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2 NACIONALIZAÇÃO DO MARXISMO E A IDEIA DE BRASIL MODERNO

2.1 Materialismo histórico e interpretação do Brasil

A nacionalização do marxismo de Caio Prado Jr. resulta de sua tentativa de adequar as ideias marxistas à realidade nacional. Embora militante do PCB e inserido no horizonte ideológico comunista, sua filiação política não implicou em dogmatismo, propiciando-lhe a elaboração de uma interpretação original da sociedade brasileira, porém dissidente. Aqui interessa analisar em que medida essa tradução do marxismo foi construída com base em um diálogo crítico de Prado Jr. com a tradição intelectual brasileira.

Ao propor uma leitura da realidade nacional alternativa ao modelo democrático- burguês, Prado Jr. contribuiu para o descentramento de um dos aspectos constitutivos do colonialismo inscrito no marxismo: a presença de uma filosofia da história nitidamente eurocêntrica, expressa no etapismo adotado pelo PCB. A consideração com ase no conceito de “Sentido da Colonização” de que o Brasil se origina já inserido em um mercado internacional sob a condição de colônia, refuta a tese da existência de um passado feudal no país, demandando a reelaboração de estratégias para alcançar a emancipação, devido ao modo diferenciado como é percebida a conjuntura que se pretende alterar. Todavia, não se proporciona uma completa ruptura com a colonialidade das estruturas de saber, na medida em que Caio Prado Jr., tal como Marx, opera sua crítica ao capitalismo a partir dos parâmetros da ciência moderna eurocêntrica.

O esforço de tradução do marxismo para a realidade brasileira tem como principal elemento a preocupação com a delimitação da centralidade do método dialético no âmbito do materialismo histórico. Nesse sentido, diversas vezes Prado Jr. indicou que seu compromisso teórico-metodológico era com a mobilização do método como ferramenta a ser manejada para interpretar a realidade, sem sobrepor categorias analíticas aos fatos. No seu entendimento, a teoria deveria auxiliar no entendimento dos processos sociais, ao invés de ser tomada como um conjunto de conceitos de validade universal que dispensariam a consideração das especificidades históricas. A explicitação dessa opção converteu-se no principal elemento de crítica ao PCB em A Revolução Brasileira, livro publicado em 1966, onde as implicações teóricas e políticas desse procedimento são expressas de forma contundente. Não obstante a ausência de uma elaboração mais sistemática, ainda em seus escritos de juventude essa questão possuía premência.

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na interpretação da realidade brasileira formulada por Prado Jr., propõe-se analisar como o processo de nacionalização do marxismo situa-se em meio às disputas políticas e simbólicas em torno da definição da ideia de Brasil moderno. Nesse sentido, a diversidade de tradições intelectuais abrangidas pelo pensamento social brasileiro também comportaria fontes importantes para a maneira como Prado Jr. caracterizou a sociedade nacional em vista do desenvolvimento da economia-mundo capitalista. Argumenta-se que a importância dessa abordagem decorre do caráter determinante dessa relação para a compreensão da provincialização do modelo democrático-burguês e de desprovincialização do “Sentido da Colonização”.

Octávio Ianni (2004) afirma que as ciências sociais nasceram neste país sob o desafio de compreender as condições de possibilidade do Brasil moderno, sempre colocando o presente em causa para identificar suas raízes próximas ou distantes. Por isso este seria um país que constantemente busca um conceito para si, refletindo sobre o sentido de conhecer-se e definir-se, produzindo dessa forma distintas interpretações ao seu respeito que suscitam determinados problemas teóricos e históricos (IANNI, 2004). André Botelho (2006) reitera a opinião de Ianni ao indicar as “interpretações do Brasil” como forças sociais reflexivas que simultaneamente possuem um papel cognitivo e normativo, na medida em que produzem “efeitos discursivos” que operam nas disputas de poder na sociedade, sobretudo no debate a respeito da instalação da ordem social e política moderna no país.

