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2 NACIONALIZAÇÃO DO MARXISMO E A IDEIA DE BRASIL MODERNO

2.2 Tese feudal no pensamento social brasileiro e sua crítica

Antes de tudo, deve-se frisar que a tese feudal precedeu à introdução do marxismo no Brasil. A maior parte das interpretações tradicionais sobre o passado brasileiro filiavam-se a essa perspectiva, mas em sua grande maioria não havia a preocupação com uma teorização sistemática a respeito de sua definição. O desenvolvimento teórico dessa questão somente veio ocorrer com seus adeptos marxistas. A esse respeito é interessante observar a revisão que Nelson Werneck Sodré fez do debate vigente no pensamento social brasileiro em torno da definição do modo de produção vigente durante o Período Colonial. O historiador marxista demonstra o caráter essencialmente descritivo do emprego das categorias feudalismo e capitalismo por historiadores como Varnhagen, Capistrano de Abreu, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre etc., sem uma preocupação com uma fundamentação teórica mais acurada dessa caracterização (SODRÉ, 1967[1962], p.80-82). Ainda assim, a pré-existência da tese feudal por si só favoreceu a transposição do modelo democrático-burguês, que encontrou um terreno fértil para sua adaptação ao país. Nesse sentido, o livro Agrarismo e Industrialismo de Octávio Brandão apresentou-se como pioneiro nessa tentativa de incorporar o modelo democrático-burguês à realidade brasileira mediante a apropriação da tese feudal previamente existente no país.

A respeito da tese feudal dentre os integrantes do IHGB, particularmente chama a atenção o caso de Capistrano de Abreu. Em Capítulos de História Colonial, o intelectual cearense caracterizou a sociedade portuguesa no contexto das grandes navegações pela coexistência de “duas sociedades completas, com sua hierarquia, sua legislação e seus tribunais” (ABREU, 2000[1907], p. 43), referindo-se a uma espécie de dualidade de poderes entre Estado, que havia iniciado sua centralização, e Igreja, representante da antiga ordem feudal em dissolução. Essa dualidade teria sido mobilizada em favor do empreendimento colonial, na medida em que a legislação que regulava a concessão de terras aos donatários das capitanias hereditárias detinha um acento feudal, cujo estabelecimento visaria o controle dos integrantes da pequena nobreza portuguesa que se tornaram senhores de terras na colônia, assegurando em última instância a primazia da Coroa. Por essa via também se asseguraria a captação de recursos por meio do pagamento de tributos. Assim, Capistrano destaca que: “Em suma, convicto da necessidade desta organização feudal, D. João III tratou menos de acautelar sua própria autoridade que de armar os donatários com poderes bastantes para arrostarem usurpadores possíveis dos solarengos vindouros” (ABREU, 2000[1907], p. 67).

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região litorânea ao norte da colônia, onde se estabeleceu a cultura açucareira, os senhores de engenho estabeleceram uma economia autônoma. Essa constatação parece corroborar a presença da tese feudal na interpretação do Brasil de Capistrano de Abreu. Porém, após o breve exame da configuração da colonização na região litorânea, sua análise desloca-se para os sertões. Ao apresentar a dinâmica econômica e social das várias regiões no interior da colônia, apontando a sucessão de diferentes atividades produtivas voltadas para a economia doméstica, como no caso da pecuária, ou para o mercado internacional, como no caso da mineração, a dinâmica do argumento de Capistrano sofre uma rotação. A mudança de enfoque é perceptível mediante o estabelecimento de uma ênfase no caráter empreendedor dos desbravadores dos sertões, aliada ao esboço da consideração da articulação entre dinâmica local e global.

Capistrano (2004[1930]) argumentou que, desde o início da colonização, os portugueses tinham como objetivo a expansão territorial de seus domínios, procurando aproximar-se das áreas onde as minas das colônias hispânicas estavam situadas, pois almejavam também encontrar riquezas minerais. Assim, por exigência da “atividade vital” do “organismo do estado (sic.)” português, logo os limites traçados pelo tratado de Tordesilhas foram ultrapassados (ABREU, 2004[1930], p. 161). Em um movimento que conjugou a afinidade entre a livre iniciativa dos colonos e os interesses expansionistas da metrópole, Capistrano afirma que no final do século XVIII “estava todo o País ligado, imperfeitamente embora, por meio de vias terrestres ou fluviais” (ABREU, 2004[1930], p. 81). No entanto, questionava-se: “Chegar-se-ia a formar o conjunto, uma nacionalidade?”, respondendo em seguida que “O sistema colonial era a divergência, o particularismo; o centro ficava além- mar” (ABREU, 2004[1930], p. 81). Note-se que já no final do século XIX – o texto foi escrito em 1899 –, Capistrano apontava para a externalidade do centro do Brasil, implicando na sua inserção em um quadro mais amplo, considerando as implicações negativas da colonização para a formação da nação brasileira, em uma expressão precursora da proposição de Prado Jr.

