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A explicação da obra é sempre procurada do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o autor, que nos entregasse a sua ‘confidência’.94

A Bienal agora é Fundação

De acordo com o Estatuto (Anexo 6), a Fundação Bienal teria o objetivo de “promover e patrocinar eventos artísticos e culturais de modo geral e, especificamente, exposições de artes plásticas bienais”. A partir da instituição da Fundação, as instâncias governamentais passam a participar diretamente da gestão da mostra, através da criação de cargos diretivos para os representantes dos governos Federal, Estadual e Municipal. O MAM transferia à Fundação Bienal os direitos dos quais era titular quanto ao repasse de verbas públicas, ou seja, transferia o convênio celebrado com a Prefeitura95, bem como os direitos referentes à subvenção concedida pelo Governo Federal (Lei no 3812). Assim, a partir deste momento, restava ao museu apenas os recursos recebidos pela mensalidade de seus sócios. A Fundação Bienal, mesmo sendo constituída como uma entidade autônoma, estreitava os laços com o Estado e adquiria cada vez mais o caráter de “instrumento oficial”, retomando uma função já exercida pela atividade artística durante o Estado Novo que, como visto, utilizava a cultura como ferramenta de legitimação dos preceitos governamentais.

Com a criação da Fundação, a Bienal vai se aproximando cada vez mais da lógica do incipiente mercado de arte que vinha se formando no país. Entre as novidades estava o acordo fechado com a empresa de Paulo Zingg, em sociedade com Biaggio Motta, que se responsabilizava pela captação de recursos através de publicidade no catálogo da mostra, iniciando um processo de sistematização da captação de recursos da Bienal. O Jornal do Brasil publicou matéria sobre o assunto criticando o excesso publicitário envolvendo a Bienal: “Achamos que a Bienal deve policiar um pouco esta questão de qualquer firma poder instituir

94 BARTHES, R. A morte do Autor. In: _________. O Rumor da Língua. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2004. P.

66

95 Lei no 6542 de 7 de julho de 1964: exige a transferência para a Fundação Bienal da subvenção regida pela Lei

prêmios. Nem todo o mundo gostará de fazer constar de sua biografia um prêmio com nome de uísque, estando fadada a fazer publicidade da bebida para o resto da vida”96.

A associação era agora cada vez mais com empresários, publicitários e banqueiros e cada vez menos com a inteligência artística propriamente dita (...) Ciccillo desvinculou-se dos diretores do Museu e do peso dos intelectuais nas decisões (...) Ao se separar dos intelectuais, ele pôde, até certo ponto, também escapar dos debates e “radicalismos”. Agora, com o dinheiro público, a Bienal estava no mercado.97

A 7ª Bienal parecia apresentar critérios de seleção muito mais ligados a uma questão geopolítica do que propriamente estética, se transformando em uma megaexposição desconexa. Sobre o gigantismo da mostra, dois teóricos irão se pronunciar. Arnaldo Pedroso d´Horta, que ainda se mantinha contrário à divisão do MAM e da Bienal, escreve em 1966 a seguinte crítica: O defeito fundamental desse empreendimento é o seu gigantismo. Tornou-se ele um imenso circo de arte, dentro do qual o que importa é a quantidade, a variedade e os insólitos números apresentados. A preocupação dominante consiste em assegurar a presença e um maior número de países, sem nenhuma atenção pelo que esses países mandam, sem nenhuma coordenação prévia do que irá ser exibido (...). Foi exatamente a partir daí [da separação MAM e Bienal] que os defeitos se agravaram, pois a sua estrutura burocrática interrompeu os contatos com os artistas e deixou de contar com os conselhos dos críticos de arte que exerceram as funções de Diretor Artístico do MAM.98 Assim como Arnaldo Pedroso d´Horta, o crítico francês Vilém Flusser também discorreu críticas mordazes ao excesso de participantes na mostra:

