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Teorias raciais no Brasil e as tensões eurocêntricas na geração de 1930

2 NACIONALIZAÇÃO DO MARXISMO E A IDEIA DE BRASIL MODERNO

2.3 Teorias raciais no Brasil e as tensões eurocêntricas na geração de 1930

Por fim, como terceira e última frente de análise da relação entre nacionalização do marxismo e pensamento social brasileiro na constituição das tensões eurocêntricas na interpretação do Brasil de Caio Prado Jr., é preciso considerar como esse debate vincula-se com a problemática em torno da questão racial. Decerto, o debate racial não constitui um dos aspectos mais costumeiramente retomado na imagem do Brasil de Prado Jr.5 Contudo, não é ignorado seu vínculo com “Sentido da Colonização”. Assim, em Formação do Brasil Contemporâneo (PRADO JR, 2000[1942]) é dedicado considerável espaço para a questão, havendo três capítulos onde sua abordagem dá-se explicitamente. O tratamento dispensado está abertamente em diálogo crítico com Gilberto Freyre (1999[1933]). Embora exaltada como marco inaugural da abordagem sociológica das relações raciais no país, a interpretação freyreana do Brasil caracteriza-se pela conjugação das noções de cultura, raça, meio ambiente e clima, tidas em seu argumento como variáveis igualmente condicionantes dos processos sociais, conforme nota Luiz Costa Lima (1989). Nesse sentido, Freyre não teria promovido uma plena ruptura com o paradigma cientificista dominante entre 1870-1930. A esse respeito, Ricupero (2011) argumenta que haveria prejuízo na compreensão da obra do intelectual pernambucano ao se enfatizar unilateralmente seu parcial deslocamento dos caracteres raciais. Com efeito, essa postura minimizaria a relativa proximidade entre a análise freyreana, por um lado, e a de pensadores da geração anterior como Oliveira Vianna e Paulo Prado, por outro lado.

São permeadas por tensões as relações intertextuais e metatextuais que Prado Jr. estabelece com a obra de Freyre. É possível afirmar que em ambos prevalece uma ambígua conjugação entre cultura e raça, expressa no emprego de um jargão caracteristicamente biologizante, ao mesmo tempo em que se propõe o afastamento da abordagem caracterizada pelo determinismo racial. Todavia, a ênfase de Prado Jr. recai na consideração de variáveis econômicas e sociais, o que lhe fornece subsídios para compreender como se estabelece um padrão de relações raciais que leva à intensificação da subalternização da população negra e

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O trabalho de Anderson Ribeiro Oliva (2009) constitui uma exceção e oferece importante problematização da questão racial na obra historiográfica de Caio Prado Jr. Ao abordar os imaginários e os discursos brasileiros sobre os africanos nos séculos XIX e XX, Oliva ressalta que Prado Jr. estabelece em Formação do Brasil Contemporâneo uma patente hierarquização cultural entre europeus e não europeus na constituição da sociedade brasileira. Dessa maneira, inquestionavelmente Prado Jr. apresentaria elementos que subsidiariam a inferiorização das populações negras e indígenas.

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indígena, não obstante se negue a existência de racismo. Essa é a diferença fundamental em relação à concepção freyreana, que estabelece uma visão idílica da sociedade brasileira que de maneira perversa encobre a violência, a discriminação e a exclusão causadas pelo regime de dominação patriarcal branco. Por seu turno, Freyre avançou mais que Prado Jr. ao considerar a existência de contribuições culturais positivas da população negra para a formação do país, embora manifeste diversas ressalvas quanto aos indígenas. Para compreender mais adequadamente essa questão, segue-se uma breve apresentação do debate sobre as teorias raciais vigentes entre 1870 e 1930.

A recepção das teorias raciais marcou profundamente a intelectualidade brasileira. No início do século passado Sylvio Romero fez um balanço das ideias importadas na vida intelectual brasileira. Ao remontar aos primórdios da recepção do positivismo e das teorias sobre a determinação do clima e da raça sobre a fisionomia da sociedade nacional, Romero indicou a importância da introdução de um “bando de novas ideias” no Brasil na década de 1870. Com isso, iniciou-se um movimento de secularização da produção intelectual no país. Paulatinamente as doutrinas da Igreja Católica foram realocadas dentro do bloco do poder, acarretando a perda gradual de sua primazia originada no Período Colonial. Contudo, ao invés de uma ruptura, o elemento emergente apontado por Romero contribuiu para atualizar os termos em que era reiterado o paradigma eurocêntrico hegemonicamente dominante no país. Nesse momento as disputas em torno dos critérios de classificação legítima da realidade brasileira seguiam princípios heteronômicos, orientados em grande medida pelo anseio de identificação dos grupos urbanos ascendentes com os padrões civilizacionais europeus, mas combinando-se com a manutenção seletiva de valores característicos do mundo rural.