Diferentemente do que ocorre com a abordagem de Capistrano, Oliveira Vianna apresenta uma compreensão do Período Colonial mais estritamente relacionada com a tese feudal. Conforme Vianna, o Brasil deveria ser compreendido a partir de uma concepção “pluriculturalista”, na medida em que o processo de colonização ocorrido no país foi extremamente dispersivo e individualista. A chave para compreender as características desse desenvolvimento estaria no regime de distribuição de terras com base no latifúndio.

No seu entendimento, a caracterização dos aspectos feudais da colonização também remonta à maneira como ocorreu a concessão de sesmarias, que resultou em uma estrutura

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fundiária extremamente concentrada. Como consequência, criou-se uma classe senhorial poderosa. Por um lado, isso impactou a configuração da estrutura de classes no Período Colonial, mediante o estabelecimento de uma acentuada situação de dependência em relação ao “grande domínio rural”. Por outro lado, a organização social surgida a partir dessa estrutura fundiária limitou o alcance da influência da metrópole sobre o interior da colônia, sendo estabelecidas verdadeiras autarquias centradas nos senhores rurais. Essa dispersão territorial acarretou um ensimesmamento das fazendas. Com isso, a sociedade colonial estruturou-se em torno do “grande domínio rural”, caracterizado como “um organismo completo, perfeitamente aparelhado para uma vida autônoma e própria” (VIANNA, 1973[1919], p. 123).

Oliveira Vianna observa que “essa admirável independência econômica dos senhorios fazendeiros exerce uma ação poderosamente simplificadora sobre toda a estrutura das nossas populações rurais” (VIANNA, 1973[1919], p. 124). Essa “simplificação” consistiria em um processo de profunda subsunção dos demais grupos sociais do Período Colonial – comerciantes, manufatureiros, trabalhadores livres, pequenos proprietários, escravos etc. Dessa forma, impediu-se que surgissem vínculos mais amplos de solidariedade social ou qualquer outro tipo de interdependência na colônia. Ao invés disso, o único tipo de solidariedade existente era decorrente da agregação em torno do “grande domínio rural”, que ganhou expressão nos chamados “clãs patriarcais”, caracterizados por uma forte solidariedade interna e pela ausência de solidariedade externa (VIANNA, 1973[1919]). Consequentemente, se por um lado, em torno de cada “grande domínio rural” a estrutura social era simplificada, por outro lado, em um plano geral, o caráter dispersivo e individualista da colonização tornava as regiões do Brasil significativamente distintas entre si.

Oliveira Vianna argumenta que “o processo dispersivo e individualista [...] foi agravado pela técnica povoadora dos bandeirantes” devido a sua modalidade de “colonização por saltos”, fazendo com que “cada agrupamento local, assim, formado” adquirisse “particularidades estruturais ou culturais, expressas em nuances infinitesimais” (VIANNA, 1987b[1949], p. 80-81). Assim, o que do ponto de vista do modelo bandeirante de historiografia constituiu uma virtude da iniciativa privada paulista – que agregou um maior volume de territórios aos domínios brasileiros, criou interligações terrestres e fluviais para acessá-los, ainda que precariamente, e empreendeu atividades que movimentaram a econômica interna e externa – para Vianna constituiu um agravante da tendência gerada pela organização social amparada na grande propriedade. A “colonização por saltos” promoveu uma forma de povoamento que o Estado português foi incapaz de acompanhar (VIANNA. 1973[1919]; 1978b[1949]).

