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SUMÁRIO

CONSTRUINDO A VÍTIMA DE CRIME SEXUAL 177 4.1 PASSIVA E INOCENTE: IDEALIZANDO A VÍTIMA DE

2 CAPÍTULO 1 – NA LETRA DA LEI: CLASSIFICANDO OS CRIMES SEXUAIS E INTERPRETANTO A VIOLÊNCIA

2.2 DEFLORAR, ESTUPRAR OU ATENTAR CONTRA O PUDOR: UMA CONSTRUÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL

2.2.2 Materializando a violência

Ora evidenciado pela violência física, ora aparecendo como delito que mais atinge a moralidade do que a vítima em si, os vinte e cinco crimes de cunho sexual aqui estudados, expuseram algumas das principais discussões e contradições que nortearam os debates em torno do caráter doutrinário do Código Penal de 1890, e das práticas científicas de materialização das provas criminais.

Considerado por muitos de seus críticos influenciados pela Escola Positiva do Direito como um código excessivamente Clássico – em que o aspecto de tratar igualmente os indivíduos na sociedade não seria suficiente para atuar mais diretamente e correcionalmente nos grupos que se constituíam ameaças sociais – a legislação penal de 1890 fora considerada por muitos juristas e por boa parte das elites brasileiras como ineficiente para lidar com os problemas disciplinares que carecia à sociedade que cambiava para o progresso. Ou seja, que esta legislação penal republicana estava diretamente relacionada a um caráter punitivo e não educativo de atuação.

Desse modo, as críticas de juristas e outros intelectuais que acreditavam nas perspectivas positivistas de organização das instituições do Estado, entendiam que o Código de 1890 era ineficiente na aniquilação dos “germens” 21

do crime, pois se centrava, principalmente, no caráter individualizado da punição. Os sociólogos Marcos Alvarez, Fernando Salla e Luís Sousa afirmaram sobre o Código Penal de 1890, que

mais importante do que enfocar o papel da legislação penal enquanto instrumento de repressão e controle social dos movimentos sociais, ou mesmo enquanto instrumento de uma ética do trabalho, é ressaltar que desde sua promulgação o Código de 1890 foi considerado

21

Segundo o jurista Aureliano Leal, reconhecido Chefe de Polícia do Rio de Janeiro no início do século, muitos são os fatores encontrados na legislação criminal que demonstraram a pouca eficiência dessa legislação sobre a questão “dos germens do crime”; segundo ele, em publicação de 1896, “a manutenção do júri, a prescrição dos crimes, a fiança, a divisão da ação penal em pública e privada, a anistia, a graça, o perdão do ofendido, o livramento condicional, a impunidade do mandante, a reincidência e as nulidades processuais”. (LEAL apud, ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2003).

como incapaz de dar conta dos novos desafios colocados pelas transformações sociais e políticas do período republicano. (ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2003)

Nesse sentido, a forma de constituição da materialidade da violência sexual nos processos de crimes de Estupros e Atentados ao pudor era um exercício de referenciar tanto os danos físicos e “observáveis” concretizados no corpo das vítimas, como principalmente, as práticas que lesionavam a moralidade da pessoa e de toda a sociedade, e poderiam constituir um ameaça para os valores vigentes. Nesse mesmo aspecto, o crime de Lenocínio, mais do que pensar a subjugação de possíveis vítimas ao comércio do sexo, o que se punia era a imoralidade desse tipo de atividade. Assim, muitas dos crimes sexuais encontrados na cidade de Fortaleza se constituíram em práticas que ameaçavam toda uma ordem moral e “natural” do sexo e da sexualidade, e não somente eram criminalizadas pelos danos realizados por uma pessoa contra outra. Essa tensão pôde ser observada pela forma com que médicos e representantes da justiça relatavam e adjetivavam as “perversidades” correspondentes aos casos de crimes sexuais em Fortaleza.22

Os procedimentos científicos que eram objetivados pela polícia, pelos juristas e pelos médicos-legistas fortalezenses – que buscavam formas eficientes de reconhecimento da autoria do crime, e de elaboração de corpo documental para provar ou não uma ação delituosa – eram repletas de valores morais que construíam as ideias de violência nas interpretações subjetivas dos representantes da justiça, de acordo com as pessoas envolvidas nos processos criminais. Esses discursos oficiais, fortemente relacionados às ideias e procedimentos modernos e neutros, buscavam na “objetividade” da definição do crime, uma forma de disciplinar as práticas e atos sexuais considerados desviantes.

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Os bacharéis de Fortaleza, que atuaram nas primeiras décadas na capital eram formados primeiramente nas Faculdades de Direito de Recife, e depois de 1903, com a fundação da faculdade de Direito do Ceará, passaram a obter formação na própria capital. É importante perceber, que muitos desses bacharéis entraram em contato com as ideias positivistas de atuação jurídica características da Faculdade de Direito de Recife, lugar onde atuaram importantes teóricos das teorias raciais brasileiras, como o sergipano Sílvio Romero.