Pintores laocianos, escultores afegãos e críticos congolenses, às margens do rio Tietê, não são, obviamente, motivo de surpresa, se considerarmos que todos esses seres, aparentemente exóticos, descendem, mais ou menos diretamente, da rive gauche parisiense. Enquadram-se esses migrantes, vindos na correnteza cinzenta dos transatlânticos e aviões, para transformar a outrora variedade das culturas na uniformidade enfadonha que caracteriza a nossa civilização atualmente. São equivalentes à vista do xá da Pérsia a Salvador ou do sultão de Zanzibar a Memphis, Tennessee, para estreitar os laços culturais que unem essas sociedades. Graças a esse movimento de intercâmbio cultural foi alcançado um estado de desenvolvimento no qual todas as viagens se tornaram perfeitamente dispensáveis (...). Não devemos, portanto, esperar que a multiplicidade dos países representados se reflita na variedade das obras expostas no Ibirapuera.99

A 7ª edição da Bienal, além de reunir um grande número de países (total de 60), trouxe um novo projeto artístico: a função de Diretor Artístico – que havia sido ocupada pelos críticos

96 Em torno da Bienal. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 out. 1963

97 ALAMBERT, F. e CANHÊTE, P. As Bienais de São Paulo: da era do museu a era dos curadores. São Paulo: Ed.

Boitempo, 2004. P. 103

98 D´HORTA, A. P. Bienal sem MAM é circo da arte. In: D´HORTA, V. P. (Org.) O olho da consciência. São Paulo:

Ed. USP, 2000. P. 138

Lourival Gomes Machado, Sérgio Milliet e Mário Pedrosa – agora ficava a cargo de um grupo, chamado Assessoria de Artes Plásticas. Nas duas primeiras edições organizadas pelas Fundação Bienal, tal assessoria foi formada por Sérgio Milliet, Geraldo Ferraz e Walter Zanini (que também ocupava o cargo do recém fundado MAC-USP).

A 7ª Bienal promoveu um grande número de salas especiais em homenagem aos artistas brasileiros já premiados nos anos anteriores. As obras distinguidas com prêmios de aquisição deveriam ser doadas para o acervo de instituições culturais sem fins lucrativos e não mais exclusivamente ao MAM. A Fundação Bienal ficava com 15% sobre o valor líquido na venda de obras – nesta edição foram vendidas cerca de 192 peças. A 7ª Bienal teria recebido um número de visitantes bastante inferior ao desejado pela organização, mas ao mesmo tempo, a imprensa noticiava um maior acolhimento do público à arte exposta: “Não se verifica mais o riso e a chacota das bienais anteriores. Talvez a maior parte dos presentes à exposição, ainda não entenda bem o sentido da arte deste ou daquele artista. Mas, ainda assim, prefere indagar ou silenciar a fazer comentários jocosos”100.

Em termos monetários, carta da Secretaria da Bienal ao então Assistente Jurídico da Comissão do Parque do Ibirapuera, Dr. Araújo Almeida, esclarece sobre as subvenções oficiais a serem recebidas: “A Fundação Bienal de São Paulo recebe as seguintes subvenções: Governo Federal Cr$ 5.000.000,00, por ano, durante 8 anos (ainda não foram pagas as de 1961 a 1963); Governo Estadual (Lei no 6055): Cr$ 90.000.000,00, para 1963 (já recebida); Prefeitura Municipal: Cr$ 3.000.000,00 por ano (ainda não foram pagas as de 1961, 62 e 63)”101. A mesma

carta apresenta a previsão orçamentária para a realização da 7ª Bienal: Cr$ 180.000.000,00, um número ingente se comparado aos orçamentos com os quais a mostra havia trabalhado até então, quando ainda estava ligada ao MAM. Além dos valores exorbitantes reservados para a realização da mostra, a Fundação Bienal também contava com uma verba média de Cr$ 3.000.000,00 para a manutenção e conservação do prédio e mais cerca de Cr$ 1.000.000,00 mensais para custear sua folha de pagamento (na época a Fundação contava com 43 funcionários).

No final de 1962, Ciccillo inicia a requisição do título de Utilidade Pública à Fundação Bienal, o que traria isenção de tributos alfandegários, de taxas de despacho aduaneiro, de taxas

100 VII Bienal: poucos visitantes e maior respeito pelas obras. O Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov.1963 101 Carta de Diná Lopes à Dr. Araújo Almeida (assistente jurídico da comissão especial do Parque Ibirapuera).

mercantes, entre outras. Entretanto, a maior vantagem para a Fundação Bienal com a obtenção deste título seria que, a partir de então, a instituição se encaixaria no conceito de entidade filantrópica – e se adequaria aos termos da legislação sobre o Imposto de Renda – à qual o doador, pessoa física e/ou jurídica, dava sua contribuição (calculada em ORTNs102). A cada pagamento era fornecido um recibo para desconto no Imposto de Renda, respeitando o limite de dedução de até 5% do lucro tributável das empresas para investimento em projeto culturais. As doações recebidas da inciativa privada poderiam ser classificadas como despesas operacionais da empresa e, portanto, dedutíveis dos lucros líquidos apurados no exercício.103 O título de Utilidade Pública será dado à Fundação Bienal em 18 de junho de 1965, através do decreto de no 56.486 publicado no Diário Oficial.

