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MATERIALIDADES MEDIANDO PROCESSOS DE

3.2 Matérias-primas

3.2.1 O vime: cultivo e preparo da fibra

Inicio apresentando o vime234, matéria-prima característica e tradicionalmente empregada desde o surgimento da produção, tanto na comunidade de artesãos de Santa Felicidade - em Curitiba, como na Europa, de onde foi trazida pelos primeiros imigrantes que vieram ao Brasil. Armando Túlio, que herdou e administra hoje a fábrica Móveis Túlio, conta que foi seu avô quem trouxe da Itália a primeira muda de vime da espécie Salix spp. à Colônia de Santa Felicidade. Tal planta pertence à família das salicáceas, parente próximo do salgueiro, ou chorão. É passível de manejo sustentável e cresce na margem dos rios, compondo a importante mata ciliar.

Existem diversas espécies de vime, cada uma com características que conferem propriedades físicas e químicas específicas para os tipos de trabalho aos quais podem destinar-se235.

234 Planta da família das salicaceas (chorão). As espécies mais utilizadas no Brasil, para o artesanato, são: salix viminalis; salix rubens; salix purpurea; salix spp (sem denominação). 235 Para maiores detalhes ler: NASCIMENTO, Marilzete B. Aspectos Técnicos e Sociais Para a Sustentabilidade da Produção e Artesanato do Vime. Tese apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Engenharia Florestal da Universidade Federal do Paraná, 2009; LUPION, Marina.Vime: da lavoura ao produto final. Curitiba: SENAR PR, 2005.

Figura 28: Fotos de um vimal e detalhes da planta em setembro (época de colheita, sem as folhas) e fevereiro (vime verde, com as folhas).

Local: Santa Catarina.

Fonte: Fotos cedidas por Marilzete Nascimento, Lages, 2009.

Sobre a produção do vime no Paraná, além da região próxima à Santa Felicidade, Lamenha Pequena e Campo Magro (às margens do Rio Passaúna), nas décadas de 1950 e 1960, também havia plantações em área próxima a São José dos Pinhais, de propriedade da empresa Schulz. A área era cuidada por funcionários, que colhiam o vime no inverno, tratavam o material, estocando-o em barracões no local. A tecnologia de produção foi descrita por Erico Meissner:

Nós mesmos produzíamos a nossa matéria prima, tanto é que nós tínhamos a plantação, em Afonso Pena, entre os rios: Marcial e rio Pequeno. Limpamos o terreno, fizemos uma barragem grande às margens do rio Pequeno, que subia nas vésperas de chuvas. [...] Pegávamos a água do rio e canalizamos por baixo. O tubo saía para dentro de um poço que nós tínhamos dentro do nosso terreno, que ficava perto do rio, e tinha uma bomba possante, de onde se tirava água e irrigava toda a plantação236.

O vimeiro necessita de bastante umidade, por isto, é típico de alagadiços e margens de rios. É uma planta de clima temperado, no entanto, devido à rusticidade pode ser cultivado em regiões de clima mais quente, com a condição de não ser excessivamente seco. Por volta da década de 1980, o Paraná praticamente deixou de ser produtor e,

atualmente, os vimicultores de Santa Catarina controlam 90% da produção sul brasileira, dominando o mercado pela qualidade e preço.

O vime pode ser encontrado em várias espessuras, desde aproximadamente um milímetro - para confecção de peças mais delicadas, até três a quatro centímetros - usado para estruturas. Pode ser utilizado na forma bruta ou descascado, o que lhe confere aspecto mais acabado e maior resistência a fungos e pragas.

O descasque do vime é realizado manualmente ou por meio de um maquinário especialmente desenvolvido para este fim. O descascador automático (figura 29) é um equipamento no qual se introduz o vime em um orifício com regulagem de espessura, e o mesmo sai descascado, para então ser lavado.

Figura 29: Máquina de passar vime da fábrica Schulz. Local: Hoje na fábrica de Móveis Túlio, Curitiba, PR. Fonte: Foto de autoria própria, 2005.

