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MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Camila Claudiano Quina Pereira

Sobre novas tecnologias de gestão que se articulam a repertórios

históricos: um estudo sobre o trabalho voluntário na área da

Saúde.

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS

EM PSICOLOGIA SOCIAL

Camila Claudiano Quina Pereira

Sobre novas tecnologias de gestão que se articulam a repertórios

históricos: um estudo sobre o trabalho voluntário na área da

Saúde.

Orientadora: Prof. Dra. Mary Jane Paris Spink

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Camila Claudiano Quina Pereira

Sobre novas tecnologias de gestão que se articulam a repertórios

históricos: um estudo sobre o trabalho voluntário na área da Saúde.

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof. Dra. Mary Jane Paris Spink.

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ – Brasil.

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Banca Examinadora

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PEREIRA, C.C.Q. Sobre novas tecnologias de gestão que se articulam a repertórios históricos: um estudo sobre o trabalho voluntário na área da Saúde. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

RESUMO

O trabalho voluntário na área da Saúde é uma atividade em expansão, comprometida com políticas públicas que, atualmente, movimenta recursos financeiros, desde doações de pessoas físicas até valores provenientes de empresas privadas, seja para contribuir, seja para isenção do imposto de renda ou ainda para promover um programa de responsabilidade social. Diversos setores da comunidade e órgãos públicos estão envolvidos na atividade voluntária desenvolvida nos serviços de saúde. Ademais, não podemos negar os benefícios que tal prática oferece a pessoas hospitalizadas e fragilizadas em decorrência do adoecimento. Dessas constatações chegamos à indagação sobre os efeitos que a gestão, as leis, os repertórios históricos e o interesse governamental têm no trabalho voluntário. Trata-se de uma figura polissêmica que é performada por materialidades e sociabilidades distintas. Por isso, nossa questão para este trabalho foi observar como o voluntário é performado no hospital. Acatamos o desafio metodológico de partir da postura construcionista para um diálogo com a proposta da Teoria Ator Rede que nos permitiu trabalhar com a complexidade e a multiplicidade de versões da atividade voluntária, além de sugerir que a sociedade, as instituições, as tecnologias, a arquitetura, dentre outros, são vistos como um efeito ou um produto de uma rede heterogênea de humanos e não humanos. Para consecução desse objetivo iniciamos com uma pesquisa bibliográfica que nos possibilitou entender a complexa trama na qual se insere a atividade de voluntários na área hospitalar. Para ser foco desse estudo, selecionamos a Associação dos Voluntários do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, no qual acompanhamos o cotidiano dos voluntários para compreender os procedimentos, as materialidades e socialidades que compõem a prática voluntária nesse hospital e que performam o voluntário. As diversas fontes de informação utilizadas nesse estudo nos propiciaram argumentar que o voluntário na área da Saúde é um produto social, contextualmente localizado, performado pelos repertórios históricos e pela complexa rede heterogênea, composta por atores humanos e não humanos em que está inserido.

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PEREIRA, C.C.Q. On new management technologies that articulate the historical repertoires: a study on volunteer work in health-care institutions. Master’s Tesis. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

ABSTRACT

Volunteer work in health-care institutions is an expanding activity that responds to, public policies that promote incentives for donations from individuals as well as private corporations with double benefits: exemption from income tax and accountability as to social responsibility programs.. Various community sectors and government agencies are involved in volunteer activities in health services. Moreover, we cannot deny the benefits that this practice offers for people who are under hospital care and are vulnerable due to illness. Based on these premises, this research has focused on the effects that the managerial theories, laws, historical repertoires and governmental interest have in volunteer work in hospital settings. Taking as a point of departure the assertion that volunteers are polissemic actors that are performed by a variety of materialities ans socialities, the aim of this research was to understand how the volunteers are performed in a public hospital in the city of São Paulo. For this purpose, we accepted the methodological challenge of adopting a constructionist approach in dialogue with Actor Network Theory's proposals that enabled us to work with the complexity and the multiple versions of volunteer activity and also suggest that the society, institutions, technologies, architecture, among others actors, are an effect or a product of a heterogeneous network of human and nonhuman. To achieve this goal we started with a literature review that enabled us to understand the complex network in wich volunteer activity in hospitals is enmeshed. The study was conducted with the collaboration of the Volunteer Association of the Institute of Infectious Diseases Emilio Ribas and, in order to understand the procedures, social and material, that make up the voluntary practice in this hospital, we followed them in their daily routine. The various sources of information used in this study led us to argue that the volunteer work in healthcare is a social product, contextually located that sets in motion historical repertoires within the a heterogeneous network composed of human actors and non-humans..

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Prof. Dra. Mary Jane Paris Spink, por aceitar percorrer a trajetória do mestrado comigo, por se interessar pela temática do voluntariado, pela sua disponibilidade e generosidade e por tornar esse período tão agradável e envolvente.

Às professoras Dra. Maria Lucia Carvalho da Silva e Dra. Vera Sonia Mincoff Menegon, pelas contribuições valiosas quando da qualificação e por aceitarem, novamente, colaborar no exame final.

Aos colegas do Núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos, que com suas vozes me ajudaram a construir este estudo. Compartimos ideias, inquietações e angústias! Agradeço especialmente à Mariana Prioli Cordeiro, pela sua generosidade, pelas suas orientações em meu projeto inicial, pelos textos partilhados que fizeram a diferença em minha pesquisa; e à Vanda Lucia Vitoriano do Nascimento, por me acolher, pelas dicas, pelo afeto, enfim, por ser uma pessoa especial a quem tanto admiro!

À Silvia Maria Louzã Nacacche, coordenadora do Centro de Voluntariado de São Paulo, pela sua trajetória e dedicação com os voluntários, pela acolhida e contribuições para este trabalho.

À Dra. Glória Brunetti e equipe, por acreditar e investir no trabalho voluntário no hospital e por permitir a realização da minha pesquisa na Associação dos Voluntários do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Aos voluntários dessa Associação, pela dedicação e coragem ao lidar com pessoas tão fragilizadas.

Aos voluntários da Associação Viva e Deixe Viver, pelo admirável trabalho realizado e por terem despertado em mim o interesse em pesquisar a respeito da atuação dos voluntários no hospital. À equipe técnica da Associação: Yooko Suyama, Marisa Hauschild, Andresa Cavalheiro, Valdir Cimino, Diva Mastroti. Às psicólogas Ana Maria, Any e Sonia por repartirem comigo a preocupação com os aspectos psi dos voluntários.

Ao meu marido José Lineu (eu te amo!), que vivenciou comigo toda a trajetória do mestrado, meu companheiro em conversas cotidianas e conversas teóricas! E que tornou possível e especial esse percurso, que veio acompanhado por tantas mudanças, inclusive, nosso casamento! E ainda trouxe nosso Zé Tobias, meu pastor, meu companheirinho!

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admiração! Ao meu irmão Wellington, o segundo homem da minha vida por quem sou apaixonada e morro de saudade! À minha cunhada Débora, uma amiga que chegou à família para nos trazer mais alegrias.

Ao meu pai Ely Oliveira Quina, saudade que se transforma em inspiração e força para conquistar meus objetivos. A ele dedico todas as minhas conquistas, inclusive esta dissertação de mestrado.

Aos meus queridos que chegaram depois e me incentivaram no estudo: meu sogro José Maria, minha sogra Lurdinha, meus tios do coração José Claudio e Jovina, meu primo Sergio e minha afilhada Gaby.

À Vanilda dos Santos, uma amiga pessoal e profissional, por repartir nossas inquietações psi e inquietações cambuienses!