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Decorre dessa situação a distinção que Vianna estabelece entre “sentimento de liberdade” e “sentimento de independência”. Ao atentar para essa discussão, o intelectual fluminense ataca um importante pressuposto do modelo bandeirante, contestando a ideia de “espírito de liberdade” do colono empreendedor do interior do Brasil-Colônia. Em virtude do caráter autárquico do grande domínio rural e da ausência de coesão social extensível aos diferentes segmentos sociais, a classe dirigente não vivenciaria efetivamente um sentimento de liberdade, mas um “sentimento de independência individual”. Essa situação decorreria do fato de que “[n]ós brasileiros, conhecemos e sentimos a vida do homem independente; não conhecemos, nem sentimos, nem podemos sentir, a vida de homem livre, como conhecem e sentem, por exemplo, os anglo-saxões” (VIANNA, 1973[1919], p. 265-266). Isso ocorreria, pois a liberdade seria conquistada mediante o combate contra alguma forma de opressão, acarretando a mobilização da população para lutar em favor de liberdades públicas a fim de proteger as independências privadas. Vianna argumenta que não houve na história do país qualquer tipo de ameaça à sociedade que demandasse uma mobilização da população em favor da liberdade, na medida em que a libertação da metrópole e da escravidão, por exemplo, transcorreram sem necessidade de um levante (VIANNA, 1973[1919]).

Prado Jr. apresenta os primeiros elementos para a contestação da tese feudal em Evolução Política do Brasil. No ensaio, a questão do feudalismo foi abordada a partir da problematização da dinâmica da concessão de terras durante o Período Colonial. No início do texto, as capitanias hereditárias são caracterizadas como uma tentativa de implantação de regime feudal na colônia, envolvendo os donatários e a Coroa portuguesa. Dessa forma, o historiador afirma que “[o] regime das capitanias foi em princípio caracteristicamente feudal”, pois os donatários não eram efetivamente proprietários da terra, sendo-lhes proibida “a posse de mais de dez léguas [...] de terra”, embora lhes coubesse “um direito eminente, quase soberano, sobre o território da capitania”, rendendo-lhes vários tributos, o monopólio de qualquer tipo de engenho, bem como “o provimento dos ofícios e cargos públicos da capitania” (PRADO JR, 1980[1933], p. 15). No entanto, Prado Jr nota que a “história da primitiva enfeudalização do território brasileiro” terminou de maneira frustrada, pois “[e]ste ensaio de feudalismo não vingou. Decaiu com o sistema de colonização que o engendrara, e com ele desapareceu sem deixar traço algum de relevo na história do Brasil” (PRADO JR, 1980[1933], p. 15). Portanto, o fracasso das capitanias hereditárias implicou na desagregação do esboço de feudalismo que se tentou implantar na colônia.

O interesse de Prado Jr. sobre a configuração feudal assumida pelas capitanias hereditárias é parte de sua preocupação mais geral com as formas assumidas pela propriedade

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da terra no Período Colonial. Prado Jr. justifica da seguinte maneira a importância assumida pela forma de propriedade da terra para apreender a dinâmica da colonização brasileira:

O caráter mais profundo da colonização reside na forma pela qual se distribui a terra. A superfície do solo e seus recursos naturais constituíam, naturalmente, a única riqueza da colônia. Não éramos como as Índias, um país de civilização avançada, cujo aproveitamento pelos conquistadores pudesse fazer pelo comércio ou pelo saque – que na época se confundiam num só e mesmo conceito. Aqui, uma só riqueza: os recursos naturais; daí uma só forma de exploração: a agricultura ou a pecuária, subordinadas ambas à posse fundiária (PRADO JR., 1980[1933], p. 16). Como a única fonte de riqueza passível de ser explorada na colônia eram seus recursos naturais, a forma assumida pela propriedade da terra convertia-se em questão central, pois definiria as características do regime colonial. Nesse sentido, Prado Jr. direcionou sua atenção para a forma como os donatários distribuíam as terras aos moradores da colônia, na medida em que foi com base nessa posse que se definiu a estrutura de classe no Brasil, tendo no topo da hierarquia na colônia os donos de terras. Assim, a origem da classe dos proprietários fundiários definiu-se com a distribuição de terras por meio do sistema de sesmarias. Prado Jr. (1980[1933]) atentou para a peculiaridade do regime jurídico que determinava essa forma de propriedade, pois não se referia a nenhum dos princípios gerais consagrados para a doação de terras, inclusive, contrastando com o vínculo feudal estabelecido entre o Rei e os donatários:

A propriedade do sesmeiro era alodial, isto é, plena, não consagrando outros ônus que não o pagamento da dízima da Ordem de Cristo, que afinal não passa de um simples imposto, e outras restrições, como monopólios reais, servidões públicas de água, caminhos etc. Não comporta, todavia, nenhuma relação de caráter feudal, vassalagem ou outra. As terras eram alienáveis por livre disposição dos proprietários e não criavam laço comum de dependência pessoal (PRADO JR., 1980[1933], p. 16).

