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As teorias materialistas ou fisicalistas da mente constituem uma boa parte da filosofia da mente contemporânea. Há uma variedade delas e certas interdependências entre as principais posições. Podemos dizer que há duas tendências predominan- tes, que são aquela de tomar o entendimento dos eventos men- tais como uma questão ligada à neurofisiologia e aquela para a qual o mentalismo humano deve ser comparado ao processa- mento de informação no domínio das ciências da computação, especialmente a inteligência artificial. A meio caminho entre essas duas abordagens, por assim dizer, podemos considerar aquelas teorias da mente no domínio da ciência cognitiva, área que se vale da colaboração com ambas essas abordagens.

Nesse domínio de discussões há uma pluralidade de noções e os termos nem sempre são utilizados de maneira uní- voca e inequívoca. Como há dois aspectos principais que essas discussões exibem, a saber, o aspecto metafísico e o aspecto conceitual, podemos começar por aí para colocar uma ordem mínima no uso dos termos e no estabelecimento de relações mais exatas entre as noções. Para isso, vamos nos referir a no- ções, concepções ou teorias materialistas quando se trata de discutir aquilo de que são feitas as mentes, seu estofo, como já dissemos nos capítulos anteriores. E quando se trata de indicar propriedades da mente, ou predicados mentais, ou conceitos aplicáveis ao mentalismo humano, vamos nos referir a noções, concepções ou teorias fisicalistas. Em resumo, nas discussões deste capítulo, vamos tomar o materialismo como um monis- mo de substância ou estofo; e vamos tomar o fisicalismo como um monismo conceitual, mais especificamente, um reducio- nismo conceitual.

Uma consequência dessa convenção é que o chamado

materialismo reducionista — às vezes também indicado como a teoria da identidade (entre mente e cérebro) — continua a

ser indicado pelo termo “materialismo”, pois, além de ser um monismo de substância, admite a possibilidade de conceitos mentalistas, mas argumenta que eles são redutíveis a conceitos fisicalistas. Por sua vez, o que na literatura tem sido denomi- nado materialismo eliminativista será aqui indicado pelo ter- mo “fisicalismo”, já que é um monismo conceitual, isto é, afir- ma que os próprios conceitos mentalistas, mais cedo ou mais tarde, com o progresso da ciência, serão encarados como no- ções relativas a entidades e processos que não são reais.

A principal razão para introduzirmos essa convenção linguística é que, a nosso ver, como já indicamos antes e como ainda discutiremos nos próximos capítulos, podemos combi- nar o monismo de estofo com o pluralismo conceitual. Há, portanto, algumas combinações entre o materialismo e o fisi- calismo, sendo uma delas a posição conhecida na literatura como funcionalismo, posição que, aliás, apesar de se valer também da noção de função, nada tem a ver com o tipo de abordagem funcional que discutimos no fim do capítulo ante- rior.40

O fisicalismo que vamos considerar aqui é distinto da- quele que Rudolf Carnap defendeu quanto à segunda formula- ção de seu sistema construcional, que comentamos no capítulo 3, acima. A postura de Carnap era instrumentalista e o que importava para ele era poder definir rigorosamente em termos

40 Há uma vasta literatura sobre essas teorias e abordagens e vamos

indicar aqui apenas alguns títulos dos principais autores que as dis- cutem seja de forma mais introdutória e panorâmica, seja de forma mais aprofundada, como: CHURCHLAND, 1992 e 2004; 1996; KIM, 1996; RORTY, 1979. Sobre o chamado materialismo australiano, criticado por Rorty e também comentado pelos outros autores aqui citados, também cf. ARMSTRONG, 1993 [1968], e PLACE, 2004. Além de David Armstrong e Ullin Place, J. J. C. Smart é outro autor ligado a essa escola. Sobre o funcionalismo, além das obras acima mencionadas, cf. PUTNAM, 1975 (especialmente, cap. 14–22). Sobre a relação com as neurociências, cf. ainda CHURCHLAND, 1989, de Patricia Churchland, hoje considerado um clássico nesse domínio. Sobre a relação com a ciência cognitiva, neurociências e inteligência artificial, cf. GARDNER, 1985 e 1995.

observacionais todos os conceitos científicos. Assim, seu fisica- lismo consistia na tese de que a linguagem fisicalista — aquela que descreve ocorrências e propriedades das coisas materiais como um domínio intersubjetivo de observação — é a lingua- gem universal que permite reduzir ou interpretar todos os ou- tros conceitos científicos (psicológicos e culturais) de forma rigorosa e observacional. Podemos dizer, portanto, que esse era um fisicalismo de dicto.

