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Materialidades e socialidades no cotidiano dos voluntários

CAPÍTULO 4: PERFORMANDO VOLUNTÁRIOS NO INSTITUTO DE

4.2. Materialidades e socialidades no cotidiano dos voluntários

No dia 13 de maio de 2010, nos reunimos com duas voluntárias do projeto Cuidados Paliativos, na Associação. Solicitamos a leitura e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e, em seguida, as acompanhamos em sua rotina de atendimento no hospital.

Abaixo apresentamos uma narrativa sobre a visita. Conforme nos aponta Latour (2008), uma boa descrição não necessita de explicação, por isso, descrevemos as cenas e os atores que as compõem. Os atores, que podem ser visíveis ou não, deixam rastros. Se não forem visíveis, podemos documentar o que fora movimentado por eles, tornando seus efeitos aparentes. Os atores atuam, fazem coisas, e movimentam a rede. Se não possuem essa energia para atuar, não é necessário descrevê-los.

As cenas são compostas por materiais, como uniforme, vacinas, placas, crachás, relatórios, dentre outros, que comumente amoldam o pano de fundo e não são relevantes para a análise. Mas neste estudo, tanto os materiais quanto as pessoas, articulados numa rede, são fundamentais para entender os efeitos decorrentes dessa combinação.

Figura 1

11As fotos que compõem este capítulo foram registradas pela pesquisadora deste estudo, com autorização da

Comissão Científica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e das voluntárias, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Quando chegam ao hospital, na Av.Dr. Arnaldo, em São Paulo, os voluntários passam pela portaria central. Por usar o crachá da Associação, o acesso é livre. Utilizam o elevador e seguem até o 9° andar.

Figura 2

a sala da Associação, o voluntário guarda seus pertences no armário, veste o avental e prepara seu material (podem ser revistas, material gráfico ou poemas). Nesse espaço ficam os relatórios, as roupas que são doadas para os pacientes ou vendidas no bazar. Também estão armazenadas as latas de leite em pó e alimentos da cesta básica, doadas aos jovens que participam do grupo Poder Jovem.

Figura 3

A voluntária preenche o caderno de frequência. Em seguida, lê o relatório de atividades do seu projeto, para saber aquelas que foram realizadas pelos outros voluntários.

Pode estar indicada a necessidade de visitar um paciente específico ou solicitação de revista ou kit de higiene.

Com as informações desse documento, é possível fazer um relatório anual com o número de pacientes atendidos, número de voluntários, além de acompanhar a maneira como o voluntário está desenvolvendo sua atividade. Em alguns casos, se o voluntário descrever uma ação que não condiz com o seu projeto, poderá ser orientado. Os números também são utilizados como argumento na captação de recursos e efetivação de parcerias.

Figura 4

Uniformizadas, as voluntárias têm acesso livre no hospital-dia, pediatria e enfermaria de adultos e são reconhecidas pela equipe de Saúde e pelos pacientes.

Figura 5

No andar, as voluntárias se dirigem ao posto de enfermagem, onde se apresentam e perguntam se há algum paciente considerado importante para ser visitado. As enfermeiras

também podem solicitar algum serviço das voluntárias para o paciente, como corte de cabelo ou massagem.

Figura 6

Antes de entrar no quarto, a voluntária deve verificar se aparece indicada alguma precaução, como uso de máscaras ou avental descartável. Dependendo do diagnóstico do paciente, o uso desses equipamentos é necessário tanto por considerar a voluntária um veículo transmissor de micro-organismos quando pelo fato de o paciente portar alguma doença cujo meio de transmissão ocorre pelas gotículas espalhadas no ar, através de espirros, fala e tosse.

Figura 7

É essencial que, antes de entrar em contato com o paciente, a voluntária lave as mãos. Cumpre esclarecer que as mãos constituem o principal veículo de transmissão dos micro-organismos de um indivíduo para outro. Por isso, esse procedimento é um meio eficaz no controle da disseminação de infecções.