Sobre este processo Meissner relatou:

Nós tínhamos máquinas, nós só colocávamos dentro e saía descascada do outro lado. [...]Agora essas pequenininhas, esse fininho, não dava para descascar na máquina, era só a mão, tudo a mão. Tudo manual, era um trabalho danado[...]. Atrás [da máquina] tinha um tanque grande com água. Importamos máquinas da Alemanha, com motor a óleo cru [...]. Tinha uma boa estufa lá também, quer dizer que podia chover que, com tempo bom ou tempo ruim, a nossa produção ia bem. Tinha um barracão grande lá também, de dois andares, onde a gente trabalhava. Então, o negócio era uma beleza!237

Para o descasque manual é necessário, antes, cozinhar as hastes, procedimento que facilita a remoção da casca. Este processo é feito em uma tacha de ferro, grande, com uma espessura de parede de mais ou menos um centímetro e meio, aquecida por meio de fogo, como ilustrado na figura 30.

Depois da fervura da água, as hastes são deixadas em cozimento por aproximadamente duas a três horas. Além de facilitar o descasque, esta fervura ajuda a impermeabilizar o material, pois, o mesmo libera o “tanino” e “amônia” na água. A liberação destas substâncias mata larvas do cupim e protege o vime contra ataques de fungos. O beneficiamento, também, torna o material mais leve depois de seco238.

237 MEISSNER, Erico, entrevista concedida à autora em Itapoá, jun. 2005. 238

A água do cozimento pode ser descartada nos rios, pois não é poluente. As substâncias liberadas inclusive ajudam no processo de despoluição das águas. Túlio, Armando, entrevista concedida à autora em Curitiba, mar. 2005.

Figura 30: Tacha para cozimento de fibras naturais. Material: Ferro.

Local: Móveis Túlio Santa Felicidade, Curitiba, PR. Fonte: Foto de autoria própria, 2005.

Na sequência, o vime é lavado e vai para a estufa. Seco, é selecionado por bitolas, tamanhos e organizados em feixes, que podem ser armazenados e estocados por anos, desde que não peguem umidade239.

239 Atualmente, as hastes já vêm descascadas, laminadas e prontas para o uso, de beneficiadores, localizados principalmente em Santa Catarina, como já citei.

Figura 31: Estoque de fibras naturais. Material: vime. Local: Fábrica Movime, Curitiba, PR.

Fonte: Foto de autoria própria, ago.2006.

O vime pode ser utilizado inteiro, roliço ou em lâminas. Se o trabalho for com lâminas, a primeira etapa consiste em utilizar-se o rachador, instrumento que divide a haste em 3 ou 4 partes. Esta etapa é manual, como mostra a figura 32.

Figura 32: Utilização do rachador para abrir as hastes de vime. Local: Fábrica Movime, Curitiba, PR.

Fonte: Foto de autoria própria, ago. 2006.

Balhana240 descreve esta etapa:

Esta rachadura pode ser obtida com as mãos, ou com o auxilio de pequeno instrumento de madeira dura, em forma de pêra, cuja extremidade menor termina em asas [rachador de vime]. Com a ponta de uma tesoura cada haste de vime (stropa) é fendida em três ou quatro partes até a altura de uns 15cm, depois do que, o cesteiro, segurando a haste com a mão esquerda, introduz com a mão direita o rachador de vime no centro daquelas divisões, empurrando para a ponta da haste que se abre em tantas secções (stropa racha), conforme o tipo de rachador utilizado. Para um trabalho de melhor apresentação, é necessário reduzir o vime a laminas bem finas, o que se consegue mecanicamente com máquinas apropriadas.

O processo de laminação consiste em passar o vime já rachado entre dois cilindros, com uma lâmina no meio, e,

240 BALHANA, Altiva. Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba: João Haupt, 1958.

da laminadora, o vime sai dividido em capa e miolo. A capa é a parte externa, mais resistente, “pega lustro” e mais brilho quando se usa o verniz, sendo, portanto, mais utilizada nos móveis. Também é conhecida como “alheassa”, nome de origem portuguesa. O miolo, menos resistente, é utilizado, de preferência, nas cestas e detalhes que exigem menos resistência da fibra241. Depois de laminadas, as tiras podem ser passadas por um refilador (figura 33), que as deixa uniformes. A uniformidade permite que o trançado seja regular e os desenhos da peça mantenham o mesmo padrão.

Figura 33: Utilização do refilador para uniformizar tiras de fibras. Local: Movime, Curitiba, PR.

Fonte: Foto de autoria própria, ago. 2006.