Após se separar do MAM, a Bienal começou sua nova fase de forma morna, tanto em termos artísticos quanto de gestão. Nesse momento, o país estava à porta do golpe militar de 1964, fato que iria interferir diretamente no curso da história da mostra. Parte do desânimo também estava ligado à trágica morte da então Secretária Geral Wanda Svevo, em 1962. A Secretaria Geral da Bienal passa a ser ocupada por Diná Lopes Coelho, personagem forte nesta história, como havia sido Arturo Profili e Wanda Svevo. Diná terá uma importante função na reestruturação administrativa da Fundação Bienal. Casada com Luiz Lopes Coelho, amigo de Ciccillo e participante da roda intelectual e boêmia de São Paulo, Diná não tinha formação na área administrativa, mas aceitou o desafio proposto por Ciccillo: substituir Wanda Svevo; assim se tornou braço direito do mecenas na organização da Bienal de São Paulo.

Em 1964, o presidente João Goulart é deposto por um golpe militar, e assume o poder o Marechal Castello Branco. Naquela 8ª edição da Bienal, os efeitos da ditadura militar já estariam presentes: durante a cerimônia de abertura, que contava com a presença das autoridades, os artistas Sérgio Camargo e Maria Bonomi entregaram a Castello Branco uma moção pedindo a libertação de quatro intelectuais que teriam sido presos por se oporem ao regime, entre eles Mário Schenberg. Na época, a repressão ainda não estava em seu grau mais agudo. Assim, além do mal-estar entre os presentes, esse primeiro respingo da ditadura na Bienal não gerou maiores transtornos.

102 Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional- modalidade de título público federal que foi emitida entre 1964

e 1986 com a característica de pagar uma remuneração corrigida e evitar a corrosão dainflaçãosobre as aplicações futuras, que por conta do recrudescimento inflacionário da década de 1960, haviam caído a níveis muito baixos, obrigando o governo a emitir papel-moeda no intento de cobrir as suas obrigações.

103 Lei no 4506, art. 55. Serão admitidas como despesas operacionais as contribuições e doações efetivamente

pagas: III) a instituições filantrópicas, para educação, pesquisas científicas e tecnológicas, desenvolvimento cultural ou artístico.

O processo de seleção permanecia controverso e gerava críticas dos mais diversos intelectuais e artistas. O crítico Mário Pedrosa pontuou as problemáticas do processo de julgamento:

A primeira das falhas de todo júri de arte é a precariedade dos critérios de julgamento. Essa precariedade provém de duas heterogeneidades irredutíveis: a das personalidades julgadoras em presença e a das obras a julgar. Esses julgadores não são só individualidades em diferentes graus de cultura, experiência e saturação, são também pegados ao acaso e reunidos. Dessa maneira, quanto maior o corpo deles, mais heterogêneo, com toda probabilidade, há de ser o julgamento e mais difícil, por conseguinte, formular de antemão um critério geral – mesmo o mais simples possível – de proceder (...) erros de apreciação e de julgamento não estão excluídos pelo fato de um corpo de jurados ser em pequeno número. Mas pode evitar contradições das mais gritantes ou despautérios nas decisões, capaz de desnortear o público (esclarecido) e não apenas desconcertá-lo. O critério ideal de um júri não é o de tomar decisões que não descontentem ninguém, mas de não desnortear. O ideal seria que cada decisão pudesse ser instrutiva para o espectador.104