Renato Ortiz (2012[1985]) afirma que essa constante reflexão sobre a identidade nacional “é uma imposição estrutural que se coloca a partir da própria posição dominada que nos encontramos no sistema internacional” (ORTIZ, 2012[1985], p. 7). Para Ortiz, essa imposição estrutural abrangeria duas dimensões. Por um lado, haveria uma “dimensão externa”, que se caracterizaria pela afirmação da diferença do Brasil em relação a outros países. A posição dominada no sistema internacional suscitaria a constante evocação da “especificidade”, “originalidade”, “singularidade”, “excepcionalidade” etc. da sociedade brasileira, indicando-se reiteradamente o contraste em relação a outros povos, usualmente remetendo-se a comparações com os europeus ou os estadunidenses. Dessa forma, pode-se indicar a existência de um consenso sobre o contraste entre o Brasil e as demais nações. Por outro lado, haveria uma “dimensão interna” que se caracteriza por indicar em que consiste a identidade nacional. A esse respeito há uma pluralidade de perspectivas em disputa, engajadas na construção de quadros analíticos e projetos políticos. Dessa forma, Ortiz considera que:

[A] luta pela definição do que será uma identidade autêntica é uma forma de se delimitar as fronteiras de uma política que procura se impor como legítima. Colocar

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a problemática dessa forma é, portanto, dizer que existe uma história da identidade e da cultura brasileira que corresponde aos interesses dos diferentes grupos sociais na sua relação com o Estado (ORTIZ, 2012[1985], p. 9).

Com isso, Ortiz indica que não é possível conceber a identidade nacional de uma maneira unívoca. Na verdade, a construção da identidade nacional é um processo dinâmico. Há várias concepções disputando a primazia da enunciação legítima da caracterização da realidade brasileira. Em diferentes momentos históricos, diferentes grupos sociais dedicaram- se à busca da definição do Brasil. Nesse sentido, seria possível indicar que a luta em torno da identidade nacional pode ser concebida como parte constitutiva do processo hegemônico no Brasil, conforme os termos propostos por Raymond William (1979) ao revisar a noção gramsciana de hegemonia. Diferentes formações, instituições e tradições fomentariam a vivência de pressões e limites específicos e mutáveis nos meios intelectual e político, resultando em um mosaico de imagens do Brasil. A incessante luta em torno da definição da identidade nacional remete à dinâmica contínua de renovação e recriação da tensão entre o hegemonicamente dominante, por um lado, e os elementos hegemonicamente residuais e emergentes, por outro lado. Assim, como parte da produção material de sua existência, diferentes seguimentos da sociedade elaboram materialmente produções culturais a partir de suas perspectivas, tendo maior ou menor êxito na criação de um consenso ao seu respeito em conformidade com sua posição social relativa aos parâmetros culturais hegemonicamente dominantes (WILLIAMS, 1979).

No que concerne à finalidade deste trabalho, deve-se observar que a nacionalização do marxismo protagonizado por Caio Prado Jr. teve como uma de suas fontes constitutivas o debate crítico com a tradição intelectual brasileira. Nesse sentido, a formulação de sua interpretação do Brasil insere-se como parte do amplo quadro de reflexões acerca da identidade nacional em vista da questão da modernidade. Com efeito, Prado Jr. delimitou a especificidade da sociedade brasileira em vista da origem colonial de sua formação no contexto de constituição do mundo moderno capitalista. No seu entendimento, a manutenção dos traços essenciais do “Sentido da Colonização” fez com que a construção da nação e da identidade nacional fosse caracterizada pela incompletude, na medida em que a dependência externa permaneceu como um fator limitador determinante no desenvolvimento do país. Então, Prado Jr. estaria inserido nas disputas em torno da definição da identidade nacional estabelecendo relações de contraposição e aproximação com marxistas e não marxistas no Brasil. Dessa maneira, Octávio Ianni (1989) afirma que ao longo da obra de Caio Prado Jr. são perceptíveis referências aos expoentes das mais diversas tradições intelectuais no país:

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É claro que Caio Prado está dialogando com vários autores contemporâneos e anteriores. Alguns estão referidos em seus escritos. Outros são implícitos neste ou naquele tema, nesta ou naquela explicação. Beneficia-se de estudos, controvérsias e interpretações contemporâneas e anteriores para equacionar, formular e aprimorar uma nova interpretação dos contornos e movimentos mais característicos da formação social brasileira (IANNI, 1989, p. 63).