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO - APROXIMAÇÕES COM O CAMPO ... 1

CAPÍTULO 1 : DO ASSISTENCIALISMO À PARTICIPAÇÃO CIDADÃ: REPERTÓRIOS HISTÓRICOS DA ATIVIDADE VOLUNTÁRIA NO BRASIL ...7

1.1. O voluntariado na perspectiva do assistencialismo... 9

A era do assistencialismo...9

O modelo das Santas Casas de Misericórdia ... 10

1.2. A atividade voluntária como participação cidadã... 12

A participação do setor privado ... 16

1.3. A parceria com o Estado para a solução de problemas sociais ... 18

A lei do voluntariado ... 26

A lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP ... 28

As leis posteriores ... 30

1.4. Voluntário: uma noção polissêmica ... 31

Repertórios da atividade voluntária em uma perspectiva histórica ... 31

Em busca de uma síntese ... 34

CAPÍTULO 2: O VOLUNTARIADO NA ÁREA DA SAÚDE ... 38

2.1. A presença do voluntariado nas políticas de Humanização Hospitalar ... 38

2.2. O cenário do voluntariado na área da Saúde na cidade de São Paulo ... 45

O voluntariado da Saúde na Prefeitura Municipal de São Paulo ... 46

2.3. A diversidade do trabalho voluntário em hospitais paulistas: a profissionalização como meta ... 49

A Certificação ISO nos programas de voluntariado: o foco na gestão ... 55

Um exemplo de Hospital certificado pela ISO 9001 ... 58

CAPÍTULO 3: PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ... 60

3.1. Sobre performatividade, materialidades e socialidades... 61

3.2. A escolha do Hospital ... 69

3.3. As fontes de informação ... 70

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Entrevistas ... 71

Eventos ... 72

Conversas ... 72

Seguindo os atores ... 73

Sobre o uso das diversas fontes de informação... 74

3.4. Aspectos éticos ... 76

CAPÍTULO 4: PERFORMANDO VOLUNTÁRIOS NO INSTITUTO DE INFECTOLOGIA EMÍLIO RIBAS... 78

4.1. A organização do trabalho voluntário no Instituto de Infectologia Emílio Ribas 78 Sobre o Hospital Emílio Ribas ... 79

A organização do trabalho dos voluntários... 80

A gestão dos voluntários ... 84

As atividades desenvolvidas ... 86

4.2. Materialidades e socialidades no cotidiano dos voluntários ... 88

4.3. Performando voluntários ... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 113

ANEXOS ... CD

Anexo 1: Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Anexo 2: Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Anexo 3: Parecer da Comissão Científica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Anexo 4: Parecer da Diretoria Técnica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Anexo 5: Termo de Consentimento Informado

Anexo 6: Transcrição das entrevistas

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APRESENTAÇÃO

Aproximações com o campo

Esta dissertação decorre dos questionamentos da pesquisadora baseados em suas experiências pessoal e profissional relativas à temática do trabalho voluntário na área da Saúde. Trata-se de uma atividade em expansão, comprometida com políticas públicas e que, atualmente, movimenta recursos financeiros, desde doações de pessoas físicas até valores provenientes de empresas privadas, seja para contribuir, seja para isenção do imposto de renda ou ainda para promover um programa de responsabilidade social. Diversos setores da comunidade e órgãos públicos estão envolvidos na atividade voluntária organizada em serviços de saúde. Ademais, não podemos negar os benefícios que a prática voluntária oferece não só a pessoas hospitalizadas e fragilizadas em decorrência do adoecimento, mas também aos que a desenvolvem, conforme explicitado na fala de um dos voluntários: “quem ganha sou eu!”. Então, quais são os interesses? De que forma esses atores impactam na atividade do voluntário?

Antes de responder às questões propostas, importa voltar ao ano de 2002, mais precisamente em outubro, quando se iniciou o interesse pelo tema. Nessa ocasião, fui voluntária por dois meses no hospital Geral de Taipas, localizado na periferia da cidade de São Paulo. O setor de voluntários do hospital era composto, na maioria, por senhoras, “do lar”, que residiam na região. O trabalho das voluntárias consistia em cuidar do bazar cujo dinheiro era revertido em compras de enxoval para os bebês que nascessem naquele hospital, e também auxiliar a enfermagem na troca de roupas das pacientes, além de alimentá-las, lhes fazer visitas e acompanhá-las na sala de parto. Minha função era ficar na pediatria, mais especificamente na brinquedoteca, mas a tarefa que eu devia desempenhar não estava descrita e não havia organização nessa seção. Abandonei o trabalho, mesmo porque o horário que eu tinha disponível não se adequava ao do setor de voluntários.

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não governamental (ONG) que tinha por objetivo recrutar, selecionar e capacitar voluntários para atuarem em hospitais a fim de contar histórias para as crianças.

Diariamente, pessoas procuravam a ONG com o desejo de se dedicarem a essa atividade. Contudo, havia um processo de seleção, que envolvia uma sequência de palestras sobre biossegurança, higiene, aspectos psicológicos do adoecimento, como lidar com a morte, além, é claro, de técnicas para contar histórias. O processo encerrava com a avaliação dos psicólogos: se aprovados, tornavam-se voluntários, assinavam o termo de adesão e eram encaminhados aos hospitais, onde deveriam contar histórias utilizando recursos lúdicos: fantoches, lápis, papel colorido, massinha de modelar, entre outros.

Para sua identificação, o voluntário recebia um crachá colorido com foto (produzida por um fotógrafo profissional) e um avental branco, com bolsos coloridos e com o logo da ONG, o qual observei ser um objeto de desejo das pessoas. Para elas, era como se aquela peça de vestuário pudesse dar poderes a quem a vestisse, além de lhe permitir o acesso livre aos hospitais.

Nesse período, conheci outros grupos e associações que desempenhavam trabalho voluntário em hospitais, os quais visitei para conhecer como era organizado esse setor. Entre eles as associações e grupos de apoio (Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD, Associação de Assistência à Criança Cardíaca e Transplantada do Coração - ACTC e Grupo de Apoio à Criança com Câncer – GRAACC), Hospital das Clínicas (Instituto da Criança, Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Instituto de Psiquiatria), hospitais públicos (Cândido Fontoura, Centro Hospitalar de Santo André, Cotoxó, Darcy Vargas, Guarulhos, Hospital do Câncer, Santa Casa e Santa Marcelina) e hospitais privados (Alvorada, Neomater, Samaritano, Santa Cecília, Sepaco, Sírio Libanês e Vila Mariana).

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Outro assunto de interesse comum nessas visitas era a busca por um instrumento que pudesse “medir” os resultados do trabalho realizado pelos voluntários, tanto para conseguir patrocínios para o desenvolvimento da atividade, quanto para valorizar e motivar os voluntários.

Ainda em 2006, participei do curso “Gestão de Programas de Voluntariado”, no Centro de Voluntariado de São Paulo. O conteúdo desse curso era voltado para a gestão do voluntário, com recursos de áreas do segundo setor para instrumentalizar os coordenadores. Nesse evento, havia representantes de diversas instituições que procuravam adquirir técnicas para promover o processo de seleção, capacitação e acompanhamento desse voluntário.

Em 2008, houve o Primeiro Encontro de Voluntários da Saúde do Estado de São Paulo, no espaço cedido pela Universidade São Camilo, onde se realizaram palestras voltadas à gestão do voluntariado. Foi curioso observar que as voluntárias que ocupavam o auditório portavam o avental de sua instituição, como se representassem vários times. O interesse em aprender instrumentos para a gestão era nítido, apontando para uma tendência à profissionalização do voluntário, termo este compreendido como uma maneira de sair do amadorismo para uma ação com compromisso e qualidade, utilizando, inclusive, metodologia do Segundo Setor.