O fisicalismo a que nos referimos neste capítulo, e que está ligado à posição conhecida como materialismo eliminati-

vista, é um fisicalismo de re. Ou seja, trata-se da tese de que

todos os conceitos mentalistas são falsos conceitos que serão abandonados com o progresso da ciência e substituídos por conceitos físicos. Mas quais são exatamente esses conceitos

físicos, esse é um problema especial dessa forma de fisicalis-

mo. Eles não são os mesmos conceitos físicos daquele fisica- lismo de Carnap. Esse fisicalismo eliminativista na filosofia da mente pode pretender que os conceitos neurofisiológicos se- jam legítimos e que vão ser conservados no futuro da ciência; mas pode ainda ser mais radical e afirmar que, de fato, os pró- prios conceitos neurofisiológicos também serão abandonados em favor de conceitos puramente físicos, digamos, do tipo que encontramos nas disciplinas do domínio da física. Nesse caso, é a física do futuro que vai, em última instância, explicar o mentalismo humano.

No sentido daquele fisicalismo de Carnap, o materia- lismo reducionista também é uma forma de fisicalismo, obvi- amente, pois o que ele afirma é que os conceitos mentalistas são redutíveis a conceitos fisicalistas, neurofisiológicos, por exemplo, que os fundamentam. Mas o uso da linguagem men- talista e dos conceitos a ela relativos não precisa ser abando- nado; é preciso apenas que saibamos, ao utilizá-los, a que con- ceitos neurofisiológicos nos referimos. E o mesmo deve valer então para esses próprios conceitos fisiológicos, que também não serão eliminados, mas apenas fundamentados por concei- tos fisicalistas mais básicos. Como a preocupação principal do materialismo reducionista é com o problema do estofo das realidades mentais, desde que o monismo de substância seja

mantido, o uso de conceitos alternativos, mentalistas, não re- presenta problema.

Entretanto, já que introduzimos aquela convenção no uso dos termos, vamos começar discutindo essa última posi- ção, isto é, o que vamos denominar materialismo. Em seguida, vamos discutir o que vamos denominar fisicalismo; e, por fim, o funcionalismo. Enquanto esse último é compatível, como veremos, com a perspectiva emergentista, que vamos ver nos próximos capítulos, embora também se distinga dela, tanto o materialismo quanto o fisicalismo se opõem ao emergentismo, embora por razões diferentes.

A tese central do materialismo como uma posição me- tafísica quanto ao estofo de que são feitas as coisas — grosso modo, a matéria —, é aquela segundo a qual tudo o que há é de natureza material; portanto, a mente também. Esse materia- lismo se opõe, assim, ao dualismo e ao tipo tradicional de mentalismo. Assim sendo, segundo essa forma de encarar a mente humana, quando falamos da mente, estamos falando do próprio cérebro ou, de forma mais geral, do sistema nervoso central, isto é, de todas as estruturas neurofisiológicas cujo funcionamento normal dá ocasião a haver eventos mentais. Em resumo, um evento mental é um evento neurofisiológico.

Na literatura de filosofia da mente contemporânea há duas versões dessa tese de identidade da mente com o cérebro, digamos assim para resumir. Uma delas é aquela da identida- de de tipo, a outra, aquela da identidade de ocorrência.41 A

diferença fundamental entre essas versões é a de identificar todos os eventos mentais de determinado tipo com um tipo de evento neurofisiológico, no caso do materialismo de tipo, ou então de identificar alguma ocorrência de evento mental com alguma ocorrência de evento neurofisiológico, o que não im- plica que toda ocorrência de determinado evento mental tenha de ser correlacionada com o mesmo tipo de ocorrência neuro-

41 Na literatura pertinente, essas duas posições têm sido indicadas,

respectivamente, como type physicalism e token physicalism. Res- peitando então a convenção que propusemos acima, vamos denomi- ná-las materialismo de tipo e materialismo de ocorrência.