Assim, seu intuito de compreender a especificidade da sociedade brasileira levou-o para além de um diálogo restrito aos marxistas brasileiros. Em vista da questão da constituição das tensões eurocêntricas na obra de Prado Jr., é possível afirmar que a relação entre a nacionalização do marxismo e o debate sobre a ideia de Brasil moderno transcorreu em três frentes. A primeira consistiria na afirmação da validade do marxismo para compreender a especificidade da formação brasileira, em contraposição às abordagens teórico-metodológicas hegemonicamente dominantes no campo intelectual nacional. A segunda corresponde à determinação da especificidade da sociedade brasileira a partir do conceito de “Sentido da Colonização” contrapondo-se à tese feudal, predominante na historiografia brasileira e apropriada em vista da adequação do modelo democrático-burguês no país. Por fim, a terceira frente corresponde à delimitação da posição de Prado Jr. em torno do debate da questão racial, assunto premente entre 1870 e 1930, que na sua geração passou por uma inflexão com abandono das teorias raciais em favor do predomínio de uma compreensão idílica sobre a miscigenação. Conclui-se a exposição contextualizando a questão das tensões eurocêntricas na geração de 1930, apontado sua contribuição para a consolidação da abordagem sociológica dos fenômenos sociais no Brasil, bem como indicando como as interpretações propostas por Caio Prado Jr., Gilberto Freyre e Sérgio Buarque converteram-se em diferentes projetos de Brasil moderno.

A primeira questão a ser considerada na relação entre nacionalização do marxismo e a ideia de Brasil moderno, diz respeito ao empenho de Prado Jr. em demonstrar a validade do marxismo para abordar o processo histórico brasileiro. Ainda que tacitamente, a centralidade atribuída ao método converteu-se em uma importante trincheira para a nacionalização do marxismo desde Evolução Política do Brasil. Essa preocupação coadunava com o incipiente debate previamente existe no pensamento social brasileiro a respeito da mobilização do conhecimento científico para interpretar a realidade brasileira. Então, para compreender o papel do método na nacionalização do marxismo operada por Prado Jr., é preciso levar em consideração as características das abordagens que se procurou refutar com base no materialismo histórico.

Mesmo sem uma problematização metodológica mais abrangente, a abordagem pautada pelo materialismo histórico presente em Evolução Política do Brasil ofereceu

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importante contribuição para a nacionalização do marxismo em vista da maneira como a argumentação foi conduzida com base na consideração da luta de classes. Posteriormente, em Formação do Brasil Contemporâneo, livro publicado em 1942, a utilização do método foi aprimorada. Desde então se consolidou na obra de Prado Jr. um estilo de escrita da história que se tornou sua principal marca registrada, onde se busca compreender os processos históricos de maneira relacional. Partindo do caráter histórico-dinâmico e relacional do método dialético, os processos sociais são abordados em função de sua interdependência com diversos elementos, cuja conjugação remete a uma totalidade mais ampla. Do ponto de vista da relação entre método, nacionalização do marxismo e as disputas em torno da ideia do Brasil, o ensaio de estreia de Prado Jr. abriu caminho para seu “projeto criador” (BOURDIEU, 1968), na medida em que confrontou as abordagens hegemonicamente dominantes no pensamento social brasileiro e sustentou como alternativa o materialismo histórico. Conforme será discutido posteriormente, a formalização do entendimento de Prado Jr. a respeito do método dialético somente ocorreu na década de 1950, após a consolidação de sua interpretação do Brasil.

A maneira como a questão do método foi considerada no ensaio de estreia de Prado Jr. não era um caso isolado. Até o início dos anos 1930, os principais intérpretes dedicados aos estudos históricos não dispenderam maiores esforços para delimitar mais sistematicamente seus pressupostos teórico-metodológicos, considerando a questão de forma tópica. Entretanto, a preocupação com assunto existia a despeito da ausência de uma produção mais substancial. Quanto aos intelectuais contemporâneos de Prado Jr., tem-se que nos primeiros trabalhos de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque os aspectos teórico-metodológicos também são expressos de maneira tácita, sem uma formulação mais complexa. Portanto, apesar da exiguidade das formulações metodológicas, a consideração do assunto compunha a pauta daqueles intelectuais que pretendiam tratar cientificamente os fenômenos sociais, por mais que suas explicações não se detivessem apenas em argumentos estritamente sociológicos.