No ano seguinte, em 2009, o encontro se repetiu no auditório do Hospital Sírio Libanês. Novamente as voluntárias (na maioria mulheres, pois havia aproximadamente 5% de homens) compareceram vestindo seus uniformes, quase todas nos tons rosa, umas com um terninho elegante e uma flor na lapela, outras somente com o avental ou com um lenço rosa sobre a camisa e, algumas usavam aventais amarelos ou verdes. Os homens preferiam o avental azul claro. E havia, ainda, um grupo de voluntárias do Grupo de Apoio à Criança com Câncer – GRAACC, que estavam com uma camiseta preta, com o nome da instituição bordado como se fosse o uniforme de gala. Estavam todos alegres, num espírito de confraternização. Alguns coordenadores comentavam sobre o interesse em desenvolver um instrumento para medir o impacto da atividade voluntária no hospital.

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Paulo, Sr. Ricardo Tardelli. Tais presenças evidenciam o interesse governamental em apoiar a atividade voluntária nos hospitais.

Outros dados sobre o voluntariado foram obtidos nas duas entrevistas realizadas em 2009 com a Sra. Silvia Maria Louzã Naccache, coordenadora do Centro de Voluntariado de São Paulo. Foram informações essenciais para entendermos a conjuntura atual do voluntariado na área da Saúde e o papel do Centro de Voluntariado de São Paulo nessa rede de instituições da Saúde.

O que se pôde observar é que o serviço voluntário na área hospitalar está avançado em relação às outras áreas, no que se refere à organização. São profissionais, ONG’s, empresas, órgãos governamentais, instituições religiosas e comunidades ocupando o mesmo espaço – o hospital. Foram criados documentos, fichas, planilhas para controlar as faltas, atividades, recursos lúdicos, eventos e captação de recursos. Além disso, há constante preocupação em se oferecerem treinamentos, parcerias e palestras. Mas cabe salientar que se trata de um recorte específico na cidade de São Paulo, ou seja, nos hospitais parceiros do Centro de Voluntariado de São Paulo.

Com base nessa experiência de visitas, de participação em eventos e contato com os voluntários, chegamos à pergunta: “Que efeitos a gestão, as leis, os repertórios históricos e o interesse governamental têm no trabalho voluntário”? Trata-se de uma figura polissêmica que é performada por tecnologias e sociabilidades distintas. Por isso, nosso questionamento para este trabalho é: “Como o voluntário é performado no hospital?” Para a consecução desse objetivo partimos de uma pesquisa bibliográfica que nos possibilitou entender a complexa trama na qual se insere a atividade de voluntários na área hospitalar. Optamos por essa área por corresponder ao primeiro registro do trabalho voluntário no Brasil, por conter diversas atividades e formas de organização, e ainda por acreditar que o voluntário nessa área contribui para o bem-estar das pessoas hospitalizadas e por ser o campo de conhecimento da pesquisadora deste estudo.

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Nossa pesquisa é baseada na perspectiva construcionista, que é o foco de interesse do Núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na qual se insere a proposta deste estudo. Nessa perspectiva, o conhecimento não é algo inato à natureza humana, mas sim algo que as pessoas constroem juntas. Ademais, a postura construcionista postula a necessidade de problematizar noções arraigadas em nossa cultura, ou seja, desfamiliarizar construções conceituais que geraram crenças, e dar oportunidade para novas construções. Essa desfamiliarização implica no questionamento da retórica da verdade, propondo que não existe verdade absoluta, mas sim verdades específicas e construídas a partir das convenções de cada cultura (SPINK; FREZZA, 2004).

Íñiguez (2002) afirma que uma das características da vertente construcionista é sempre questionar a verdade acatada, não existe natureza das coisas e nem essência; a realidade social é resultado de um processo social, por isso nega a percepção direta da realidade. De acordo com Spink e Frezza (2004), é necessário ter certo grau de ceticismo e culturalismo sobre o que está instituído socialmente. Ou seja, entender o contexto em que essas construções foram produzidas, que uso é feito dessas construções e suas consequências.

Baseando-nos nessa perspectiva, acatamos o desafio metodológico de partir da postura construcionista para um diálogo com a proposta da Teoria Ator Rede que nos permite trabalhar com a complexidade e a multiplicidade de versões da atividade voluntária, além de sugerir que a sociedade, as instituições, as tecnologias, a arquitetura, dentre outros, são vistos como um efeito ou um produto de uma rede heterogênea de humanos e não humanos.

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Tratamos da participação do Estado na solução de problemas sociais mediante políticas que estimularam a prática voluntária no país, como a criação da Legião Brasileira da Assistência – LBA, o Programa Nacional do Voluntário – PRONAV e a Comunidade Solidária, que resultou na criação de uma legislação para o trabalho voluntário. Também apresentamos a sistematização dos repertórios históricos presentes na pesquisa destinada a contextualizar historicamente o trabalho voluntário no Brasil.

No capítulo dois, versamos sobre a política de Humanização Hospitalar, como um fator de influência no voluntariado. Relatamos como se configura o trabalho voluntário na área hospitalar de São Paulo, com a diversidade de instituições, inserção e atividade desenvolvida e a certificação ISO 9000, uma tendência na gestão para garantir a qualidade do trabalho.

Os procedimentos de pesquisa são abordados no capítulo três, com a proposta de acompanhar os voluntários no seu cotidiano no hospital. Mencionamos as fontes utilizadas para elaborar uma narrativa sobre essa atividade e descrevemos a perspectiva teórica utilizada para fundamentar o argumento deste estudo, a Teoria Ator – Rede, que nos permitiu trabalhar com as materialidades e socialidades que performam o voluntário.

As informações obtidas na coleta de dados no hospital Emílio Ribas, quando a pesquisadora deste estudo acompanhou o voluntário no seu cotidiano no hospital e participou das conversas na sala da associação dos voluntários, propiciaram uma narrativa que está inserida no capítulo quatro.

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CAPÍTULO 1

Do assistencialismo à participação cidadã: repertórios históricos da

atividade voluntária no Brasil

Os repertórios são os elementos que as pessoas utilizam para construir versões sobre uma ação, uma experiência ou um fato. São expressos na linguagem, nos gestos e nas materialidades que circulam na sociedade.

Familiarizamo-nos com os repertórios no processo de aprendizagem da linguagem, nas trocas cotidianas, nas conversas, no passeio ao teatro, no cinema, etc. São de longa data, por isso, para compreender a circulação dos repertórios no tempo, adotaram-se as dimensões temporais: tempo longo, tempo vivido e tempo curto (SPINK; MEDRADO, 2004).

O tempo longo refere-se aos repertórios que circulam na sociedade, expressos nas produções culturais e históricas; remetem-nos a um discurso de determinada época da humanidade. O tempo vivido refere-se ao tempo do processo de socialização, ao tempo de vida de uma pessoa, às narrativas pessoais. O tempo curto refere-se ao momento das interações (interanimação dialógica), especialmente as relações face a face.

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Ainda na esfera espiritual, a Companhia de Jesus também influenciou a prática voluntária, já que os jesuítas missionários integrantes desta companhia fundaram hospitais e instituições religiosas para acolher mendigos e dar assistência aos enfermos (DOMENEGHETTI, 2004).

Com características semelhantes às da Irmandade das Santas Casas, porém, sem prestar atendimento na área da Saúde, o Mosteiro de São Bento e a Ordem dos Frades Franciscanos iniciaram esse acolhimento Brasil. Ambos ofereciam refeição, apoio espiritual e abrigo aos pobres, órfãos e enfermos (VEJA, 2001).