fisiológica, ou vice versa. Para esse materialismo de ocorrên-

cia, a ideia é apenas que sempre que há um evento mental, há

também um evento neurofisiológico, mas que não precisa ser sempre um evento da mesma classe. Já para o materialismo de tipo, todo evento mental de determinada classe corresponde a um evento neurofisiológico da mesma classe. Por exemplo, se uma dor for a excitação de fibras nervosas C, então o termo “dor” é apenas e sempre uma forma econômica de nos referir- mos a um evento neurofisiológico com as fibras C. Não há dor que não seja um evento com essas fibras.42

Devemos reconhecer o grande apelo que esse materia- lismo representa para a mentalidade científica de hoje em dia. Como nossa tendência predominante é em favor do monismo de substância, a identidade entre mente e cérebro é uma ideia muito sugestiva. Pois esse materialismo implica reconhecer que todo evento ou estado mental não apenas nos seres huma- nos, mas também nas outras espécies animais, está correlacio- nado com eventos ou estados neurofisiológicos. Em suma, on- de há mentalismo, há estruturas neurofisiológicas de certa complexidade. Aquele mentalismo naturalista de Searle, que vimos no capítulo precedente, por exemplo, é compatível com essa posição. O emergentismo e o supervenientismo, que ve- remos no próximo capítulo, são igualmente compatíveis com esse materialismo. Mas ele implica também que só há menta- lismo onde há essas estruturas neurofisiológicas sofisticadas e que, portanto, os eventos mentais não podem ser realizados

em estruturas constituídas de outra maneira — uma ideia que

não é aceita pelo funcionalismo, como veremos adiante. Mais uma vez, a razão para que esse materialismo seja compatível com diversas outras posições na filosofia da mente

42 Essas fibras nervosas (dos tipos A e C) são prolongamentos das

células nervosas, os neurônios, incluindo suas partes denominadas

axônios e as células gliais, que são as células do sistema nervoso que

dão sustentação à estrutura neuronal, mas que não são propriamente células nervosas. As fibras A são de maior diâmetro e as C de menor diâmetro, as primeiras são mielinizadas, as segundas não. A mielina é uma substância lipídica que envolve as fibras nervosas.

decorre de seu caráter metafísico, isto é, de ser um monismo de substância. E, justamente, algumas das outras posições mencionadas, como veremos, sustentam que se pode manter o monismo de substância sem identificar o mental com o neuro- fisiológico. Isso vale particularmente tanto para o funcionalis- mo quanto para o emergentismo, embora por diferentes ra- zões, como veremos.

Contudo, se voltarmos a considerar aquelas duas ver- sões da tese de identidade a que nos referimos acima (o mate- rialismo de tipo e o materialismo de ocorrência), nos damos conta de que o segundo está mais próximo da perspectiva fun- cionalista, enquanto o primeiro está mais próximo do fisica- lismo eliminativista. Pois, para o materialismo de ocorrência, há a possibilidade de múltipla realização do mental, embora restrita ao domínio neurofisiológico específico. Por exemplo, para os seres humanos, a dor como evento mental pode cor- responder à estimulação de fibras C, mas para outra espécie pode corresponder a outro tipo de acontecimento neurofisio- lógico. Entretanto, na economia dos diferentes organismos, a dor como evento mental desempenhará a mesma função. E isso abre então a possibilidade de preservarmos os conceitos mentalistas, pois eles não receberão a mesma interpretação neurofisiológica sempre, mas, por assim dizer, receberão a mesma interpretação funcional.

Ao contrário, para o materialismo de tipo, todos os conceitos mentalistas sempre recebem a mesma interpretação neurofisiológica. E, nesse caso, os próprios conceitos funcio- nais devem ser reduzidos aos conceitos neurofisiológicos exa- tos. Ora, tanto os defensores do funcionalismo, como veremos, quanto os defensores do emergentismo negam que os concei- tos funcionais mentalistas tenham de ser reduzidos a conceitos neurofisiológicos. Assim, eles podem concordar em parte com o materialismo de ocorrência, embora desejem sustentar teses mais radicais do que aquelas do materialismo. Mas tais teses são mais radicais no sentido meramente conceitual, não no sentido metafísico.