Desde a seminal dissertação do bávaro Karl von Martius (1982[1845]), Como se Deve Escrever a História do Brasil, a questão do método de interpretação da história brasileira foi problematizada. A proposta de Martius possuía uma finalidade apologética. No seu entendimento o historiador estaria a serviço dos desígnios divinos, constituindo um instrumento que atuaria produzindo um conhecimento sobre o passado voltado para a exaltação da Monarquia (MARTIUS, 1982[1845]). Nesse aspecto, sua proposta alinhava-se com a tendência predominante dentro do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) durante o Império, caracterizada por Lilia Schwarcz pela “combinação de um saber

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evolucionista com a doutrina católica” (SCHWARCZ, 2012 [1993], p. 145). A inovação de Martius foi propor que a história brasileira fosse estudada a partir da contribuição dos três povos que a compõe, os portugueses, os índios e os negros. Para ilustrar a importância de cada um desses elementos, Martius utiliza a metáfora do rio, onde os portugueses seriam o leito principal, enquanto índios e negros pequenos afluentes que nele se diluiriam. O método que deveria ser empregado para o desenvolvimento desse estudo seria o “paralelogramo de forças”, uma espécie de soma vetorial entre as contribuições desses três povos que forneceria como resultante a compreensão da história brasileira.

Essa proposição de Martius encontrou certa acolhida no meio intelectual brasileiro. Tanto que trinta anos depois, vê-se em um dos primeiros textos do jovem Capistrano de Abreu a manifestação de simpatia por essa abordagem, embora tenha considerado que não havia sido acumulado o conhecimento histórico necessário para a que esse método pudesse ser utilizado (ABREU, 1975a[1875]). Contudo, não demorou muito para que Capistrano mudasse sua perspectiva, como se pode observar no necrológio que escreveu a propósito do falecimento de Varnhagen. Capistrano inicia seu ensaio dedicando muitos elogios ao homenageado. Em virtude de sua adesão às ideias de Leopold von Ranke, a historiografia de Varnhagen estava sustentada na premissa que a objetividade emanaria intrinsecamente dos documentos. Por isso, seria dispensável qualquer tipo de interpretação mais detida, decorrendo disso uma abordagem estritamente factual que redundou na exaltação das “grandes personalidades”, os “heróis” das classes dominantes.

A perspectiva de Leopold von Ranke, da qual Varnhagen era tributário, dominou a historiografia na passagem entre os séculos XIX e XX. Ela estava em grande medida voltada para os feitos políticos, as guerras e os grandes líderes, bem como se preocupava com a precisão das fontes documentais para fundamentar a argumentação. Por conseguinte, os estudos históricos detinham-se nos feitos das “grandes personalidades” a partir de uma abordagem factual e estanque, sem oferecer uma visão de conjunto capaz de interpretar os processos históricos. Esse paradigma hegemonicamente dominante na historiografia possuía muitos adeptos no Brasil, principalmente nos Institutos Históricos, que até a criação das universidades monopolizavam a produção do conhecimento sobre o passado do país.

Ao escrever o necrológio, Capistrano reconheceu os méritos do Visconde de Porto Seguro, principalmente no que concerne à intensa dedicação à pesquisa documental, dentro dos parâmetros da historiografia rankeana. Por outro lado, na conclusão de seu artigo, Capistrano lamenta que Varnhagen “ignorasse ou desdenhasse o corpo de doutrinas criadoras que nos últimos anos se constituíram em ciência sob o nome de sociologia”, pois considera