Segundo Junior e Antunes (2002), os donativos de caridade têm origem no período colonial, sobretudo por meio de obras filantrópicas da igreja católica. Cunha (2005) relata que o cristianismo tem a bondade como um atributo que deve ser praticado pelas pessoas que partilham desses ensinamentos religiosos, motivando suas ações com o próximo e tendo atos donativos como expressão do sacrifício. Para Corrulón (1996), as religiões consideram a caridade a maior virtude, expressa nos ensinamentos de Jesus, Moisés, Alá e Buda, registrados na Bíblia, no Alcorão, nos Dez mandamentos e no Torah. Tanto o espiritismo quanto o catolicismo concordam com o significado da caridade, já que a salvação está relacionada ao outro, que pode ser o pobre, o necessitado ou o doente. Essa diretriz pode mobilizar recursos humanos, os voluntários ou recursos financeiros que correspondem aos donativos. A caridade era relacionada ao auxílio aos pobres, famintos e doentes na tradição judaico-cristã, performando a tradição do bom samaritano, que é aquele que pratica boas ações para atender o carente, o marginalizado e o desprotegido.

A igreja católica, conforme expõe Cunha (2005), influenciou as ações de assistência no Brasil. A princípio, os atendimentos eram de responsabilidade das confrarias e irmandades nos asilos, nos manicômios e nos hospitais. Em seguida, praticava-se a assistência nas instituições religiosas de ensino e em parceria com o Estado, até às décadas de 1960 e 1970, quando houve uma renovação marcada pelas correntes da Teologia da Libertação e pelas pastorais, entre elas, a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário e as Comunidades Eclesiais de Base.

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Organizamos a análise dos repertórios em três blocos. No primeiro, traçamos a trajetória que vai das ações de cunho assistencialista à ressignificação da atividade voluntária como participação cidadã. No segundo, abordamos o cenário atual de parceria com o Estado. O terceiro bloco teve o objetivo de formar uma síntese dos repertórios sobre voluntariado identificados na revisão bibliográfica.

1.1.O voluntariado na perspectiva do assistencialismo

A era do assistencialismo

No século XIX, a atividade voluntária passou a ser ressignificada como benemerência, caridade e altruísmo, mediante trabalho realizado pelas damas da sociedade. As instituições que recebiam a ajuda eram as de cunho religioso, de saúde (hospitais, asilos e hospícios) e os educandários. Os problemas sociais eram considerados um desvio da sociedade e atribuídos às pessoas pobres como desgraça, por não terem oportunidade de se reintegrarem na sociedade. As damas da sociedade consideravam que a caridade era essencial para auxiliar os desvalidos, distribuindo seus excedentes aos necessitados, reafirmando que era preciso integrá-los em um modelo de vida tido como normal, e desse modo, concretizando um modelo de caridade organizada. Tal postura deu ao trabalho de benemerência um caráter feminino, baseado em valores morais (SILVEIRA, 2002).

A partir do ano de 1830, a atividade voluntária praticada pelas mulheres propiciou a criação das Sociedades Filantrópicas, dentre as quais se destaca a Sociedade Filantrópica de São Paulo, fundada por Diogo Antonio de Feijó, que tinha por meta amparar os presos pobres. Em 1832, ela se expandiu para Santos com a finalidade de apoiar a Santa Casa de Misericórdia (ORTIZ, 2007).

O trabalho das Associações das Damas de Caridade, em São Paulo, iniciou-se em 1887. Era um canal dos núcleos paroquiais, e o trabalho era focado na educação dos órfãos. No ano de 1894, integravam esse núcleo 300 mulheres (COELHO, 2002).

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outros imigrantes que já viviam no Brasil passaram a se organizar para receberem seus conterrâneos e minimizarem os problemas de adaptação ao novo país. Nessa época, estabeleceram-se as comunidades judaicas, sírias e outras que, mais tarde, passaram a desenvolver diferentes atividades filantrópicas. Algumas, inclusive, arrecadaram donativos e construíram hospitais, a exemplo do Hospital Sírio e Libanês e do Hospital Albert Einstein, ambos na cidade de São Paulo.

Em 1923, o arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, estimulou que a Liga das Mães Católicas passasse a se denominar Liga das Senhoras Católicas. O objetivo dessa organização era desenvolver a assistência social católica e proporcionar às mulheres católicas acesso ao lazer e a conhecimentos científicos, literários e artísticos. Em 1924, essa organização se expandiu e fundou a escola de Economia Doméstica, cuja finalidade era oferecer treinamento para as moças que estavam empregadas no comércio da região paulistana. No período da Revolução de 1932, a Liga criou o Posto de Piratininga, que prestava assistência aos soldados feridos e coletava sangue para os hospitais. Após a Revolução, a assistência destinou-se às famílias dos soldados vítimas da revolução, criando o Departamento de Assistência à Família dos Combatentes (DOMENEGHETTI, 2004).

A caridade, sentimento que motiva as práticas assistencialistas, é recusada no discurso institucional das práticas atuais do voluntário, já que agora se utiliza da retórica da solidariedade e cidadania, porque, conforme descrito por Cunha (2005), a caridade se identifica com a compaixão, que pode motivar uma prática assistencialista que não promove mudanças. No entanto, não podemos negar que a caridade, um repertório de tempo longo, se presentifica nas ações e motivações de muitos voluntários e na forma de suas práticas.

O modelo das Santas Casas de Misericórdia

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Para compreender como esse modelo chegou ao Brasil, vamos nos remeter a Portugal, onde, em 1498, foi instituída a primeira Irmandade da Misericórdia, em Lisboa, por iniciativa de Dona Leonor de Lencastre, do Rei Dom Manuel, do Arcebispo Dom Martinho da Costa e de Frei Miguel Contrerás. A princípio, a Irmandade foi responsável pela manutenção de alguns hospitais e, posteriormente, se construíram outras Misericórdias, transpondo esse modelo às colônias. O objetivo inicial era tratar enfermos, patrocinar as despesas com os presos, socorrer os necessitados e amparar os pobres (IVAMOTO, 1998).

Em uma das expedições portuguesas para colonizar o Brasil, veio Braz Cubas que, com o auxílio dos moradores locais, construiu o hospital na Vila de Santos e, em 1543, fundou a primeira Santa Casa de Misericórdia no Brasil, sendo responsável por sua manutenção e administração (IVAMOTO, 1998). Essa instituição foi o marco para a prática do voluntariado e do assistencialismo no Brasil.

No ano de 1560, quando São Paulo era ainda uma pequena vila isolada, que se desenvolvia graças à escola dos jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, foi fundada a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, composta de uma pequena enfermaria e de um albergue. Como já exposto, os procedimentos médicos e administrativos eram de responsabilidade dos padres e freiras, e a captação de recursos e a recreação com os pacientes ficavam sob a responsabilidade das pessoas da sociedade. As esmolas eram destinadas para doações aos órfãos e também utilizadas para construir ataúdes para os pobres.

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Em 1872, se realizou uma campanha de doações financeiras, por iniciativa de D. Veridiana da Silva Prado, filha do Barão de Iguape, para construir um hospital na cidade de São Paulo. Desse modo, em 1884, foi fundado o Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia no bairro de Santa Cecília (DOMENEGUETTI, 2004).

Segundo Cunha (2005), nos séculos XVIII e XIX, a Santa Casa de São Paulo expandiu seus atendimentos criando hospitais especializados, como o Instituto de Surdos Mudos, em 1886, e o Hospital para Tratamento de Doenças Infecto-Contagiosas, em 1907. Nesse período, se organizaram as associações de auxílio mútuo, como a Sociedade Portuguesa de Beneficência.

Um marco para o voluntariado no Brasil pelo seu pioneirismo, o modelo inicial do trabalho voluntário na Santa Casa repercute nas ações desenvolvidas nos hospitais até hoje. Repertórios como o assistencialismo, a caridade, a participação predominante de mulheres, inspirações religiosas e eventos para captar recursos, todos de tempo longo, se presentificam nas ações com as quais nos deparamos nos hospitais. Ademais, os interesses governamentais já se expressavam na prática assistencialista das pessoas que compunham a monarquia e, por outro lado, daquelas que participavam dessa prática para obterem benefícios com o Rei.