3.2.2 Técnicas de Trançado

Processos, técnicas e classificações de formas de trançado foram apresentadas, de forma bastante aprofundada e detalhada, em pesquisas da antropóloga Altiva Balhana242. Até mesmo como um

241 TÚLIO, Armando. Entrevista concedida à autora, em Curitiba, mar. 2005. 242

Os relatos da autora, de 1958, apresentam não só as técnicas, mas um conjunto de relações envolvidas na produção desta comunidade: sociais, culturais e econômicas. Além de valorizar tradições e documentar técnicas, muitos artesãos entrevistados atribuíram a ela, pelos seus

tributo, empresto dela algumas descrições e imagens da cestaria de Santa Felicidade:

[...] São numerosas as classificações sobre a cestaria, quer baseadas nas técnicas do trançado, como fundadas nas formas dos recipientes. Segundo a técnica do trançado, a cestaria de Santa felicidade enquadra-se na classificação genérica do tipo entrelaçado. E ali somente ocorrem duas formas fundamentais do entrelaçado: o trancado cheio, que é mais comum, e o trancado aberto, utilizado quando se deseja obter uma peça de maior efeito. Distingue-se ainda por pertencer ao gênero do trançado que a terminologia francesa designa por “clayonne”, a inglesa por “wickerwork” e a italiana por “graticcia”. Aliás, é a técnica de trançado característica da cestaria européia que tem, como peculiaridade, a posição fixa dos elementos que constituem o urdume, em relação aos elementos móveis da trama. [...] qualquer que seja o tamanho de cesto, o seu trabalho é iniciado pelo sistema da disposição das primeiras hastes do vime em forma de cruz (crose) e muito raramente pelo sistema de molde (stampe)243. Segue ilustração de algumas etapas do trançado da cesta.

Figura 34: Algumas etapas do trançado da cesta italiana. Fonte: Balhana, 1958.

O artesão Darci Ferro ainda mantém a tradição e ensina novas gerações a trançar a cesta italiana. “Faço questão de levar adiante esta tradição que veio com meu nono e sempre que me pedem para dar aulas da técnica, eu vou”, comenta. O tamanho e formato da cesta, como me

estudos, o reconhecimento do potencial e a ascensão econômica de Santa Felicidade. BALHANA, Altiva Pilatti. Un Mazzolino dei Fiori. Curitiba: Imprensa Oficial, 2003; _____.

Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba: Tipografia João Haupt, 1958. 243 BALHANA, Altiva. Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba: Ed. João Haupt, 1958, pp.96 a 98.

ensinou, dependem de como é feita a base244. Depois de feita a cruz com hastes mais grossas, trança-se a volta, abrindo a cruz logitudinalmente. Nesta base, são entremeadas varas laterais que estruturarão o corpo da cesta. Para o acabamento da borda é feita uma trança, que já forma a alça. Na foto a seguir, do artesão Darci em sua oficina, é possível visualizar a parte inferior tecida e, ao lado, uma cesta já pronta.

Figura 35: Trançado de cesta em vime pelo artesão Darci Ferro. Local: Atelier do artesão em Santa Felicidade.

Fonte: Foto de autoria própria, 2008.

244

Para mais detalhes e conhecimento de todas as etapas do processo de produção e trançado do vime, consultar: LUPION, Marina Ribas.Vime: da lavoura ao produto final. Curitiba: SENAR – PR, 2005.

Sobre esta prática tradicional da comunidade italiana de Santa Felicidade, Armando Túlio, conta que:

Então, ele [avô de Armando Túlio] trouxe o vime com a intenção de: Primeiro, amarrar as parreiras. Os brotos eram tirados e se amarrava a parreira. É um processo ecologicamente perfeito, porque, depois, decompõe e cai, não estrangulando a haste. [...] Segundo, fabricar cestos para a época de verão, época das colheitas, para a colheita das coisas. Porém, aqui [em Santa Felicidade] tinha muitas carrocinhas que iam à cidade para vender os produtos, e nessa ida à cidade [Curitiba] com as cestas, os curitibanos viam as cestas, então eles perguntavam de onde vinha, quem fabricava, e assim começou [a tradição do trançado com fibras]245.

Além dos italianos, os poloneses produziam estas cestas com formato distinto e com o vime branco, assim chamado porque era colhido em época diferente e trabalhado ainda verde. Armando Túlio relata que a diferença está na época da colheita. Para esta técnica, o vime é colhido em janeiro, enquanto a haste está cheia de folhas (na florada), como ilustrou a figura 28. Como a casca ainda não aderiu à haste, esta se desprende mais facilmente e pode ser tirada com as mãos, dispensando o cozimento prévio. As cestas polonesas eram comercializadas nos estabelecimentos de Santa Felicidade, conforme relata Silvano Túlio:

[...] alguns trabalhavam com cestaria, cestas polonesas, que eu tenho na frente dos meus olhos até hoje. Comprava muito, e vendia bem. Era uma cesta redonda, de um tamanho só. Já os italianos faziam cestas com três (ou mais) tamanhos, uma encaixando na outra [...]246. Para a cestaria, a diferenciação da técnica de colheita, caracteriza a tipologia do artefato. Cestas redondas e menos duráveis dos poloneses e cestas ovais e mais duráveis dos italianos. Esta caracterização dos artefatos também os insere em esferas distintas de valorização, que por sua vez, refletem políticas de demarcação de

245 TÚLIO, Armando. Entrevista concedida à autora, em Curitiba, mar. 2005. 246 Ibid.

comunidades, identidades e espaços de poder, conforme foi narrado a partir de Ortiz247 no capítulo 1.

A colheita feita no outono é a mais tradicional e recomendada para o uso no mobiliário. Quando as folhas já caíram, a haste está mais seca, e, apesar da casca ser mais difícil de retirar, as propriedades do material são melhores, aumentando a resistência química e física. As técnicas de trançado de móveis são muito similares às do trançado de cestas. Também é feita uma estrutura de base e, a partir desta, a fibra é tramada. No caso dos móveis, em fábricas maiores, o trabalho é fragmentado por especialidades.

Há funcionários especializados em fazer as estruturas, marceneiros para trabalhar a madeira, artesãos para curvar e tramar varas (bambu, vime, apuí) e serralheiros para o metal (ferro, aço, alumínio). Cada material tem um setor com maquinários diferentes, adaptados ao trabalho, a exemplo da figura 36248 de um setor para produção de estruturas metálicas, com serras, tornos, dobradeiras de chapas, vergadores de tubos, calandra, furadeiras, máquinas de solda, politrizes, entre outros.

247 ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994 248 As fotografias apresentadas neste capítulo foram feitas nas fábricas e oficinas dos artesãos de Santa Felicidade, entre os anos de 2005 a 2009. Muitas foram durante visitas técnicas com alunos do curso de Design e, portanto, possuíam um caráter didático do artesão ensinando seu trabalho, como retrata, por exemplo, a figura 36, na qual aparecem os alunos fotografando o que é mostrado. Desta forma, não cabe na tese a análise etnográfica das performances nas imagens. Também, os nomes dos artesãos, em alguns casos, serão omitidos e os rostos desfocados, apesar de ter havido o consentimento de veiculação de imagens.

Figura 36: Fotos do setor de confecção de estruturas metálicas. Local: Movime, Curitiba, PR.

Fonte: Foto de autoria própria, ago. 2006.

Se a estrutura for em madeira, esta é executada na marcenaria, aonde são feitos gabaritos de todas as partes que compõem o móvel, com os planos de corte249. A vantagem de fazer móveis com estrutura e detalhes em madeira aparente, segundo Eromir Stival, é que, assim, dificulta a cópia pelos pequenos, pois, nem todos possuem um marceneiro habilidoso e equipamentos necessários: serra circular, serra fita, plainas, lixadeira, furadeiras, entre outros.

Figura 37: Marcenaria (esquerda) para confecção de estruturas em madeira e planos de corte das peças (direita).

Local: Movime.

Fonte: Foto de autoria própria, Curitiba, ago. 2006.

Se a estrutura for de apuí (espécie de fibra mais grossa), este é cozido por várias horas para amolecer e é colocado, ainda quente, em formas para curvá-lo. Trabalho pesado e difícil de executar, exige muita habilidade de quem o faz. Enquanto conversava com o artesão retratado,

na figura 38, percebi que, depois de muito esforço e apesar de cuidado extremo, perdeu peças que racharam por não estarem amolecidas o suficiente. Depois de curvadas, as peças são deixadas na estufa ou ao ar livre, secando. A fibra completamente seca mantém o formato moldado.

Figura 38: Curvatura de estruturas em apuí a partir de moldes. Local: Raffinato, Curitiba, PR.

Fonte: Foto de autoria própria, ago. 2009.

A execução do trançado é feita conforme modelos, que podem ser a partir de: projetos computadorizados, desenhos, fotografias, croquis que o próprio artesão faz e anota em folhas de caderno, ou a partir de protótipos executados por prototipistas - artesãos mais experientes que fazem as primeiras peças, que, ajustados problemas ergonômicos e formais, vão para a produção “em série”.

Figura 39: Página de caderno com anotações sobre a produção. Local: Raffinato, Curitiba, PR.