Figura 8

As voluntárias se apresentam para o paciente e iniciam uma conversa. Podem ler um poema, entregar uma revista, ou simplesmente lhe fazerem companhia. Embora seja ético que a voluntária não pergunte pelo diagnóstico do paciente, ele mesmo ou algum familiar acaba contando. Nesse caso, a voluntária pode se deparar com a dor, angústia, sofrimento, ansiedade, medo, revolta, enfim, com diversos sentimentos que surgem em decorrência da internação e da doença.

Figura 9

A utilização do álcool em gel (gel alcoólico a 70%) pode substituir a higienização com água e sabão, quando as mãos não estiverem visivelmente sujas. Por isso, a voluntária pode optar por utilizar o álcool em gel, disponível nos corredores do hospital.

Figura 10

Em outro andar, a equipe de Saúde solicitou às voluntárias que visitassem um jovem de 17 anos. Este paciente estava desanimado e apático, não reagia positivamente ao tratamento. Por se considerar o fator emocional fundamental para a adesão ao tratamento, uma das funções da voluntária é fazer contato com o paciente e tentar animá-lo.

Figura 11

Figura 12

Em outro quarto, a voluntária verifica a necessidade do uso de equipamento de proteção para entrar em contato com o paciente. Então, recorre à enfermagem, para solicitar que lhe disponibilizem a máscara descartável e outros instrumentos esterilizados que forem necessários.

Figura 13

Finalizados os atendimentos, passamos no andar da Unidade de Terapia Intensiva – UTI, para salientar que nesse setor a voluntária não tem acesso livre, salvo em casos que houver autorização do médico do paciente e da Dra. Glória Brunetti.

Figura 14

Na associação, a voluntária preenche o livro de relatos, descrevendo os pacientes que foram atendidos, sua percepção e indicações para o próximo voluntário.

Cenas na sala dos voluntários

Nos dias 28 de janeiro, 26 de fevereiro, 10 de março e 13 de maio do ano de 2010, estivemos na sala da Associação dos voluntários. Participamos de conversas, atendimentos, observamos a atuação dos voluntários e fizemos entrevistas.

Essas informações, decorrentes das observações, foram registradas no diário de campo da pesquisadora deste estudo e nos permitiram descrever as cenas abaixo, que narram a rede heterogênea em que o voluntário do hospital Emílio Ribas está inserido.

Figura 15

No início das minhas atividades como pesquisadora na Associação de voluntários, a Dra. Glória Brunetti solicitou-me o preenchimento de um cadastro. Na sala da associação, fui atendida pela secretária, que me entregou uma ficha, para preencher com meus dados pessoais, como endereço, documentação, etc. Em seguida, checou minhas vacinas e pediu para eu atualizar as que não havia tomado, sendo esse um serviço gratuito oferecido a quem é voluntário no Hospital Emílio Ribas. Em seguida, assinei o termo de adesão ao trabalho voluntário e o termo de uso de som e imagem (no qual autorizei o uso de minha imagem para divulgação). Depois, a secretaria pediu que eu entregasse uma cópia do RG, uma do CPF e mais duas fotos 3x4, uma para fazer o crachá e outra para ficar no cadastro.

No dia 10 de março de 2010, fui tomar a vacina, já que os voluntários devem ter sua carteira de vacinação atualizada. O setor de vacinação estava promovendo a campanha para a vacina contra a gripe H1N1 e, conforme relatou a enfermeira, já haviam sido recebidos vários voluntários. Ganhei um bóton, o mesmo que alguns voluntários utilizavam no avental.

Retornando para a associação, a secretária anunciou aos voluntários que a vacina contra a gripe estava disponível para os voluntários e que eles deveriam se dirigir ao setor

de vacinação. Uma voluntária estava em dúvida sobre tomar ou não a vacina. Por um lado, teria que tomar por ser idosa, mas, por outro lado, como não tinha doença crônica, seria a última da fila. Se decidisse tomar a vacina não contaria ao marido, para não preocupá-lo. Outra voluntária relatou que ouviu no elevador enfermeiras dizendo que a vacina era muito dolorida. Ainda um terceiro voluntário afirmou que não havia risco, pois a vacina era feita com vírus mortos. A voluntária idosa tinha receio porque ouvira dizer que afetava os neurônios e, por ter mais idade, talvez fosse mais complicado. Por fim, resolveu que ia tomar a vacina, mas do lado esquerdo, que era o lado “mais bobo” dela, pois, caso ocorresse algum problema, não afetaria o lado bom.