Pedrosa, que havia participado do júri de seleção da 8ª Bienal, ainda pontua o peso do “prestígio nacional” na decisão dos jurados. O crítico Pierre Restany, em visita ao Brasil, avaliou a Bienal e declarou que a mostra ainda não possuía características próprias e continuava sendo determinada pela influência europeia. Quando a discussão sobre o processo de julgamento alcançou o alto escalão dos críticos de arte, como Pedrosa e Restany, a necessidade de mudanças se tornou urgente. Assim, a 8ª Bienal foi a última a distribuir prêmios distintos para brasileiros e estrangeiros. Ainda com relação aos prêmios, foi instituído o Grande Prêmio Itamaraty, no valor de US$ 10.000,00, a ser conferido a artistas brasileiros ou estrangeiros, cuja obras seriam doadas para as embaixadas brasileiras no exterior. A instituição do prêmio responde a uma pressão internacional para que a Bienal começasse a adquirir também obras do exterior, pressão esta que já havia ganhado a imprensa internacional, como se pode ver em um artigo do New York Times, escrito por Hilton Kramer:

É um choque perceber que as autoridades brasileiras não fizeram qualquer tentativa, em 18 anos de Bienal, de adquirir excelentes exemplos de arte estrangeira que foram enviados aqui para exposição. Aparentemente, todos os fundos oficiais vão para a compra de imitações brasileiras desses exemplos. Assim , a própria Bienal não deixa algo permanente sobre o qual a tradição local possa se desenvolver.105

104 PEDROSA, M. Observações críticas sobre os prêmios da Bienal. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 nov.

1963. In: Catálogo 30 x Bienal. P. 101

105 KRAMER, Hilton. Art Rootless Exhibition. New York Times, Nova Iorque. 02 jul. 1967. Tradução da autora. “It comes as a shock to realize that Brazilian authorities have made no attempt, in 18 years of the Bienal, to acquire outstanding examples of foreign art that have been sent here for exhibition. Apparently, all official funds go to the purchase of Brazilian imitators of these examples. Thus, the Bienal itself leaves nothing permanent on which local tradition could build”

Para a 8ª Bienal, o orçamento foi em torno de Cr$ 350.000.000,00. A previsão para os repasses governamentais era: Cr$ 200.000,00 do Governo do Estado de São Paulo (esse total não foi concretizado como previsto); Cr$ 3.000.000,00 do Munícipio; e mais Cr$ 60.000.000,00 do Governo Federal. O Ministério de Relações Exteriores assumiu a importância de US$ 20.000,00 para pagamento dos prêmios e mais uma verba especial de Cr$ 50.000.000,00 para atender às despesas de publicidade. Além disso, a partir da Lei no 4768, de 03 de setembro de 1965, a Fundação Bienal de São Paulo ficava isenta de todos os impostos e taxas federais (exceto o de Previdência Social).

A recente Fundação Bienal ainda matinha opositores, que julgavam errôneo o fato de a instituição receber recursos públicos e não se posicionar como uma instituição inserida na política cultural do país.

Um dos pontos mais relevantes foi que a Bienal era vista, no Brasil e no exterior, como uma exposição que se manifestava de forma mais paternal que cultural, embora para isso tenha havido sempre uma justificativa de circunstância. Na opinião do grupo, ou a Bienal se comprometia definitivamente com as leis elementares de instituições culturais, postas em vigor internacionalmente, dando assim à instituição maiores possibilidades de atuação, ou teria de ficar, mais cedo ou mais tarde, nas mãos de quem viesse a patrociná-la, valendo-se dessa estrutura sem definição.106

A aderência das instâncias públicas no custeamento da Bienal de São Paulo teria significado um grande alívio monetário para Ciccillo. Como já afirmado, não foram localizados dados concretos sobre os repasses próprios que o mecenas teria realizado para manutenção da mostra. Entretanto, carta ao chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores traz o seguinte texto:

As despesas do certame, até hoje, sempre superaram a receita prevista, levando em todas as Bienais o Sr. Francisco Matarazzo Sobrinho, pessoalmente, a cobrir o inevitável “déficit”. Isso, sem levar em conta que o Sr. Matarazzo antecipava ainda o valor das verbas governamentais, cujos recebimentos estavam condicionados às irremovíveis dificuldades burocráticas. Cumpre-nos acentuar que muitas dessas dotações jamais foram recebidas. Não ficou somente no apoio financeiro, no apoio moral e no esforço pessoal as contribuições do Sr. Matarazzo para a Bienal. Foi além. Sua organização industrial, sua empresa transportadora, seus depósitos e armazém – em regime de trabalho extraordinário – foram mobilizados para o desembaraço e retirada da Alfândega do Rio e Santos, das obras destinadas a mostra, acondicionando-as e transportando-as até o local da exposição. Isso durante 14 anos, sem qualquer ônus ou encargo para a Fundação.107