Portanto, depreende-se disso que não havia entre o donatário e o sesmeiro qualquer tipo de vínculo de natureza feudal. Para reforçar essa diferença em relação ao feudalismo europeu, Prado Jr. analisa a forma como se deu a distribuição de terras, considerando suas implicações para a organização social da colônia. Nesse sentido, o historiador indica que geralmente a doação destinava-se àqueles dotados de recursos materiais e habilidade para a atividade agrícola. No entanto, havia casos em que considerações de ordem pessoal operavam na cessão de sesmaria, ainda que no final das contas prevalecesse como determinante para o pleno usufruto da terra a posse de capital para explorá-la, o que em parte significou a posse de escravos.

Na medida em que os portugueses desconsideraram a propriedade da terra das populações indígenas na colonização, fato não mencionado explicitamente em Evolução

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Política do Brasil, Prado Jr. afirma como característica diferenciadora do regime colonial em relação ao feudalismo europeu a inexistência prévia de pequenos produtores a serem incorporados pelos sesmeiros. Com isso, não se estabeleceram laços de dependência pessoal, pagamento de tributos, ou qualquer tipo de obrigação para com o cultivo da terra de terceiros. O que houve foi o surgimento de um segmento social que detinha a propriedade da terra e capital para explorá-la e outro destituído de terras e capital, que internamente diferenciavam- se entre si pelo fato de serem escravos ou não escravos. Dessa forma, o regime de sesmaria não implicou no mesmo tipo de obrigações que envolviam o Rei e os donatários, não podendo ser qualificadas como feudal. Em virtude disso, Prado Jr. considera que: “Podemos falar de um feudalismo brasileiro apenas como figura de retórica, mas absolutamente para exprimir um paralelismo, que não existe, entre nossa economia e a da Europa medieval” (PRADO JR., 1980[1933], p. 18).

Enquanto em Evolução Política do Brasil os primeiros subsídios para a crítica da tese feudal são apresentados sem uma refutação categórica, com a mudança de abordagem em Formação do Brasil Contemporâneo a questão é reelaborada. Ao definir do “Sentido da Colonização” como a produção de commodities para o mercado europeu, de forma que o desenvolvimento da sociedade brasileira ocorreu em função da naturalização dessa posição na divisão internacional do trabalho, Prado Jr. contribui para evidenciar o vínculo indissolúvel entre colonialismo e capitalismo. Ao construir uma visão a partir do Sul global da estruturação da economia-mundo capitalista, Prado Jr. contestou a validade da tese feudal para compreender a sociedade brasileira. Dessa forma, enquanto em Evolução Política do Brasil o questionamento da tese feudal assumia um caráter ensimesmado, em Formação do Brasil Contemporâneo, a recusa é estabelecida com base na consideração da colônia como parte de uma totalidade, que veio a se consolidar como o modo de produção capitalista.

É preciso considerar, ainda, que da mesma maneira que a tese feudal adotada na adequação do modelo democrático-burguês no Brasil, o desenvolvimento do conceito de “Sentido da Colonização” também teve fontes precursoras no pensamento social brasileiro. Nesse caso, a relação entre nacionalização do marxismo e ideia de Brasil moderno tem seu ponto de intercessão na historiografia paulista sobre os bandeirantes. Como nota Paulo Iumatti (2008), as ideias de Prado Jr. estavam relacionadas com a dinâmica do campo da historiografia durante a primeira metade do século XX, destacadamente em face dos Institutos Históricos e Geográficos estaduais e do IHGB. Paulo Martinez (2008) remete especialmente ao seu o vínculo com a historiografia paulista, cujo tema predominante era o bandeirismo.