1.2. A atividade voluntária como participação cidadã

Na década de 1970, organizações não governamentais europeias buscaram parceiros em outros países para promoverem projetos de desenvolvimento em países subdesenvolvidos e, assim, estimularam o surgimento de ONG’s no Brasil. Na década de 1980, inicialmente com a proposta de dar assistência aos movimentos sociais, essas organizações aumentaram e ganharam destaque no país.

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voluntário, uma medida para fortalecer a ação voluntária e promover alianças (O ESTADO DO PARANÁ, 2007).

No fim dos anos de 1980, o setor empresarial adotou a bandeira da “cidadania” partindo do pressuposto de que o Estado não poderia sozinho atender à demanda da área social. Algumas empresas começaram, pois, a desenvolver políticas de responsabilidade social, culminando no surgimento do conceito de cidadania empresarial, ações em prol da sociedade as quais, para alguns, simbolizaram a parceria entre empresa e sociedade (GOLDBERG, 2001).

Nos anos de 1990, entrou em pauta no Brasil o conceito de Terceiro Setor que, de acordo com Goldberg, representa

o conjunto de organizações da sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos e voltadas para fins públicos. O Terceiro Setor inclui ONGs, organizações comunitárias, braços sociais de empresas como institutos e fundações e outras instituições que nascem na sociedade civil com a finalidade de desenvolver atividades em prol do bem comum (GOLDBERG, 2001, p.13).

Essas organizações implantaram formas de gestão administrativa que incorporaram conceitos, procedimentos e filosofias do segundo setor. Desenvolveram técnicas de gerenciamento do voluntário com propostas baseadas nos estudos de Recursos Humanos, e o termo “profissionalização” passou a ser utilizado pelas entidades.

No ano de 1991, o país chegou à marca de 220.000 entidades do Terceiro Setor, de acordo com informações da Receita Federal. Mas suspeita-se que este número seja muito maior se somado aos dados não oficiais (GOLDBERG, 2001).

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Em 1998, foi promulgada a Lei do Voluntário, estabelecendo condições para esse serviço, tema que será abordado na segunda parte deste capítulo. Nesse mesmo ano (1998), o Programa Voluntários, da Comunidade Solidária, em parceria com a empresa de Correios e Telégrafos, lançou o Selo Comemorativo de Promoção do Voluntariado que tinha por objetivo disseminar e estimular o trabalho voluntário (SILVA, 2005).

Para resgatar a experiência dos voluntários e estimular outras pessoas a iniciarem essa atividade, oferecendo conhecimento e divulgando oportunidades, o Programa Voluntários, da Comunidade Solidária, em parceria com a Globo.com, TV Globo e IBM, criaram o Portal do Voluntário, lançado no dia 5 de dezembro de 2000, Dia Internacional do Voluntário. Trata-se de um portal de internet que tem por objetivo promover uma cultura de voluntariado no Brasil (AYRES, 2003).

A Organização das Nações Unidas – ONU – declarou o ano de 2001 o Ano Internacional do Voluntariado, com a participação de 123 países e organizado pelo Programa de Voluntários das Nações Unidas (VNU) e a agência do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com o propósito de destacar as atividades desenvolvidas pelos voluntários e estimular outras pessoas a aderirem às ações voluntárias (CARTILHA, 2000).

Diversas atividades foram programadas, a partir dos eixos: (a) reconhecimento, com prêmios ou pesquisas sobre a importância do trabalho voluntário; (b) facilitação, voltado a oferecer suporte institucional para os voluntários, treinamentos, etc; (c)

networking, que visava utilizar ferramentas da tecnologia da informação para promover a

comunicação entre as instituições e, por fim, promover a cultura do voluntariado (CARTILHA, 2000).

No Brasil, a Organização Faça Parte foi criada com a intenção de organizar o Ano Internacional do Voluntariado em nosso país, sob a coordenação da empresária Milu Vilela. A marca nesse período foi de 220 mil organizações não governamentais, com aproximadamente 20 milhões de pessoas engajadas nessas ações (VEJA 2001).

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Resulta desse processo de ressignificação um segmento de voluntariado com múltiplas características, que vai atuar em organizações do Terceiro Setor, empresas, espaços públicos ou diretamente nas comunidades pobres, prestando assistência ou reivindicando direitos. Esse voluntário pode ter um engajamento pontual numa ação filantrópica, participar de instituições sociais e/ou desenvolver uma ação crítica que contribua para a mudança social. Cidadania e solidariedade são os repertórios em destaque para a ação voluntária. Importa esclarecer que as ações não pretendem ter um aspecto de caridade e doação, e o compromisso é fator determinante para a prática.

A religião, que cultiva valores solidários e motiva pessoas em suas práticas, não se evidencia na atividade voluntária nessa perspectiva cidadã, porque no discurso institucional, ela é entendida como tendo outra natureza, isto é, como uma convicção pessoal que não deve integrar as práticas voluntárias. Além disso, se entende que as práticas religiosas são motivadas por sentimentos de caridade e práticas assistencialistas.

Atualmente, discute-se sobre a profissionalização do voluntário ou voluntário profissionalizado. Parece ser um termo antagônico, já que a prática do voluntariado remete a uma atividade sem remuneração e realizada por vontade própria. Mas, de acordo com as

informações do Centro de Voluntariado de São Paulo,1 a profissionalização ocorre na

superação do amadorismo, uma vez que se fundamenta no comprometimento e na qualidade da ação. É uma forma de organizar o trabalho para que seja mais eficiente e não necessite ser refeito, além do compromisso com a frequência e o preparo anterior para a atividade. Um exemplo disso é a preocupação de que os voluntários da área hospitalar estejam vacinados, a criação dos termos de compromisso, de confidenciabilidade, do uso da imagem e do som, confecção de manuais, regimento interno, ficha de cadastro e treinamento.

Para Corrulón (1996), ocorreu uma transformação do voluntário amador bem intencionado para um membro não remunerado de uma equipe, treinado e capacitado para desenvolver a atividade voluntária. Para a autora, as pessoas transformam-se em voluntários ao serem acolhidas por uma instituição que vai aprimorá-las e desenvolvê-las para que essa solidariedade se transforme em compromisso, postura que traduz um progresso no Terceiro Setor. Trata-se de uma mudança dos antigos modelos de

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voluntariado, que se baseava na caridade, boa vontade e motivação pessoal passando a ser entendido como um exercício da cidadania que pretende reivindicar os direitos e assumir responsabilidades (CORRULÓN, 1996).

A participação do setor privado

De acordo com Zezone (2006), as empresas desenvolviam ações de cunho filantrópico, agindo de forma assistencialista, num ato de caridade e benevolência, baseadas em doações. A partir da década de 1970, as empresas adotaram um modelo de empreendedorismo social. Ou seja, a filantropia passou a ser apenas uma parcela de todas as questões que incluem a responsabilidade social, que, diferente da filantropia, tem sua base na consciência social e na cidadania, e não na caridade. Além disso, não se trata de atitudes pontuais, mas são ações que exigem uma gestão estratégica com periodicidade, método e sistematizações.

O movimento da responsabilidade social ganhou força quando grupos da sociedade se conscientizaram perante os problemas das grandes metrópoles, tanto no que se refere às questões ambientais quanto aos direitos dos consumidores. O objetivo era conscientizar também os executivos, para que eles pudessem ser solidários aos interesses da sociedade, com doações e filantropia. Esse procedimento institucionalizaria a responsabilidade social e contribuiria para que a ética, e não apenas interesses econômicos, norteassem as decisões empresariais (ALESSIO, 2004).