O fisicalismo eliminativista é também mais radical do que o materialismo no sentido conceitual, mas de forma opos- ta ao funcionalismo e ao emergentismo. Esse tipo de fisicalis-

mo está associado à chamada indução pessimista quanto à história das ciências. Segundo essa forma de pensar, assim como muitos conceitos e teorias do passado foram abandona- dos e são hoje considerados completamente equivocados, o mesmo vai ocorrer com os conceitos e teorias mentalistas. Os casos citados pelo fisicalismo eliminativista são, por exemplo, a teoria do flogisto, abandonada depois dos trabalhos de La- voisier sobre o oxigênio, o vitalismo, abandonado em decor- rência dos progressos na fisiologia experimental, a concepção geocêntrica na astronomia, abandonada depois de Copérnico etc.

Essa ideia de indução pessimista é associada pelos de- fensores do fisicalismo a uma concepção realista da ciência, segundo a qual, a partir de determinadas conquistas científicas — teóricas e experimentais —, certo conhecimento aproxima- damente verdadeiro foi alcançado a respeito dos eventos men- tais, assim como ocorreu em outras áreas, de tal forma a im- pedir retrocessos ou rupturas daquele tipo que haveria nas revoluções científicas, tal como, por exemplo, argumenta

Thomas Kuhn.43 Para esse realismo científico, ainda há erros a

serem eliminados pela ciência do futuro, mas já há acertos básicos que não estão sujeitos a revisão. E um deles é aquele a respeito da mente humana, de que os eventos mentais são eventos neurofisiológicos. Assim, a neurofisiologia do futuro vai tudo explicar sobre o mentalismo humano, sem necessida- de alguma de noções mentalistas. Todas elas serão abandona- das no devido tempo. As concepções mentalistas serão então reconhecidas como mitos ou falsas crenças.

É preciso reconhecermos que os defensores desse fisi- calismo fundamentado na indução pessimista e no realismo científico têm certa razão. Em primeiro lugar, no plano metafí- sico, esse fisicalismo também é adepto do monismo de estofo. Do ponto de vista das ciências e da filosofia de hoje, em sua enorme maioria, esse fisicalismo está correto. Em segundo lugar, também é verdade que algumas teorias e noções menta-

43 Cf. KUHN, 1970 e 1987, hoje considerado um clássico da postura

listas do passado, mesmo que não comprometidas com a nega- ção do monismo de estofo, não parecem hoje sustentáveis à luz de algumas realizações científicas. É difícil darmos exemplos retirados da própria psicologia científica desde o fim do século XIX, mas poderíamos apontar aquelas concepções antigas, algumas das quais permanecem na chamada psicologia popu-

lar. Um exemplo sugestivo retirado da psicologia popular, mas

que encontraria eco em algumas escolas de psicologia científi- ca, é o de que os sonhos são eventos mentais que nos fornece- riam conhecimentos extraordinários. Ora, para algumas esco- las de psicologia, como a psicanálise de orientação freudiana, os sonhos podem ser reveladores de aspectos importantes da

conformação psíquica das pessoas.44 Mas, para a neurofisiolo-

gia, eles são apenas estados de consciência comparáveis àque- les induzidos pelo uso de determinadas drogas, comparáveis,

portanto, a alucinações — e por isso sem qualquer valor cogni-

tivo.

Outro exemplo ligado ao mentalismo tradicional, mas que, de fato, não é propriamente da psicologia e sim de uma espécie de neurofisiologia do passado, encontramos em Des- cartes. Embora Descartes fosse um dualista, como vimos no capítulo 2, sua teoria sobre os espíritos animais seria compatí- vel com o monismo de substância. E ainda que a noção de es- píritos animais como mensageiros de informação entre o cére- bro e os membros do corpo pareça prefigurar a noção atual de

neurotransmissor, a aceitação dessa noção e da teoria que a

associa a todo o modelo neurofisiológico do corpo humano implica que a noção de espírito animal, daqueles corpúsculos dos quais Descartes falava, é uma concepção errônea a ser de- finitivamente abandonada. A história da fisiologia e da psico- logia pode nos fornecer outros exemplos desse tipo. Contudo, quando os fisicalistas apontam concepções mentalistas que seriam abandonadas e consideradas míticas em virtude dos progressos na neurofisiologia, eles estão em geral se referindo

44 Cf., por exemplo, o famoso texto de Freud, A Interpretação dos

a concepções da psicologia popular, e não da psicologia profis- sional, propriamente científica.