A vacinação é sempre estimulada pela Dra. Glória Brunetti, pois nos relatou que, de acordo com sua estatística, nas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª turmas de voluntários, a média era de 82% das pessoas não vacinadas, já na última turma (6ª), a média é de 68% .

Cena 2 – Avental, bótons e crachá

Figura 16

No dia 10 de março, encontrei duas voluntárias na sala da Associação, uma do programa leitura solidária e outra que ajudava no setor administrativo. A segunda afirmou

que já estava havia cinco anos na Associação. Observei vários bótons em seu avental e indaguei: “Por isso você tem tantos bótons no seu avental?” e ela respondeu afirmativamente. Nesse momento, a outra voluntária pareceu indignada: “Por que você tem e eu não tenho?”.

Nesse mesmo dia, uma outra voluntária explicou que, no dia da formatura, os voluntários recebem o avental e o distintivo (palavra utilizada para se referir ao bóton). Mostrou-me o “distintivo”, no qual estavam gravados o logo da associação e o ano. Segundo ela, aquele objeto configura o momento em que a pessoa se torna, de fato, voluntário. Chamou outra voluntária, mais antiga, para me mostrar a quantidade de bótons que ela possuía.

Enquanto eu aguardava para fazer a entrevista com a Dra. Glória Brunetti, observei um senhor, candidato a voluntário que estava experimentando o avental para encomendar um com sua medida. Ele demonstrou felicidade ao vestir o avental e quando tirou, exclamou: “Não dá vontade de tirar”.

Cena 3 – Álcool, lavagem das mãos e biossegurança Figura 17

Perguntei para dois voluntários como era o treinamento, ao que a voluntária respondeu que primeiro tinha de ler o relatório. Quando descem para o andar, eles são obrigados a lavar as mãos e, de quarto em quarto, passar o álcool em gel. Também devem olhar as plaquinhas na porta, as quais informam o tipo de equipamento de proteção que

deve ser usado. (10/3/2010)

Uma voluntária me mostrou o lugar onde devem lavar as mãos e, em seguida, se apresentam na sala de enfermagem. Mostrou-me as placas nas portas dos quartos, que correspondem ao tipo de equipamento que deve ser utilizado (para evitar contágio, como máscaras, luvas, etc). Há casos em que não há essa indicação “devido às bactérias, que muitas vezes ainda não foram descobertas quais são” (28/1/2010)

Cena 4 – O vírus

Uma senhora, voluntária há um ano, relatou que quando se inscreveu no Emílio Ribas, seus familiares ficaram aterrorizados, preocupados, por ser um hospital de infectologia e acharam que ela ficaria deprimida com o trabalho. Ela respondeu: “Então eu vou pegar meningite, hepatite, aids...quer dizer que os médicos que trabalham com estas pessoas têm todas estas doenças?” Essa senhora sempre acompanhara os familiares doentes e, muitos deles, até à morte, por isso, achou que esse trabalho seria ideal para ela (10/3/2010).

Outra voluntária falou da importância de observar as plaquinhas na porta do quarto (equipamentos de proteção) por causa das bactérias. Perguntei se o fato de ser um hospital de doenças infecto-contagiosas tinha influência para realizar o trabalho. Ela respondeu afirmativamente, e me contou que há voluntários que têm medo de se contaminar, já tendo havido até casos em que o voluntário colocou luva e máscara para atender o paciente. Quando o medo é maior do que a vontade de atender, a pessoa desiste da atividade (28/1/2010).

Figura 18

Na sala da Associação, existe uma prateleira com diversos livros-ata, cada um deles pertencente a um programa de atividade. Há também uma pasta para os voluntários justificarem suas faltas, e outra para registrar a presença das pessoas que estão em treinamento para serem voluntários.