106 AMARANTE, L. As Bienais de São Paulo: 1951 a 1987. São Paulo: Ed. Projeto, 1989. P. 145

107 Carta de autor desconhecido para Everaldo Dayrel de Lima (Chefe do Departamento Cultural do Ministério das

Há pesquisadores que defendem a ideia de que o mecenas só injetou verba para a realização da primeira edição da mostra. Entretanto, conforme dados apresentados, é difícil entender como uma mostra do porte da Bienal de São Paulo, que recebia da iniciativa pública verbas inconstantes e por vezes irrisórias, pôde ser sustentada por tantos anos; os cálculos nunca fecham e o que se apresenta é uma previsão orçamentária sempre aquém da verba que se tinha garantida. A documentação encontrada em Arquivo indica que a Fundação Bienal, em 1966, tinha uma dívida de cerca de 19 milhões de cruzeiros para com Francisco Matarazzo. A má administração dessa relação entre Ciccillo e a Bienal um dia será cobrada (como será visto na saída de Ciccillo da presidência da Bienal no final dos anos 70). Assim, se faz imperativo aceitar a versão na qual Ciccillo continuaria a injetar verba própria para manutenção da mostra, conforme confirma o excerto da carta transcrita anteriormente.

Com o título de Utilidade Pública, a Bienal ia se afastando cada vez mais do processo caseiro que seguia nos primeiros anos, quando a mostra contava principalmente com o apoio de industriais “benfeitores”. A verba que teria custeado as primeiras edições da Bienal, além da iniciativa pública, e dos possíveis investimentos de Ciccillo, também era advinda da iniciativa privada, que realizava doações visando como contrapartida a divulgação de seu nome como patrocinador na mídia e nos catálogos. Em termos econômicos não é possível precisar se havia um retorno concreto ao investimento: a compensação vinha primordialmente no reconhecimento social e político. A partir da inserção da Fundação Bienal dentro dos protocolos da legislação do Imposto de Renda, a lógica de patrocínio se transforma, e além do retorno em publicidade, o patrocinador passa a receber de forma efetiva uma contrapartida monetária, através da dedução de parte do imposto devido.

Na Bienal de 1967, a mostra propõe um novo tipo de participação do público. Um grande número de artistas apresentou obras que

buscavam romper com o

distanciamento do espectador em relação à arte, convidando-o a violar as fronteiras que o separavam da obra. Assim, a 9ª Bienal propunha a

transformação em duas vias: no comportamento do público e nas proposições dos artistas. A quebra das fronteiras no espaço expositivo era um paradoxo em relação ao regime político que

Figura 6 - Políptico Móvel gênese do pavilhão nacional, Quissak Junior, 2,05m x 2,5m. Óleo sobre tela.

o país atravessava: a ditadura militar ia se afunilando, os episódios de repressão aumentavam e a Bienal sentiu sua primeira coação. A obra “Políptico Móvel” de Quissak Junior, com a representação da bandeira brasileira dobrada, foi impedida de ser exposta. Entretanto, a obra “Flags” de Jasper Johns, era vista como símbolo de ufanismo e foi até premiada. A obra “O Presente” de Cybele Varela também foi retirada da exposição. A censura neste momento já se tornava mais declarada: o júri do prêmio de aquisição do Itamaraty se recusou a premiar obras com conteúdo considerado erótico ou político.

Os debates sobre o processo de seleção também estiveram presentes nesta edição. Em carta, a Associação Brasileira de Críticos de Arte pede a reestruturação da Bienal:

A Fundação Bienal de São Paulo, cuja presença cultural e artística no Brasil tem sido de extraordinário valor para o nosso desenvolvimento, vem mostrando no seu funcionamento várias deficiências de ordem administrativa e cultural. Essas deficiências não são, é claro, da responsabilidade direta de nenhum de seus dirigentes, inclusive de seu eminente presidente e fundador. Os erros estão visíveis em função da experiência adquirida ao longo de seus dezoito anos de atividade. Nossos reparos não visam a nenhuma questão pessoal nem muito menos têm intuitos subalternos ou facciosos. A crise da

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