Retomo aqui um caso anteriormente citado, o de Astrogilda Berritte. Apesar de cumprir todos esses quesitos do Art. 267, ou seja, Defloramento, o crime fora classificado no art. 268, o Estupro. Partindo desse caso, as problemáticas que surgiram para a abordagem da classificação desses crimes foram: Quais as principais questões que fundamentavam os crimes de Estupro? Nesses casos, o que poderia ser considerado, no cotidiano, abusar com violência de uma mulher? Que tipos de práticas possibilitavam uma definição da violência sexual? Que tipos de atos foram considerados violentos pelas várias pessoas depoentes nos processos de Estupro?

Para os processos encontrados em Fortaleza, a composição do Estupro podia ser observada principalmente pela cópula carnal (penetração peniana), pela violência para fins libidinosos, e pela confirmação de que a vítima não teve capacidade de se defender. Segundo o parecer produzido no “Sumário de culpa” elaborado pelo Juiz Dr. Gabriel José Cavalcante23, a justificativa dada para a ocorrência de violência era diferente das definições propostas no Art. 269, em que se definia o que era considerado atos de violência para os crimes carnais. Dizia:

O sr. 1º Promotor de Justiça dennunciou Leoncio Pereira Lima como incurso na penalidade do art. 268, combinado com o art. 272 do Código Penal, por ter em dias de julho do anno p. passado, á rua S. Bernardo nº 197, nesta cidade, estuprando a menor Astrogilda Burritte Pessôa, de 15 annos incompletos.

Iniciando o summario de culpa, posterior depoimento sete testemunhas, a revelia do réo, que foi citado por edital visto achar-se ausente. O representante do ministerio publico opina pela pronuncia do réo, em face da prova (recebida). O que todo examinado: Considerando que estupro é

23 Este Juiz aparece também em outros processos durante o período aqui

estudado. Segundo o historiador Geraldo Nobre, Gabriel José Cavalcante era filho do reconhecido capitalista cearense, José Cândido Cavalcante, um dos presidentes da Junta Comercial do Ceará entre o fim do século XIX e inícios do Século XX. Formou-se na Faculdade de Direito de Recife no ano de 1906. Ocupou os cargos de Juiz de Direito substituto em 1907, e depois de 1930 foi nomeado para o Superior Tribunal de Justiça. (NOBRE, 1975, p. 247-248)

o acto pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não, conforme definiu a nossa lei penal. Assim são elementos constitutivos do delicto:

1º a copula carnal; 2º a violência.

Considerando que no caso em apreço ficou demonstrado que houve a copula carnal (fls.6- 7); Considerando que o segundo elemento se acha provado, pois consta nos autos que a offendida, ao ser desvirginada, tinha menos de 16 annos de edade. (fls.10, certidão do registro civil, e fls.22-35, justificação de edade), e, segundo preceitua o nosso Codigo Penal, art. 272, é previsível a violência toda vez que a offendida seja menor de 16 annos; Considerando que, além disso, as testemunhas dizem que a offendida vivia recatadamente em companhia de sua mãe, tendo apenas a frequentar- lhe a casa o réo, que era tido como seu noivo; assim, considerando que o réo empregou seducção para obter o consentimento da ofendida, elemento esse, aliás, desnecessário para a constituição do crime, pois, sendo a mesma offendida menor de 16 annos era manifesta a sua condição de incapacidade. Considerando o mais que consta dos autos: Julgo procedente a denuncia da fls. 2 para pronunciar como (ilegível) réo Leoncio Pereira Lima incurso na sanção do art. 268, combinado com o art. 272 do Código Penal, sujeitando-o a prisão e livramento. O escrivão lançou-lhe o nome no rol dos culpados e expeça nesta promotoria a justiça de Cascavel, onde consta achar-se residindo o réo, afim de ser effectivada a sua prisão.(...)” (grifos meus).24

24

Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série: Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1924/01, Parecer do Juiz. p 58.

Segundo a conclusão do Juiz, a denúncia procede pelo fato de os elementos correspondentes ao crime de Estupro estarem comprovados. No trecho que expõe a definição contida no Art. 268, o juiz afirma que os elementos que foram considerados para a confirmação da denúncia foram “1º copula carnal; 2º a violência”. Apesar de não estar disponível o Auto de corpo de delito procedido na moça, já que o processo se encontra com partes incompletas, foi possível perceber a partir da declaração do juiz, que os médicos que realizaram o exame na vítima declararam a existência de consumação da cópula carnal. O segundo elemento que comprovaria a realização do Estupro era o uso da violência, que segundo o Juiz “se acha provado, pois consta nos autos que a offendida, ao ser desvirginada, tinha menos de 16 annos de edade (...) e, segundo preceitua o nosso Codigo Penal, art. 272, é previsível a violência toda vez que a offendida seja menor de 16 annos”.

Nesse sentido, agregava-se além da materialidade da cópula carnal, outro elemento para comprovação de violência: a menoridade da vítima como prova da violência. Segundo o Art. 272: “Presume-se commettido com violencia qualquer dos crimes especificados neste e no capitulo precedente, sempre que a pessoa offendida for menor de 16 annos.” 25

Assim, a partir da declaração do juiz pode-se perceber que o fator utilizado para comprovar a violência do caso foi a soma da menoridade da ofendida com a cópula carnal. E continua: “que o réo empregou seducção para obter o consentimento da ofendida, elemento esse, aliás, desnecessário para a constituição do crime, pois, sendo a mesma offendida menor de 16 annos era manifesta a sua condição de incapacidade”.