De acordo com Florestan Fernandes (1977), o conjunto de autores da geração de 1870 não teria desenvolvido propriamente uma análise sociológica, embora nas suas obras caracterizem-se por estabelecer determinadas relações a partir da consideração de fatores sociais. Por sua vez, Lilia Schwarcz (2012[1993]) ressalta o singular caráter criador assumido pelo “bando de novas ideias” introduzidas no Brasil por aqueles intelectuais. Para a antropóloga seria equivocado afirmar que aqueles textos continham meras cópias de ideias estrangeiras. Ao invés disso, propõe pensar sobre o caráter original da cópia. Nesse sentido, Schwarcz indica que se deve atentar para os distintos papéis desempenhados no país pela apropriação das teorias raciais combinadas ao liberalismo. Além da secularização e do consequente rearranjo no processo hegemônico, tendo no pensamento científico um elemento hegemonicamente emergente, a apropriação das teorias raciais serviu para legitimar os projetos políticos dos grupos urbanos em ascensão, os quais eram pautados pela ideia de

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progresso. Ao mesmo tempo, o caráter determinista dessas teorias acentuou a preponderância da raça como variável na formação brasileira, levando a desconsideração da ação do indivíduo na sociedade em detrimento do peso do fator racial. Igualmente, a ação coletiva passa a ser inteligível em termos raciais. Como consequência, tem-se um esvaziamento do debate sobre cidadania e participação política, atualizando as bases ideológicas da exclusão social (SCHWARCZ, 2012[1993]). Enquanto no Império o favor constituía a mediação para a recepção do liberalismo no Brasil, trançando uma celebração tácita da fronteira entre homens livres e escravos, mas mediante a hierarquização entre homens livres proprietário e não proprietários (SCHWARZ, 2010[1972]), na primeira república as teorias raciais desempenharam papel análogo ao possibilitar a circulação do discurso liberal de forma a legitimar o status quo. Outro aspecto considerado por Schwarcz (2012[1993]) ao tratar da difusão no país da “cópia original” das teorias raciais corresponde à combinação entre evolucionismo e darwinismo social:

No Brasil, evolucionismo combina com darwinismo social, como se fosse possível falar em “evolução humana”, porém diferenciando as raças; negar a civilização aos negros e mestiços, sem citar os efeitos da miscigenação já avançada. Expulsar “a parte gangrenada” e garantir que o futuro da nação era branco e ocidental (SCHWARCZ, 2012[1993], p. 316-317).

Ao longo de seu estudo, Schwarcz (2012[1993]) detalha a ascendência das teorias raciais nas principais instituições produtoras de conhecimento do país entre 1870 e 1930. Dentre os adeptos desse conjunto de ideias tinham-se figuras como Sylvio Romero e Oliveira Vianna nas Faculdades de Direito, que também ocuparam posições de destaque no IHGB, que por sua vez também contava no seu quadro de sócios com Euclydes da Cunha e Capistrano de Abreu, este último mais afeito ao discurso sobre o determinismo ambiental. Interessante notar, ainda, que disputas intelectuais transcorreram em virtude de filiações teóricas distintas, como ocorreu no intenso debate travado por Capistrano e Romero na imprensa carioca, onde, respectivamente, cada um defendeu a primazia do determinismo ambiental e do determinismo racial no estudo da origem do povo brasileiro e do seu caráter nacional (ABREU, 1976[1876]). As teorias raciais também tiveram profunda influência na medicina daquele período, tendo como principal teórico Nina Rodrigues na Faculdade de Medicina na Bahia. Além disso, Schwarcz (2012[1993]) nota a presença dessas concepções sobre raça em diferentes contextos nacionais, tendo em cada um deles assumido conotações distintas. Nesse sentido, a hegemonia das teorias raciais nas primeiras décadas do século XX no Brasil não constituiria um movimento isolado, inserindo-se dentro do que Connell (2007) denominou de produção da “diferença global”.