A foto, da figura 39, foi obtida do caderno de um artesão da Raffinato. Contém a imagem de uma poltrona, anotações sobre quais materiais serão usados, quantidades, desenhos das tramas e alguns esquemas, que, geralmente, só eles entendem, mas que facilitam a confecção das peças. É um conhecimento tecnológico repassado de mestres artesãos a aprendizes, ao longo de gerações.

A origem destes cadernos, provavelmente, remete aos blocos de anotações para remuneração que, inicialmente (década de 1950), era calculada por tarefas executadas, de acordo com a quantidade qualidade da produção. A supervisão e o controle, elementos fundamentais na prática capitalista, colonizaram mentes e corpos, sendo que, até os dias de hoje há uma preocupação em anotar detalhes da execução de cada peça. Neste ponto, Thompson demonstra que em 1700, na Inglaterra, já há a entrada na “paisagem do capitalismo industrial disciplinado, com a folha de controle de tempo, o controlador de tempo, os delatores e as multas”. Na fábrica de Móveis Schulz havia um “caderninho de tarefas” e o proprietário comenta que:

quase não tivemos empregados que trabalhavam por mês ou por hora. Tinha o encarregado da oficina também que ele tinha um bloquinho, que nem nota fiscal, sabe coisa assim..., então tinha o nome dele, o dia o número do talão tudo direitinho e depois a discriminação da peça que foi feita, começo, término, quantas horas levou e com isso aqui o empregado recebia, entregava a peça e recebia, começava a fazer assim, no fim do mês juntava tudo, eu vinha para o escritório e cada peça tinha o seu valor tudo direitinho, todo mundo estava sabendo do preço das peças, eu tinha a lista lá embaixo (Meissner, entrevista, junho de 2005).

Com relação a esta prática, comum no sistema capitalista, o tempo, que no artesanato costumeiramente era orientado pelas tarefas, passa a ser medido e dosado pelo tempo do patrão, que o reduz a dinheiro. Nas indústrias artesanais, o trabalho apresenta uma sequência e nem sempre o artesão domina todas as fases. O trançado é a única tarefa que não pode ser fragmentada.

Depois de preparada a estrutura, esta é encaminhada para o setor do trançado, onde é recoberta com a trama, seguindo técnicas de cruzar as fibras para obter diferentes texturas e desenhos. O trançado pode ser simples, duplo, em forma de trança, exigindo muita habilidade e capacidade de visão espacial. Estruturas, fibras e imaginação tornam-

se objetos, pelas mãos dos artesãos. A figura 40 ilustra a execução de uma poltrona em trançado simples com casca de vime.

Figura 40: Trançado para confecção das peças da Movime. Material: Casquinha laminada de vime em estrutura metálica. Local: Movime, Curitiba, PR.

Fonte: Foto de autoria própria, ago. 2006.

3.2.3 Local de Trabalho

Artesãos trabalham em estações, que são compostas, basicamente, por: banco, mesa de apoio e algumas ferramentas de trabalho, como: tesoura (especial para corte de fibras), estilete, martelo, grampeadeira (para grampear as pontas das fibras na estrutura) e ponteão (para esconder as pontas no acabamento).

Cada um organiza seu espaço como acha mais adequado, de acordo com suas necessidades e seu entendimento de conforto. Alguns acomodam todas as ferramentas sobre uma mesa de apoio, ao alcance das mãos. Outros preferem deixar alguns instrumentos pendurados na parede. Os mais organizados têm uma prancheta com anotações sobre as peças feitas: desenhos e projetos; quantidade de material usado; horas trabalhadas para cada etapa; planilhas com o custo e quanto devem receber pelo trabalho.

No chão, ficam as fibras já molhadas previamente, para amolecer e facilitar o trançado. São selecionadas por tipos e tamanhos e

limpas (retirados os nós e imperfeições), como mostra o artesão na foto que segue.

Figura 41: Preparo das fibras – vime e junco. Local: fábrica Raffinato, Curitiba.

Fonte: Foto de autoria própria, out. 2008.

Fazendo um parêntesis, falo um pouco sobre o que percebi sobre a aproximação entre o trabalho e a vida de artesãos, que se reflete na forma como organizam seu local de trabalho e relacionam-se entre si. Muitos falaram que consideram o local de trabalho a sua segunda casa. Cido250 contou que, por inúmeras vezes, teve que deixar funcionários dormirem na fábrica porque tinham problemas em casa, não tendo onde ficar, ou, sobre um caso pior, de um jovem que trabalhava para sustentar o vício das drogas. “Um dia ele me pediu pra prender ele de noite e levar