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A Lei Maria da Penha na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica contra o gênero feminino

A busca pela proteção dos direitos humanos da mulher: as raízes da violência doméstica contra o gênero feminino

2.2 Breve histórico sobre a origem da violência doméstica: a (des) proteção aos direitos da mulher

2.2.1 A Lei Maria da Penha na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica contra o gênero feminino

Como abordado no tópico anterior, e ainda salientando sobre o assunto, Dias (2008) relata que a situação milenar de desigualdades entre os homens e as mulheres, ininterruptamente, impôs à mulher a relação de inferioridade, obediência e submissão, configurando uma notória afronta aos direitos humanos. Com relação à violência, denotam-se vários meios de violação a esses direitos, os mais assíduos são o defloramento ao direito à liberdade e ao direito à igualdade que cabem a qualquer pessoa.

O ordenamento jurídico brasileiro faz parte de um processo histórico evolutivo, que obteve uma maior saliência a partir do século XX, “quando a ação organizada de movimentos sociais diversos contribuiu para a ampliação da cidadania e novos sujeitos foram incorporados, em particular as mulheres, tendo reconhecidos seus direitos” (BASTERD, 2011, p. 13). Nesse processo evolutivo, os movimentos das mulheres instituíram respeito, o que foi considerado decisivo para a sustentação dos direitos conquistados e para a possibilidade de conquistar novos direitos.

A Basterd destaca o referido processo como sendo um avanço legislativo:

Esse processo de luta por direitos, voltado para a eliminação de todas as formas de discriminação, incluindo a dominação masculina, apresenta, ao longo das últimas três décadas, um

conjunto de importantes avanços legislativos e de políticas públicas que não pode ser subestimado (2011, p. 14-15).

Notadamente, os movimentos feministas foram primordiais para a diminuição da violência de gênero. Foram diversas as lutas para coibir a grave violação dos direitos humanos das mulheres, que conquistaram diversas soluções, com a implementação de atos, leis e mecanismos coibidores da violência doméstica e familiar. O legislador visou proteger não qualquer sujeito, mas sim a mulher, não em virtude do sexo, e sim em virtude do gênero (DIEHL, 2011, s.p.).

Contudo, essa normatização não foi capaz de extinguir, por si só, a longa trajetória histórica “de dependência e subordinação da mulher em relação ao homem, o que torna um grande desafio deslocar a igualdade de gênero do meramente formal para o real” (RUIZ; PINTO, 2011, p. 4).

Nesse sentido, com os avanços obtidos voltados ao enfrentamento da violência contra as mulheres, como a Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres passou a ter uma maior visibilidade, assumindo uma integral proteção ao direito fundamental humano (DIAS, 2008, s.p.).

Andreucci (2013, s.p.) discorre que o legislador observou e estabeleceu o meio espacial no qual se enquadram os direitos protetivos decorrentes da violência doméstica e familiar. Foi cauteloso quanto ao novo conceito de família, que compreende as relações monoparentais, as famílias adotivas e homoafetivas, também os casos das pessoas que se consideram parentes e as relações de casamento e união estável.

Dessa forma, a Lei Maria da Penha estabeleceu mecanismos para auxiliar, dar assistência, atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, formalizou medidas integradas de prevenção da violência, medidas protetivas de urgência e os procedimentos em relação ao âmbito jurídico, também instituiu o atendimento multidisciplinar, dentre outras normas.

Algumas dessas medidas são as prisões em flagrante do agressor, as prisões preventivas quando houver indícios de ameaça à integridade física da mulher, também estabeleceu as medidas protetivas como no caso de afastar o agressor do domicílio ou ainda proibir que ele se aproxime da mulher agredida e dos filhos (BRASIL, 2006).

De acordo com Instituto de Pesquisa Econômica Ampliada (IPEA), a entrada em vigência da Lei Maria da Penha,

[...] foi um dos mais empolgantes e interessantes exemplos de amadurecimento democrático no Brasil, pois contou com a participação ativa de organizações não governamentais feministas, Secretaria de Política para Mulheres, academia, operadores do direito e o Congresso Nacional. Por outro lado, a lei incorporou aspectos inovadores ao tratar de forma integral o problema da violência doméstica e ao considerar a necessidade de implantação de onze tipos de serviços e medidas protetivas para garantir direitos e tentar levar a paz aos lares (BRASIL, 2015, p. 32). Em atenção às recomendações consignadas na Lei 11.340/06, foram criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar especializados na aplicação da referida Lei, que apontam dados significativos, encaminhados ao Conselho Nacional de Justiça no ano de 2015, considerando o elevado número de processos nas Varas de violência doméstica (BRASIL, 2018).

Também, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI-VCM), em seu relatório final, no ano de 2013, definiu feminicídio como a morte de uma pessoa do sexo feminino por pertencer a esse gênero, ou seja, uma relação de empoderamento, discriminação e desprezo que advém de uma cultura patriarcal e machista (BRASIL, 2013).

Em março de 2015, a presidenta Dilma Rousseff, sancionou a Lei nº 13.104/2015, Lei do Feminicídio, que surgiu em decorrência dos altos índices da violência contra as mulheres. A Lei alterou o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848/40, Código Penal Brasileiro, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e

o art. 1º da Lei nº 8.072/90, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos, classificando-o com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.) (BRASIL, 2015).

O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante (BRASIL, 2013).

Dessa maneira, a finalidade da lei, em que pese tenha sido criticada por juristas, operadores do Direito e dos movimentos sociais feministas, tem como condão principal “a caracterização de letalidade intencional violenta por condição de sexo”, ou seja, entende-se que a lei do feminicídio existe quando a agressão envolve violência doméstica e familiar, ou quando evidencia “menosprezo ou discriminação à condição de mulher, caracterizando crime por razões de condição do sexo feminino” (BRASIL, 2015, p. 7).

Conforme preceitua Eleonora Menicucci, ministra chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República:

Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie (BRASIL, 2013).

Por sua vez, a Lei do Feminicídio foi criada com base em uma recomendação da CPMI, que investigou a violência contra as mulheres nos estados brasileiros, de março de 2012 a julho de 2013, devido aos dados alarmantes em relação às taxas de assassinato constatado pelo Mapa da violência em 2015, um estudo realizado por Julio Jacobo Waiselfisz, com a cooperação e divulgação OPAS/OMS, ONU Mulheres, SPM e Flacso.

Diante disso, “negar a necessidade de proteção à mulher é vendar os olhos para a própria realidade oriunda de uma evolução alicerçada na consagração da inferioridade feminina não apenas no âmbito da sociedade, mas especialmente no seio familiar. “ (RUIZ; PINTO, 2011, p.8). Embora a luta feminina tenha tido inúmeras conquistas, a violência contra as mulheres ainda é uma realidade existente na sociedade.

Os direitos normatizados na legislação brasileira em favor das mulheres denotam a vitória da luta feminista pela igualdade de gênero, dentro de uma sociedade que guarda fortes resquícios da estruturação patriarcal. Importante mencionar que as ações conduzidas pela Lei Maria da Penha demonstram diversos resultados, mas é perceptível a longa jornada que ainda se projeta frente à necessidade de melhora das condições em que se encontram as vítimas de violência doméstica e familiar, as mulheres brasileiras.

Realizados, em síntese, os apontamentos sobre a Lei Maria da Penha, na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica contra o gênero feminino, e considerando a pertinência com o tema, traz-se as contribuições feministas para o desenvolvimento das mulheres, por meio da compreensão, da luta e da prevenção da violência contra a mulher.