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A contestação das teorias raciais teve início em um contexto de grande agitação política e cultural que culminou com a tomada do poder por Getúlio Vargas em 1930. Até então, o predomínio das teorias raciais corroborava a imputação de inferioridade aos seguimentos da população cuja ascendência não remetesse aos brancos europeus. A essa altura, as teorias raciais constituíam o paradigma hegemonicamente dominante junto à intelectualidade brasileira. Contudo, como indica Eliane Veras Soares (2011), em meados da década de 1920 começou a emergir uma nova maneira de conceber a questão da mestiçagem. Ao invés de obstáculo, a miscigenação passa a ser vista como um traço singular da identidade nacional. Soares indica a geração modernista como precursora dessa mudança. Particularmente, destaca o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade e Macunaíma de Mário de Andrade como textos literários representativos de uma concepção otimista sobre a mestiçagem. Além disso, demarca como fundamental na modificação na forma de abordar essa questão a publicação de Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre, em 1933.

Nesse sentido, Soares considera esse período como um ponto de inflexão na abordagem do chamado “mito das três raças”, passando a construir de maneira idílica a convivência entre brancos, índios e negros na formação da sociedade brasileira. Dessa maneira, Soares argumenta que “[p]ode-se atribuir a esse momento a elaboração de uma estrutura de sentimento da ‘mestiçagem harmoniosa’, que tem como principal ideia de referência a imagem do Brasil como uma democracia racial” (SOARES, 2011, p. 102). Portanto, nesse momento a concepção otimista e harmoniosa acerca da mestiçagem constituiria uma “emergência preliminar” (WILLIAMS, 1979), onde os novos elementos semânticos ainda se encontrariam em estado de solução com o as teorias raciais então dominantes no final da República Velha. Nesse sentido, deve-se observar que a construção da ideia de “democracia racial” não representou uma efetiva ruptura com o paradigma eurocêntrico, podendo ser apreendida como uma atualização sofisticada. Ao defender o caráter positivo da miscigenação, diferenciando-se do acento eugênico das teorias raciais, a ideia de “democracia racial” propiciou a reiteração da discriminação racial ao negar sua existência. Ao passo em que é negado o preconceito racial, encobre-se que as desigualdades sociais são reproduzidas de forma a desfavorecer mais acentuadamente as pessoas negras.

Prado Jr. situa-se no rol de intelectuais que se propunham a criticar tanto o determinismo racial quanto a atribuição de um caráter harmonioso à mestiçagem no Brasil, destacando a violência subjacente a grande maioria desses intercursos. Para tanto, indicou como a condição subalterna das negras escravizadas fazia com que fossem submetidas à satisfação sexual dos senhores. Indicou que em virtude de a mão-de-obra escrava ocupar a

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quase totalidade dos postos de trabalho disponíveis na colônia, seriam restritas as possibilidades de obtenção de renda para as pessoas livres não proprietárias de terras, o que repercutira junto a algumas mulheres de forma a ocasionar a prostituição. Acrescenta, ainda, que a desestruturação social e econômica fora do grande domínio rural, decorrente da escravidão, também afetaria a organização doméstica de forma que a família no estilo nuclear tradicional não seria observável com tanta regularidade nas camadas pobres da população livre, indicando que o predomínio do arranjo familiar patriarcal estaria restrito às elites fundiárias (PRADO JR, 2000[1942]). Fatores como esses são elencados por Prado Jr. para contestar a ideia de mestiçagem harmoniosa no Brasil. Entretanto, convive nessa crítica elementos característicos do argumento freyreano, como a afirmação da definição da população brasileira por seu caráter mestiço e a ideia de plasticidade do colonizador português como fator decisivo para a configuração dessa característica.

Por outro lado, Prado Jr. (2000[1942]) minora a importância da contribuição cultural de negros e indígenas, no seu sentido antropológico, ao considerá-la oriundo de um impulso passivo. Essa passividade estaria relacionada não apenas com a imposição da escravidão, mas com o próprio caráter inferior das manifestações culturais daqueles segmentos da população. A maneira como essa discordância com relação à proposição de Freyre é ensejada propicia certa aproximação com o debate racial da geração anterior que sustentava opinião semelhante, mas com base nas teorias raciais. Portanto, a consideração da questão racial por Prado Jr. constitui um dos aspectos mais delicados no que concerne ao debate sobre eurocentrismo. Sua perspectiva alia uma crítica a partir das condições materiais em que as relações raciais se estabelecem, recusando uma abordagem idílica, mas coaduna com uma forma de pensamento abissal (SANTOS, 2010b) que torna invisível o conhecimento originário das populações de matrizes indígena e afro-brasileira.