No Brasil, Lima (2005) relata que a discussão sobre responsabilidade social iniciou em meados dos anos de 1970, por influência da igreja católica. Mais precisamente, foram pioneiros os empresários ligados a Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas – ACDE, os quais promoveram diversos eventos para propagar a ideia da responsabilidade social. Outra entidade que também difundiu o tema no Brasil foi a Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social – FIDES, cujo objetivo era trabalhar o balanço social, a responsabilidade e a ética empresarial de forma prática.

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 Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial;

 GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas;

 Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas;

 Instituto de Cidadania Empresarial;

 CIVES – Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania.

De acordo com informações do Instituto Ethos, atualmente a responsabilidade social é pauta de discussões nas principais economias do mundo, sendo um dos pilares do conceito de desenvolvimento sustentável. Para ressaltar as empresas que promovem programas de responsabilidade social foram criados índices de sustentabilidade no

mercado financeiro. O primeiro foi o Sustainability Index, criado em 1999 pela Dow Jones,

empresa americana dedicada às informações sobre negócios. Este índice é útil para investidores que buscam empresas lucrativas e que integram fatores econômicos, sociais e ambientais nos seus negócios. Já no Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa - criou o índice de sustentabilidade empresarial (ISE), em 2005, para destacar as ações de empresas que promovam a responsabilidade social e a sustentabilidade na sua estratégia de negócios (ETHOS, 2009).

Se, por um lado, a responsabilidade social faz parte de uma estratégia de gestão para tornar a empresa mais competitiva, favorecendo o reconhecimento de sua imagem

pelos seus stakeholders e pelos consumidores, por outro lado, essa prática contribui para a

realização de projetos sociais em benefício da comunidade.

E para atender aos objetivos da responsabilidade social, os voluntários aparecem como as pessoas que vão executar as atividades propostas pelas empresas, que incentivam seus funcionários a serem voluntários, oferecem benefícios para quem participar das ações, ou criam espaços ou instituições para estimularem a participação da comunidade no desenvolvimento dos projetos sociais, de forma voluntária.

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legitimam essas práticas e disseminam o estímulo ao trabalho voluntário institucionalizado, nesse caso, pelas empresas.

1.3. A parceria com o Estado para a solução de problemas sociais

O interesse governamental na prática do voluntariado pode ser apreendido pela criação de leis, no apoio dos governantes aos eventos promovidos pelas instituições, no crescimento do Terceiro Setor e até mesmo na criação de programas que estimulam a participação do cidadão, como a Comunidade Solidária, à época do governo Fernando Henrique Cardoso e o Programa Fome Zero, instituído pelo governo Lula. Esse interesse, porém, não é recente, tem uma trajetória na história política do país. Por isso, traçamos uma breve retrospectiva histórica do período em que foi implantado pelo governo o primeiro Programa de Voluntariado, em 1942, posteriormente o segundo Programa Nacional do Voluntariado (PRONAV), em 1979, redefinido e reestruturado como o programa de voluntariado da Comunidade Solidária, em 1994, e substituído, em 2003, pelo programa Fome Zero.

O governo dos presidentes General Eurico Gaspar Dutra, Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Juscelino Kubistchek, Jânio Quadros, João Goulart e dos presidentes do período da Ditadura Militar, Marechal Humberto Castelo Branco, Marechal Arthur da Costa e Silva, General Emílio Garrastazu Médici, General Ernesto Geisel e General João Batista Figueiredo, não serão apresentados de forma semelhante, pois pretendemos destacar os pontos de intersecção entre o governo federal e as políticas que interferiram mais precisamente na prática voluntária.

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As instituições que ofereciam atendimentos às demandas sociais solicitaram ao Estado contribuição financeira para mantê-los e expandi-los, já que nesse período as ações, que antes eram individuais, passaram a ter foco no coletivo, com propostas na área da Saúde e da pobreza.

Na década de 1930, a política do Estado do Bem Estar Social buscou desenvolver soluções para as questões sociais com o desenvolvimento de políticas assistenciais públicas, que contemplavam todos os setores da sociedade. Essa proposta pretendia conter a insegurança dos trabalhadores e ser uma medida de controle social, haja vista se tratar de uma sociedade recém-saída do período de guerras. Esperava-se acabar com os protestos, de efeitos incontroláveis, que ocorriam nessa época (DAL RIO, 2001). Na tentativa de implantar o Estado do Bem Estar Social no Brasil, o Estado Intervencionista introduziu políticas de assistência social para atender às classes mais pobres da população (SILVEIRA, 2002).

O valor do trabalho passou a mediar a questão social e o combate à pobreza, já que a carteira assinada era condição imprescindível para receber a assistência social e, para o Estado, um meio de valorização da pessoa, que, desse modo, contribuía para o desenvolvimento nacional. Ao focar o trabalho, o governo propiciou um discurso nacionalista (ancorado no crescimento do país), formador, disciplinador e moralizante, com o trabalho como um dever (CUNHA, 2005).

A profissão de assistente social se estabeleceu nesse período e a caridade passou a ser considerada como ação paliativa que impedia que as condições de pobreza da população se transformassem. O Serviço Social apresentava uma proposta educativa, estimulando o debate das questões sociais e ações preventivas, não apenas curativas (COELHO, 2002). A efetivação do Serviço Social como profissão marcou a distinção entre a atividade profissional, regulamentada e a atividade voluntária de assistência, com motivações pessoais.

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diferenciaram-se do período anterior pelo seu reconhecimento institucional, “o Estado por meio da legislação, a Igreja por meio de organizações de setores de esquerda, as elites se reunindo como grupos de empresários da indústria nascente” (CUNHA, 2005, p.76).

Para regular a colaboração do Estado com as instituições filantrópicas foi promulgada, em 1935, a Lei de Declaração de Utilidade Pública, que nomeia de utilidade pública associações ou fundações que tenham o objetivo de servir a coletividade (BRASIL, 1935). Em 1938, o presidente Getúlio Vargas criou o Conselho Nacional do Serviço Social, que formalizaria a relação do governo com a assistência social e representaria o primeiro espaço institucional no setor do amparo social dentro do governo.

Podemos mencionar também a Legião Brasileira de Assistência (LBA), criada em 1942, que era uma instituição federal com intervenção direta do Estado. Tinha como meta prestar serviços na área da assistência diretamente ou em parceria com outras instituições. Com o ingresso do país na Segunda Guerra Mundial, a LBA foi motivada a destinar seu foco no apoio aos soldados enviados para a guerra e à assistência às suas famílias. Correspondia, portanto, à benemerência estatal, estimulando indiretamente o trabalho voluntário destinado às mulheres da elite, porque, nessa ocasião, a mulher interrompia seus estudos precocemente e, como não podia desenvolver trabalho assalariado, precisava se dedicar a uma função adequada aos valores sociais da época. A presidência fora ocupada pela primeira dama do país, Darcy Vargas, inaugurando o primeiro damismo, já que nos governos seguintes, o cargo e as práticas caridosas ficavam reservados à primeira dama vigente (DOMENEGHETTI, 2004, COELHO, 2002).

A LBA tinha um caráter assistencialista, porquanto a era Vargas havia sido marcada por um modelo populista, paternalista e ditatorial, associando o trabalho voluntário ao trabalho de primeiras damas. A filantropia e o voluntarismo foram reforçados nesse período considerando-se o voluntariado como práticas virtuosas de desprendimento em função dos necessitados.