Nessa ocasião, uma voluntária mais experiente, do programa Leitura Solidária, recebeu duas pessoas para realizarem o treinamento. Cumprimentou-as e informou que elas deveriam preparar um texto para ler para os pacientes. Mostrou o caderno de presença que deveriam assinar e o livro de relatos do programa Leitura Solidária que deve ser lido antes de iniciar a atividade, a fim de saberem quais pacientes foram atendidos e se existe uma demanda específica para algum deles, como, por exemplo, levar uma revista ou um livro. Depois trouxe algumas folhas, com versos e poemas, para as voluntárias lerem antes de elas se dirigirem aos quartos. E por fim, quando terminassem o atendimento, deveriam voltar para a sala da Associação e preencher o livro de relatos, descrevendo a atividade que fora realizada por elas.

As informações que compõem os livros de relatos dão subsídios para um relatório anual, o qual descreve o número de atendimentos em cada projeto e a frequência dos voluntários. Esses dados são apresentados na assembleia anual da associação, como uma forma de prestar conta para os apoiadores e também ancorar novos projetos para captação

de patrocinadores e de outros tipos de doações.

Cena 6 – Cesta básica, leite em pó e outros objetos para doação

Figura 19

Enquanto acompanhava uma voluntária, que me mostrava os andares do hospital em que os voluntários atuam, encontramos com uma senhora, avó de uma paciente de 15 anos. A senhora perguntou para a voluntária sobre a cesta básica que é distribuída aos jovens pacientes do hospital que participam do projeto Poder Jovem, pois não havia recebido a dela naquele mês. A voluntária respondeu que, para receber a cesta, é necessário que um familiar do paciente participe das reuniões mensais. Se o familiar não participa, consequentemente, não recebe a cesta.

Na entrevista com a Dra. Glória, soube que a cesta básica também é um incentivo para a adesão ao tratamento dos jovens, integrantes do grupo Poder Jovem, já que a medicação que eles utilizam tem efeitos colaterais incômodos. E para tentar amenizar o gosto forte do remédio, acrescentam-se à medicação utilizada por eles alguns itens, a exemplo do leite condensado.

Na sala da Associação, também são recebidos familiares dos pacientes, portando o documento de identidade para retirar o leite em pó. Trata-se de uma doação para crianças de até 13 anos atendidas no hospital. Esse leite em pó resulta de doações obtidas em palestras e eventos e são um complemento nutricional para melhorar a adesão dos pacientes aos antirretrovirais.

Atendendo à orientação do Ministério da Saúde, os voluntários também distribuem o Nestogeno (leite em pó) para crianças de zero a seis meses, que nasceram de mães portadoras do vírus HIV.

Ainda há a captação de outros recursos pelo grupo de voluntários, como cadeiras de rodas e fraldas geriátricas, que complementam as ações de outros setores do hospital, como o Serviço Social e o setor de Cuidados Paliativos.

Cena 7 – A formatura dos voluntários

Figura 20

A formatura dos voluntários ocorreu no dia 27 de março de 2010. Foi o momento de contemplar as pessoas que participaram das etapas do processo de seleção para voluntários e, por meio da formatura, são considerados voluntários efetivos.

Na entrada do evento, as pessoas recebiam e vestiam o avental verde e o crachá, que permite o acesso às dependências do hospital. Depois, durante a cerimônia, eram

chamados ao palco, nome por nome, para receberem os cumprimentos e o já referido bóton, com o logo da associação e o ano vigente.

Cena 8 – Habilidades profissionais

Figura 21

Fonte: www.versocial.org.br

Uma voluntária do projeto “Mãos que Cuidam” me informou que todas as voluntárias desse projeto devem ser massoterapeutas, fisioterapeutas ou estudantes dessas áreas. Essa exigência se deve ao fato de que é necessário conhecer o funcionamento do corpo, já que os médicos pedem a massagem para determinado objetivo e, além disso, saber o quanto é importante se estabelecer um vínculo para tocar o corpo do outro

O projeto “SOS Beleza” também exige que o voluntário tenha habilidades específicas para cortar o cabelo do paciente e para cuidar das unhas das mãos e dos pés. Também utilizam instrumentos específicos, como tesoura, alicate, pente, lixa, avental e outros materiais. Pela especificidade desse projeto, existe um conjunto de procedimentos que devem ser seguidos, como a esterilização dos equipamentos.

Logo, o fato de ser profissional ou ter habilidades na área da massoterapia e corte de cabelo, permite que a pessoa seja voluntária de determinado projeto, cujas atividades não podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa.

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