Com base na apresentação dessas três frentes da relação entre a nacionalização do marxismo e o pensamento social brasileiro, argumenta-se que a trajetória de Caio Prado Jr. é permeada por parte significativa dos dilemas em torno do eurocentrismo que constituíram a tradição intelectual brasileira. Como integrante da geração de 1930, Prado Jr. contribuiu para consolidar a utilização de variáveis sociológicas para compreender os fenômenos sociais. Isso deixou em segundo plano as explicações fundamentadas em fatores como raça e ambiente, rechaçando sua utilização exclusiva ou unilateral para explicar os entraves da modernização da sociedade brasileira, conforme foi recorrente entre 1870 e 1930. Cabe observar que essas teorias, que foram fundamentais para hierarquizar europeus e não europeus, eram dominantes durante o período de formação intelectual de Prado Jr. Com isso, ao mesmo tempo em que o

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historiador paulista contribuiu para a crítica dessas abordagens, parte de sua argumentação sobre o “Sentido da Colonização” foi tributária da leitura de textos amparados nessas teorias.

A busca pela fundamentação de explicações sociológicas pode ser apreendida como uma espécie de denominador comum da geração de 1930 em relação à questão do eurocentrismo. Trata-se de um momento de reconfiguração nas ciências sociais no Brasil, que se deu ainda em contato com os elementos hegemonicamente dominantes do período histórico anterior. Por isso, seria um contexto permeado por tensões eurocêntricas, em que aparecem elementos emergentes que seletivamente refutam e reproduzem parcialmente o paradigma eurocêntrico hegemônico. Nesse ínterim, abriram-se novas perspectivas para explicar a realidade brasileira. No mesmo ano da publicação de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, Caio Prado Jr lançou seu ensaio de estreia, Evolução Política do Brasil. Com Freyre fundou-se uma abordagem culturalista, cujo modelo explicativo prima pela articulação dos seguintes elementos: tentativa de distinguir raça e cultura, delimitando a especificidade do patriarcado nos trópicos. Prado Jr procurou compreender a história brasileira sob a ótica do materialismo histórico, investigando os impactos da colonização na formação do país, em virtude da sua inserção periférica na economia mundial, no contexto do capitalismo mercantil. Sérgio Buarque partiu da sociologia alemã, especialmente de Weber, para estudar o peso da herança das raízes culturais ibéricas nas instituições brasileiras, com destaque para o personalismo.

Sérgio Tavolaro (2013b) chama a atenção para o modo como as ideias dos principais expoentes da geração de 1930 estavam permeadas pelo que se denomina neste trabalho de tensões eurocêntricas. Em sua opinião, esses intelectuais introduziram de maneira mais extensiva e sistemática a consideração de fatores sociais para a explicação da formação da sociedade brasileira. Porém, nos principais livros de Buarque (2013[1936]), Freyre (1999[1933]) e Prado Jr. (2000[1942]) encontram-se referências a variáveis explicativas ambientais e raciais. No entanto, essa reiteração parcial não teria suscitado uma continuidade em relação às abordagens adotadas por Sylvio Romero e Oliveira Vianna, por exemplo, na medida em que se expressam de maneira incidental. Pode-se afirmar que indicariam a atração exercida pelo paradigma eurocêntrico hegemonicamente dominante em relação às perspectivas emergentes. Tavolaro ressalta, ainda, que esses intelectuais expressaram em seus trabalhos uma profunda preocupação com a questão da “cópia” de conceitos e categorias inadequados para a análise da realidade brasileira, assim como traçaram paralelos com outras regiões do continente americano no intuito de apreender a especificidade brasileira.

