dia amanhecer. Quando o dia amanhecer nós segue em frente com o gado”.