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Posteriormente, Juscelino Kubistchek, presidente eleito, teve seu governo baseado no pensamento desenvolvimentista e nacionalista, implementando no país o Plano de Metas, com o slogan dos “50 anos em 5”, além de ser o responsável pela construção de Brasília para ser a capital. Foi sucedido pelo presidente Jânio Quadros, em 1961, que encontrou o país economicamente fragilizado, num processo inflacionário. Com a renúncia de Jânio, assumiu o vice, João Goulart, que enfrentou forte oposição, o que culminou no golpe militar, cuja gestão durou de 1964 a 1985 (ARAÚJO, 2008).

Na década de 1960, o modelo do Bem Estar Social começou a entrar em crise. O Estado não conseguia responder às demandas sociais e, por isso, a exclusão social aumentou (SILVEIRA, 2002). Para conter o movimento estudantil, foco da resistência do regime militar, e minimizar os impactos sociais, o governo implantou o Projeto Rondon para levar os universitários ao interior do país, a fim de prestar assistência às comunidades carentes (ORTIZ, 2007).

Com o desmantelamento do Estado do Bem Estar Social os problemas dos setores excluídos agravaram-se. Na área do voluntariado, ampliou-se a demanda social que precisava ser atendida com ações assistenciais, e os voluntários mais ativos passaram a se identificar com uma atividade político-partidária entre posturas ideológicas socialistas e capitalistas. Desse modo, resulta um modelo de voluntário comprometido com a transformação da sociedade, mas que não pretendia aliar-se nem ao poder público nem ao privado e, muitas vezes, atuava apenas no campo do protesto (DAL RIO, 2001).

Para alguns grupos, ser voluntário significava mobilizar-se contra o regime de 1964 e integrar-se aos movimentos populares, como o estudantil, o sindicalismo rural, a educação popular e algumas esferas da igreja católica. Pretendia-se contribuir para o processo de democratização do país, razão pela qual essas redes reivindicavam direitos políticos e de cidadania e faziam propostas para a regulamentação de direitos constitucionais e medidas para o bem-estar da população (SILVA, 2005).

Em 1979, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) criou o Programa Nacional do Voluntário – PRONAV, para mobilizar as pessoas a se tornarem voluntárias para minimizar os problemas sociais e captar recursos. Pretendiam avaliar quali e quantitativamente a atividade voluntária nas instâncias municipais, estaduais e federais. De

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tempo disponível, assiduidade, idoneidade moral comprovada e facilidade de relacionamento” (DOMENEGHETTI, 2004, p.36).

Na década de 1980, com a democratização da América Latina embasada na postura política do neoliberalismo e com a proposta de “Estado Mínimo”, diminuiu a participação

do Estado sobre o mercado e aumentou o estímulo à privatização das empresas estatais. De

acordo com a política neoliberal, o Estado devia minimizar as despesas com políticas sociais e obras públicas, diminuindo os impostos e aumentando as atividades produtivas e, consequentemente, gerando empregos e impactando em resultados sociais positivos.

Os financiamentos na área da assistência social foram reduzidos, acarretando na expansão das organizações não governamentais que pretendiam estimular a participação da sociedade nas questões sociais e preencher a lacuna deixada pelo Estado no que diz respeito ao atendimento da população com necessidades assistenciais, ou seja, que estavam à margem do sistema (DAL RIO, 2001).

Com o fim da ditadura militar, em 1985, houve uma significativa mobilização política pela redemocratização do país e pela constituinte. Pleiteava-se a ampliação dos direitos políticos e de cidadania, como as eleições presidenciais por via direta. Nesse período, o presidente José Sarney instituiu o dia nacional do voluntariado, a ser comemorado anualmente no dia 28 de agosto (BRASIL, 1985).

Conforme aponta Silva (2005), no período do ajuste fiscal do governo Itamar Franco, o voluntariado foi estimulado a desenvolver ações diretas, direcionadas às demandas sociais. Incentivou-se a parceria com o Estado, contudo a aliança com os movimentos sociais e ONGs fez com que a atividade fosse independente, sem a necessidade de passar pela burocracia do governo. Por exemplo, se a demanda fosse o combate à fome, os voluntários seriam aqueles que iam doar o alimento ou participar de movimentos que atuassem nesse setor, porém, não reivindicariam do governo ações para tal demanda.

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corrupção, sendo esses os fatores que culminaram no escândalo financeiro do governo Collor, quando sua esposa, Roseane Collor presidia a LBA e veio à tona que a instituição era instrumento de repasse da verba pública para interesses particulares.

Ao assumir o governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu o Ministério do Bem Estar Social, o Ministério da Integração Regional, a Legião Brasileira de Assistência e o Centro Brasileiro da Infância e Juventude. Em seguida, criou o Programa Comunidade Solidária e a Secretaria de Assistência Social. O Programa da Comunidade Solidária, criado em 1995, com o Decreto Federal nº. 1.336 de 12 de janeiro de 1995 e pelo Decreto-ato s/nº de 7 de fevereiro de 1995, tinha a proposta de ser um instrumento de diálogo entre o Estado e a Sociedade Civil, atuando na área da assistência social, com foco no estímulo à cultura do voluntariado no país (LOBO, 2002).

Nessa política, pretende-se que as ações sociais sejam diretamente ligadas ao governo, concentrando-se na obtenção de resultados e na ideia de sociedade civil organizada. Consequentemente, os movimentos populares ficaram enfraquecidos (SILVA, 2005). A Igreja se manteve nos espaços de discussão sobre os problemas sociais, mas não figurou entre os articuladores na área da assistência, em virtude de os interesses políticos da Igreja e do novo governo não estarem totalmente concordantes. A Igreja, que antes era ligada a instituições caritativas e filantrópicas e conectada às alas progressistas, com participação política e defensora da igualdade de direitos, não apresentava afinidade com o governo federal (CUNHA, 2005).

O Conselho da Comunidade Solidária foi estruturado em duas partes: Conselho Nacional de Solidariedade e a Comunidade Ativa. O primeiro foi integrado por ministros e representantes da sociedade civil, entre eles artistas, empresários e empreendedores sociais responsáveis pelas estratégias de execução das políticas do governo, e o segundo era coordenado pela Secretaria Executiva, diretamente ligada à Casa Civil, sendo o órgão de “interlocução e articulação dos diversos sujeitos políticos coletivos envolvidos desde a formulação até a implementação das ações propriamente ditas” (SILVA, 2005, p.74).

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Em 1997, a Comunidade Solidária estimulou a criação de núcleos regionais, autônomos, não governamentais, para organizar o serviço voluntário em âmbito nacional, formando uma rede com os demais núcleos. O primeiro deles, nomeado Centro de Voluntariado, foi criado em São Paulo, e o segundo, no Rio de Janeiro. Os Centros de Voluntários tinham por missão promover e fortalecer o serviço voluntário nas cidades, interligando a comunidade, instituições e pessoas que eram ou queriam tornar-se voluntárias.

No final dos anos de 1990, o trabalho voluntário passou a ser identificado como uma responsabilidade da sociedade civil, como um dever, com o objetivo de desenvolver práticas de assistência na área social, sendo envolto por palavras de ordem do tipo: seja solidário, faça sua parte (COELHO, 2002). O argumento passou a ser o da participação, marcada pelo discurso institucional como atuação política e uma outra forma de militância.

O reconhecimento da importância da Comunidade Solidária e do Programa Voluntários para o governo pode ser constatado pela concessão financeira aprovada pela diretoria do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES). O valor de 1,4 milhão, não reembolsável, foi liberado para o projeto de ampliação e fortalecimento da rede de voluntariado organizado no Brasil. Esse financiamento visava à expansão da rede de centros de voluntariado, com estratégias de captação de recursos, produção de conhecimentos e estudos sobre voluntariado (SILVA, 2005).