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A esse respeito, constitui uma referência clássica a distinção estabelecida por Buarque (2013[1936]) entre os tipos aventureiro e ladrilhador ao comparar o empreendimento colonial português e hispânico na América, respectivamente. Amparado na tipologia weberiana das ações sociais, Buarque ressalta o caráter racional do empreendimento colonial levado a cabo nas colônias da Espanha, destacadamente perceptível em virtude da forma de organização das cidades coloniais, dotadas de traçados retilíneos. Já na colônia portuguesa, o espírito expansionista e aventureiro, decorrente do predomínio dos valores relacionados com personalismo lusitano, propiciou uma exploração assistemática e predatória (BUARQUE, 2013[1936]).

No prefácio à primeira edição de Casa Grande & Senzala, Freyre (1999[1933]) comparou aproximativamente a configuração do nordeste patriarcal brasileiro da cana-de- açúcar, o deep South dos EUA – composto pelos estados da Luisiana, Alabama, Mississipi, as Carolinas e Virgínia – e as Antilhas. Destacadamente, as semelhanças decorreriam da cultura patriarcal que surgiu com base em uma organização social pautada pelo escravismo e a monocultura. Posteriormente, quando passou a sistematizar o que denominou de tropicologia, Freyre (1975) escreveu um ensaio dedicado às diferenças entre a colonização das zonas temperadas e tropicais do continente americano. Seu argumento pautava-se por uma revisão da tese weberiana a respeito da constituição do capitalismo em vista do contexto colonial. Enquanto o método de colonização “nórdico protestante”, pautado em um ethos calvinista, redundou em uma exploração “profilática e sem amor”, o método de colonização “luso- católico”, pautado por um ethos franciscano, teria levado à contemporização entre colonizador português e povos não europeus, propiciando a miscigenação. Dessa maneira, Freyre considera que a colonização dos trópicos pelos ibéricos teria como fator de êxito a empatia e a plasticidade em detrimento do racionalismo e ascetismo protestante. A baixa instrução do colonizador do trópico teria corroborado essas características, na medida em que favorecia confraternizar melhor com os povos “igualmente iletrados dos trópicos” (FREYRE, 1975).

Prado Jr. (2000[1942]) indica a diferença entre os modelos de colonização adotados nas zonas temperada e tropical do continente, salientando a importância das condições geográficas para o caráter assumido pela exploração empreendida pelos ibéricos. As regiões setentrionais da América e da Europa compartilham um clima temperado, contrastando com as condições climáticas dos trópicos americanos. Essa diferença favoreceu a exploração de determinados gêneros agrícolas e especiarias que o mercado europeu só poderia obter por importação, devido à impossibilidade de cultivá-los. Isso foi um fator decisivo para que o

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desenvolvimento da região fosse dotado de um sentido voltado para o fornecimento de gêneros tropicais e metais preciosos (PRADO JR, 2000[1942]).

Nos três casos, as comparações com outras experiências coloniais visavam corroborar os diferentes argumentos acerca da singularidade brasileira. Buarque mediante a herança cultural personalista ibérica, Freyre com base na influência da família patriarcal na organização da sociedade e Prado Jr a partir da noção de “Sentido da Colonização”. Enquanto Freyre defendeu a manutenção dos valores culturais vinculados ao patriarcado, na medida em que serviria de base para o caráter autêntico da organização de uma sociedade moderna nos trópicos, Buarque e Prado Jr estavam engajados na ruptura com os elementos que configuraram a especificidade da sociedade brasileira no Período Colonial, o personalismo e o “Sentido da Colonização”, respectivamente. Com isso, ao invés desses intelectuais estarem tratando de um desvio em relação a um suposto caminho unívoco que levaria à modernidade, Tavolaro considera que ao enfatizarem a especificidade da formação da sociedade brasileira, eles estariam afirmando a existência de formas de modernidade que divergem do padrão eurocêntrico:

É sintomático que, ao destronar aqueles fatores extra-sociais (sic.), Caio Prado Jr., Buarque de Holanda e Freyre tenham devotado tamanha atenção ao nosso passado, sobretudo a aspectos sociais tidos como decisivos nos momentos iniciais da formação brasileira. Vários desses aspectos teriam, de alguma forma, logrado perpetuar-se no presente, entrelaçando-se a padrões e referências modernas. Por isso, tal mudança epistemológica em favor de âncoras interpretativas e explicativas sociais de forma alguma viu-se acompanhada do desmonte da imagem do Brasil contemporâneo como um contexto excepcional (TAVOLARO, 2013b, p. 8).