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que sem consideração da abordagem sociológica não seria possível apreender “as relações que ligam os momentos sucessivos da vida de um povo”, acrescentando que espera que “alguém, iniciado no movimento do pensar contemporâneo, conhecedor dos métodos novos e dos instrumentos poderosos que a ciências põe à disposição de seus adeptos, eleve o edifício, cujos elementos reuniu o Visconde de Porto Seguro” (ABREU, 1975b[1878], p. 90]). Dessa maneira, Capistrano de Abreu espera que esse “iniciado”

venha, e escreva uma história da nossa Pátria digna do século de Comte e Herbert Spencer. Inspirado pela teoria da evolução, mostre a unidade que ata os três séculos que vivemos. Guiado pela lei do consensus, mostre-nos o rationale de nossa civilização, aponte-nos a interdependência orgânica dos fenômenos, e esclareça uns pelos outros. Arranque das entranhas do passado o segredo angustioso do presente, e liberte-nos do empirismo crasso em que tripudiamos (ABREU, 1975b[1878], p. 91). Esses textos de Capistrano foram escritos antes de sua conversão definitiva aos estudos históricos, quando na juventude ganhava a vida escrevendo críticas para jornais. Posteriormente, ao assumir efetivamente o estudo da história como ofício, Capistrano deixou o positivismo de lado e aderiu à antropogeografia de Ratzel, recorrendo à teoria do espaço vital para compreender a expansão das terras portuguesas na América e seu povoamento, processo majoritariamente protagonizado pelos bandeirantes. Além disso, passou a cultivar uma rigorosa preocupação com as fontes documentais utilizadas nos estudos históricos, alinhando-se mais estreitamente à perspectiva rankeana, conforme se pode observar em carta destinada a Guilherme Studart, datada de 20 de abril de 1904:

Por que não dás a procedência dos documentos que publicas? [...] Por que motivo, portanto, te insurges contra uma obrigação a que se sujeitam todos os historiadores, principal mente desde que, com os estudos arquivais, com a criação da crítica histórica, com a crítica das fontes, criada por Leopoldo Von Ranke, na Alemanha, foi renovada a fisionomia da História? (ABREU, 1954[1904], p. 165-166).

Contudo, trata-se de uma adesão estritamente metodológica. Diferentemente de Varnhagen que se ocupou das guerras e avançou no sentido de uma história política factual, Capistrano de Abreu valorizou o recurso metodológico de Ranke, mas o orientou para sua preocupação central: “a mim preocupa o povo, durante três séculos, capado e recapado, sangrando e ressangrando” (ABREU, 1977[1920], p.166). Nesse sentido, deslocou seu olhar para a formação da sociedade brasileira com ênfase nos processos transcorridos nos sertões, sua ocupação, povoamento, economia, organização social e cultura. Com isso, muitas vezes procurou descrever os costumes da população longe dos centros administrativos, detendo-se nos festejos populares, folguedos, práticas alimentares, servindo-se como fontes documentais

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de trovas e de contos populares, combinados com fontes comumente utilizadas em perspectivas mais ortodoxas.

Isso não quer dizer que Capistrano tenha incorrido no “empirismo crasso” que tanto criticou na juventude, pois seu principal trabalho, Capítulos de História Colonial, prima pela síntese, buscando indicar “a unidade que ata os três séculos que vivemos”, tal como havia declarado no necrológio de Varnhagen. Não por acaso a conclusão do livro intitula-se “três séculos depois”. Nesse sentido, é interessante observar que Capistrano não costumava referir- se às “grandes personalidades” em seus principais trabalhos historiográficos, como era corrente entre seus antecessores e muitos de seus contemporâneos. Em particular, chamou bastante atenção o fato de Capítulos de História Colonial não fazer menção à inconfidência mineira, nem a Tiradentes.

Conforme salienta Sérgio Buarque de Holanda (2008[1951]), a contribuição de Capistrano de Abreu para o desenvolvimento dos estudos históricos na primeira metade do século XX decorre de sua inovação temática, da pesquisa documental rigorosa e do estímulo aos estudos e publicações de fontes referentes aos assuntos de seu interesse. Foi sob seus auspícios que se passou a investigar a vida cotidiana, as atividades econômicas, os indígenas, os jesuítas, os bandeirantes e os caminhos que vieram a integrar os sertões da colônia. Esses assuntos destoavam daqueles predominantes junto aos pesquisadores que o antecederam e aos seus contemporâneos, predominantemente ocupados com aspectos políticos e administrativos, assumindo uma abordagem estritamente factual e orientada por um nacionalismo romântico de acento católico. Fernando Novais (1997) acrescenta que para além da introdução de novas