A argumentação empreendida pelos defensores do fisi- calismo em bases epistemológicas pode ser redirecionada con- tra sua própria concepção. Ora, por mais que as teorias neuro- fisiológicas de hoje nos pareçam basicamente corretas, seria um otimismo injustificável apostar que a ciência do futuro não vai fazer revisões drásticas em relação a elas. Não é preciso que defendamos uma forma de antirrealismo como aquela de Thomas Kuhn sobre as revoluções científicas e as trocas de paradigmas, que representam rompimentos radicais entre tradições científicas, para nos darmos conta disso. Podemos manter o realismo científico e mesmo assim, com base na mesma indução pessimista utilizada pelos fisicalistas, apos- tarmos que o progresso da ciência, mesmo que com base nas realizações atuais, vai conduzir a abandonar as concepções que hoje nos parecem corretas. Assim, do ponto de vista epistemo- lógico, esse fisicalismo eliminativista só se manteria se abra- çasse apenas o realismo científico, deixando de lado a indução pessimista.

Contudo, mesmo no quadro do realismo científico, a indução pessimista é em parte razoável, assim como é razoável também certo otimismo em relação aos progressos que a pes- quisa em neurofisiologia tem feito. Assim, mesmo que mante- nhamos a ideia de que a neurofisiologia do futuro vai explicar os eventos mentais de forma muito mais convincente, permi- tindo eliminar algumas noções mentalistas de hoje, devemos admitir ao mesmo tempo a possibilidade de que as próprias teorias neurofisiológicas de hoje sejam abandonadas ou drasti- camente revisadas. Apenas um realismo científico muito ingê- nuo nos levaria a acreditar que hoje já temos uma neurofisio- logia tão bem elaborada a ponto de não sofrer revisões impor- tantes em suas teorias e conceitos mais centrais.

Como uma decisão ou em favor de um realismo mais crítico, ou em favor desse realismo ingênuo, em última instân- cia, é uma questão que, no que diz respeito ao estado atual da neurofisiologia, só vai se resolver com o tempo e os resultados científicos concretos, a posição fisicalista parece ter pouco ape- lo, afinal. Em última instância, ela implica que no futuro não

haverá qualquer psicologia, mas apenas uma neurofisiologia todo-poderosa. Além disso, o fisicalismo levado às últimas consequências não teria por que se deter na relação entre a psicologia e a neurofisiologia, mas deveria também defender a eliminação da própria neurofisiologia em favor da física do futuro. Mas isso significaria desconsiderar o fenômeno da complexidade totalmente. Como veremos no próximo capítulo, o surgimento de estruturas mais complexas em partes do mundo nas quais elas não existiam pede uma postura ontoló- gica e epistemológica mais inclusiva.

Se, por outro lado, o defensor do fisicalismo não deseja ir tão longe e eliminar a própria neurofisiologia, mas apenas a psicologia, então ele deve poder de maneira analítica e pura- mente conceitual demonstrar que os conceitos neurofisiológi- cos são superiores aos conceitos mentalistas. E ele faz isso de forma imperfeita, pois se baseia em resultados da neurofisio- logia de hoje que implicam o abandono de algumas noções mentalistas, mas não analisa as limitações da neurofisiologia nem as realizações bem-sucedidas da própria psicologia. As- sim, a tese de que todos os conceitos mentalistas podem e de- vem ser eliminados em favor de conceitos neurofisiológicos não está estabelecida e, de fato, parece gratuita e preconceitu- osa. Ela parece decorrer de um cientificismo injustificável, pouco crítico em relação aos próprios resultados da neurofisio- logia nos quais se baseia.

Desse modo, aquilo em que poderíamos concordar com os fisicalistas não parece ser mais do que aquilo em que pode- mos concordar com os materialistas de substância. E, no plano científico propriamente, ainda é preciso então considerar di- versas possibilidades. A rejeição de todos os conceitos menta- listas — uma vez sendo eles bem esclarecidos — impediria o