Em 2000, foi fundada a Comunitas, uma organização sem fins lucrativos, responsável por dar seguimento aos projetos do Conselho da Comunidade Solidária. Presidida inicialmente pela Dra. Ruth Cardoso, tinha o propósito de mobilizar recursos no plano nacional, para combater a pobreza e a desigualdade social (LOBO, 2002). Nesse mesmo ano, o Brasil atingia a marca de aproximadamente 19 milhões de brasileiros desenvolvendo atividades voluntárias (SILVA, 2005).

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Esta estratégia atendia às recomendações de organismos internacionais, como a ONU e o Banco Mundial, sendo o primeiro para o desenvolvimento social do país, e o segundo para o desenvolvimento sustentável (SILVA, 2005).

Silva (2005) relata que o Programa Fome Zero reforça a parceria entre Estado, empresas privadas, empresas estatais (Petrobrás e Banco do Brasil) e sociedade civil. Esse grupo mobilizou-se para conseguir doações de dinheiro e alimento para ser convertido em cestas básicas, ao mesmo tempo em que estimularam o trabalho voluntário para desenvolver as ações de combate à fome.

No ano de 2003, a meta do governo foi atingir as Oito Metas do Milênio, dentre elas, o combate à fome. Para atender a esse objetivo, foram realizadas ações diretas, com medidas paliativas e assistencialistas. Nesse âmbito, o trabalho voluntário foi concebido como prática da solidariedade e da responsabilidade social.

O programa Fome Zero e a instituição FAÇA PARTE realizaram uma parceria da qual resultou um documento para estimular as pessoas que eram ou pretendiam ser voluntárias a procurarem alguma instituição, ou uma ONG, ou igreja ou associações para desenvolverem ações que focalizassem o combate à fome e à pobreza (SILVA, 2005).

Uma das etapas para beneficiar as pessoas com o programa Fome Zero foi o cadastro das famílias. Houve muita dificuldade no cadastro de cinco mil famílias, que demorou três meses. Somando-se esse fato a outros fatores, foi essencial realizar parcerias com outras organizações para a execução do programa. Nesse contexto, a igreja tornou-se mais uma vez uma organização de referência, já que recebia pessoas consideradas excluídas e o programa buscava contatar justamente esse público (SILVA, 2005).

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Nesse âmbito, o Estado responde à postura neoliberal ao remeter as questões sociais para a população, utilizando a estratégia do estímulo aos sentimentos altruísticos. Assim, o trabalho voluntário alia-se aos interesses econômicos do governo.

A lei do voluntariado

O termo de adesão é um instrumento decorrente do intenso estímulo ao trabalho voluntário em 1997, principalmente por parte do governo federal, já que a presidência da Comunidade Solidária era exercida pela primeira dama Ruth Cardoso. Resultante dessa mobilização, em fevereiro de 1998, foi promulgada a Lei do Voluntário (nº. 9.608/98) que dispõe sobre as condições do serviço voluntário. Estabelece o serviço voluntário como

a atividade não remunerada, prestada por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza, ou à instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade (BRASIL, 2008).

A Lei atribui uma relação jurídica ao serviço voluntário, e causou, a princípio, estranheza, por disciplinar uma atividade estritamente ligada à vontade e ao desejo de quem a realiza, expressão da liberdade em exercer sua consciência e iniciativa (PEREIRA, 2000). Além disso, o serviço voluntário, antes da lei, havia exposto as instituições assistenciais a demandas trabalhistas pelas pessoas que desenvolveram o trabalho voluntário, independente das motivações que a levaram a realizar tal atividade, por exemplo, motivações religiosas ou caridosas.

Nesse sentido, podemos dizer que a lei corresponde à regulamentação de uma prática social, protege a entidade assistencial de futuros ônus trabalhistas e esclarece a natureza desta relação àquele que a realiza, ou seja, não existe relação trabalhista por se tratar de trabalho gratuito: “O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de

natureza trabalhista previdenciária ou afim” (BRASIL, 1998). Assim, fica juridicamente

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A lei regulamenta ainda que, para o trabalho ser configurado voluntário, não deve haver remuneração: “...Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não

remunerada...(BRASIL, 1998). Contudo, permite que o voluntário seja ressarcido de

despesas efetuadas no exercício do seu trabalho como voluntário, desde que previstas no Termo de Adesão ou previamente autorizadas pela instituição.

Portanto, o serviço voluntário, de acordo com a lei, deverá ser formalizado com o

termo de adesão: “O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão

entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício” (BRASIL, 1998).

Com isso, observamos que a prática de uma atividade social passa a ser formalizada, sendo objeto de contrato. Descreve a tarefa a ser realizada e sua periodicidade, dando um aspecto disciplinar, comprometendo ambas as partes, incluindo as regras instituídas pela instituição que devem ser respeitadas, por exemplo, o horário que deve ser cumprido, a descrição da atividade e em quais hipóteses o contrato pode ser rescindido. Ainda que não haja o termo de adesão, fica estabelecido que o trabalho deve ser realizado conforme os objetivos da instituição.

A lei 9.608/08 categoriza o serviço voluntário como uma disciplina legal, conforme relata Pereira (2000) “de instituto de direito privado, de natureza contratual, solene,

gratuito, unilateral, consensual e de trato sucessivo (PEREIRA, 2000, p.85). Depois da

criação da Lei, os grupos de voluntários verificaram a necessidade de se organizarem para o preenchimento do termo, o que fez com que as pessoas delimitassem a atividade a ser desenvolvida e seu tempo de duração. Além disso, como nos apontou a Sra. Silvia

Nacchache, do Centro de Voluntariado de São Paulo2, o termo exige a assinatura do

responsável pelo grupo, o que significa que também ficou legitimado o papel do gestor do grupo de voluntários.

Ao definir a atividade, pretende-se que o voluntário tenha uma participação restrita e não pratique ações de responsabilidade do profissional, embora saibamos que, mesmo com o termo, ainda existe voluntário desenvolvendo a atividade do profissional da Saúde.

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A lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP

O Conselho da Comunidade Solidária organizou diversos debates referentes à legislação que regia o Terceiro Setor. Nesses encontros, constatou-se a dificuldade das organizações da sociedade civil em acessar alguma qualificação que a reconhecesse institucionalmente perante o Estado, por causa da burocracia e do não reconhecimento legal dessas instituições. Esse setor não encontrava amparo jurídico adequado, o que causava conflito na sua relação com o Estado, já que essa relação era pautada ora pela lógica do setor estatal ora pela lógica do setor privado.

Em resposta às manifestações provindas desses debates, e para fortalecer o Terceiro Setor, foi promulgada a Lei 9.790/99, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP (BRASIL, 1999). Com isso, o Estado passou de interventor a gerenciador dos projetos que, a partir dessa lei, poderiam ser desenvolvidos por outras instituições, neste caso, as OSCIPs.

Ao reconhecer uma instituição como OSCIP, tornou-se possível reduzir os gastos operacionais, simplificar procedimentos para o reconhecimento institucional e realizar parcerias com o governo. O acesso aos benefícios, incentivos públicos e doações são de controles públicos e, com isso, pretende-se criar mecanismos legais de visibilidade e transparência (FERRAREZI; REZENDE, 2001). Tal qualificação corresponde a uma diferenciação entre as entidades do Terceiro Setor, já que o título de OSCIP é dado apenas às organizações que têm finalidade pública com atuação no espaço público, não estatal.

Os objetivos da Lei 9.790/99 são de disciplinar as organizações do Terceiro Setor

por meio de critérios para a atribuição do status de Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público/ OSCIP; incentivar a parceria entre as OSCIPs e o Estado e implementar mecanismos de controle social e responsabilização das organizações para garantir que os recursos estatais administrados pelas OSCIPs sejam fielmente destinados aos fins públicos (FERRAREZI; REZENDE, 2001).

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