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interpretações que “estabelece uma relação entre a atitude valente e laboriosa daqueles primeiros aventureiros e um suposto perfil do estado [de São Paulo] e de sua trajetória vitoriosa” (SCHWARCZ, 2012, p. 174). No contexto da República Velha, a partir da criação em 1894 do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), esse “mito paulista” passou a ter uma espécie de porta-voz privilegiado. Em grande medida a afirmação de Laura de Mello e Souza (2002) a respeito de Alfredo Ellis Jr serve para caracterizar boa parte da produção do IHGSP acerca do bandeirantismo: “trabalhos fantasiosos, destituídos de metodologia histórica mais consistente, imersos na tradição exaltatória dos memorialistas do século XVIII” (SOUZA, 2002, p.1191).

Embora tenha realizado um trabalho que contrastava significativamente da crônica histórica tradicional sobre os bandeirantes, inclusive contribuindo para a fundação de uma seara relativamente nova nos estudos históricos no país ao centrar seus esforços na História Econômica, a obra de Roberto Simonsen foi um marco na formação historiográfica paulista que influenciou Caio Prado Jr. Simonsen defendia que o Brasil no Período Colonial não poderia ser qualificado como feudal. Desde sua origem colonial o país seria capitalista, pois o caráter empreendedor teria sido elemento impulsionador do seu processo de formação. Como indica Lincoln Secco (2008), a interpretação do Brasil de Simonsen ofereceu importantes subsídios para a formulação da noção de “Sentido da Colonização” por Prado Jr., destacadamente por meio da “teoria dos ciclos econômicos” do Período Colonial. Essa teoria foi largamente acolhida, teve sua primeira sistematização mais consistente na obra do historiador português João Lucio de Azevedo e foi aprimorada por Simonsen. Conforme sua diretriz central, a colônia não teria sua dinâmica econômica definida exclusivamente por impulsos internos, já que em virtude do predomínio da atividade exportadora as oscilações do mercado mundial seriam decisivas para determinar o desenvolvimento do Brasil-Colônia. Prado Jr. reelaborou essa noção introduzindo a questão da dependência com base em uma leitura marxista: “Em vez de tomar os ciclos como indicadores de épocas econômicas, Caio Prado Júnior descobriu neles as manifestações fenomênicas de ‘uma realidade permanente e imanente – a estrutura exportadora da economia colonial’” (SECCO, 2008, p. 170-171). Dessa maneira, Prado Jr. desnaturaliza e explicita o mecanismo de exploração colonial, indicando a fragilidade acarretada pela dependência externa, onde mudanças na dinâmica do mercado podem comprometer a economia de um país.

Para fundamentar seu argumento a respeito do caráter capitalista da economia brasileira, Simonsen lançou mão da versão de Werner Sombart da noção de “espírito capitalista” para qualificar o caráter mercantil da atividade colonial. Conforme observa María

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Lilia Franco (2005), para Sombart a constituição do capitalismo poderia ser condicionada por fatores biológicos, étnicos, filosóficos e religiosos, o que contrasta significativamente com a perspectiva weberiana, cuja ênfase centra-se na subjetividade dos indivíduos que orientam sua conduta com base em um determinado ethos. Além disso, para Sombart o “espírito do capitalismo” teria dois componentes fundamentais, o “espírito de empresa” e o “espírito burguês”. Enquanto o primeiro identifica-se com espírito aventureiro e descobridor, passível de ser encontrado em contextos não capitalistas, o segundo seria caracterizado por uma circunspecção calculadora, pela racionalidade e a capacidade de organização econômica (FRANCO, 2005). Nesse sentido, as características atribuídas aos bandeirantes por Simonsen aproximam-se mais da noção sombartiana de “espírito de empresa” do que propriamente do “espírito do capitalismo”, pois a busca pela usura era propiciada por uma organização militarizada que não se pautaria pelo princípio de uma organização econômica baseada no cálculo.

É interessante notar que antes de Simonsen outros intelectuais que tiveram influência direta sobre seus escritos atentaram para a importância do “espírito empreendedor” dos bandeirantes. Embora em suas interpretações do Brasil apresentassem de maneira meramente descritiva a colonização como feudal, Karl von Martius, Capistrano de Abreu e Paulo Prado haviam atentado para o “espírito de aventura” ou “espírito de liberdade” associado aos bandeirantes, remetendo-o às origens do liberalismo político ou vinculando-o à expansão