Nesse trecho, fundamentado no Artigo acima descrito, verifica-se que a menoridade não só foi usada como presunção da violência, como foi o único elemento a comprová-la. Neste processo, a ideia de violência predominante à interpretação do Juiz, mais se referiu à questão legal e moral de ofender uma menor de idade – sedução, engano, falsa promessa de casamento – do que a um possível agressão, ou dano físico (além da cópula carnal) de agredir uma menor de idade pelo emprego de força. Desse modo, a classificação desse Estupro se materializou pela cópula carnal realizada em menor de idade.

Mesmo que para o crime de Defloramento também estivesse pressuposta a menoridade como fator de violência, o Juiz optou pela classificação do caso como crime de Estupro. É possível, que o motivo pelo qual o crime tenha sido classificado como tal, tenha relação com o sumiço do acusado durante todo o percurso do processo. Ao classificar o ato de desvirginamento como Estupro, utilizando da menoridade da ofendida como elemento constitutivo de violência, o Juiz optava por qualificar o réu em uma pena maior, fato que não se concluiu, pois este fora servir ao exército e o processo foi arquivado.

Diferentemente de Astrogilda, os casos de Maria da Conceição e Sebastiana Nilce Vieira, 1926 e 1931 respectivamente, apresentaram outros parâmetros. As justificativas utilizadas para fundamentar suas condições de violentadas se afirmaram, principalmente, nos discursos dos representantes da justiça pela menoridade da vítima, mas também, pelos danos físicos “concretos” reiterados por vários dos testemunhos e “evidenciados” pelos pareceres médicos. Nestes casos, a questão da menoridade da vítima foi utilizada como mecanismo de classificação do crime, porém, os danos físicos existentes, acompanhados por um discurso sobre a infância26 a ser protegida, foi fator importante na relação entre os que defendiam e os que acusavam.

Em 1926, Maria da Conceição, menor de 11 anos, parda, sem saber ler nem escrever, foi considerada vítima de Estupro realizado por Manoel Norberto Maximiano, 20 anos, casado, agricultor, sabendo ler e escrever. Segundo várias das versões existentes no processo, a menor fora vítima de estupro na sua própria casa, onde estava sozinha, enquanto a mãe encontrava-se lavando roupa na hora do crime. O acusado teria se dirigido à porta da vítima e pedido um copo de água, e mediante a entrega deste teria levado a jovem ao quintal de sua casa, e ali a teria estuprado.

Considerando os vários relatos realizados pelas testemunhas chamadas a depor no caso, o estado de saúde da ofendida foi um dos

26 A infância era alvo de preocupação social em todo Brasil, inclusive na cidade

de Fortaleza, desde a virada do século XIX. No entanto, a infância passava a ser alvo de preocupação nesta cidade, principalmente, a partir das primeiras décadas do século XX com o aumento populacional. Segundo Fonteles Neto havia nessas primeiras décadas uma preocupação com a “infância abandonada”, pois estas crianças viriam a ser os futuros “delinquentes” da cidade. (FONTELES NETO, 2005. p. 32) Retornarei ao tema da infância no capítulo 3.

fatores mais utilizados para demonstrar o ato de violência realizado pelo acusado. Embora a descrição do estado físico em que esta se encontrava depois do crime também se relacionasse com a sua própria condição física de criança, a questão das marcas corpóreas e da aproximação com as ideias de “crime de sangue” foram relações fundamentais para a composição dos relatos das testemunhas, e também, de alguns representantes da justiça, como forma de fundamentar a violência e a brutalidade do crime, o que possibilitou a condenação do réu.

Das quatro testemunhas que depuseram inicialmente no inquérito policial, três delas, as que tiveram contato direto com a vítima logo após o ato, demonstraram em suas narrativas, questões que serviriam para atestar o dano físico e a violência vividos por Maria da Conceição: a cópula, a incapacidade de defesa e o uso de força física por parte do acusado. Esses relatos foram largamente utilizados pela promotoria como forma de demonstrar o quão brutal foi esse crime.

Antonio Ferreira da Silva – 28 anos, cearense, viúvo, trabalhador, residente no Alagadiço em Fortaleza, não sabendo ler nem escrever – disse no inquérito policial que: “(...) ali chegando indagou o que se passava; vendo então a menor offendida ensanguentada; Que soube, nesse momento, ter sido a mesma estuprada por um negro; Que (...) munindo-se de um pau sahiu em procura do acusado, (...)”.27 Em seguida, Alvina Ferreira da Silva – 16 anos, solteira, lavadeira, residente no Alagadiço em Fortaleza, não sabendo ler nem escrever – declarou: “Que no dia dezoito, mais ou menos a uma hora da tarde, vindo de sua residencia, encontrou em caminho, a menor Maria que chorando e ensanguentada, ia em procura de sua mãe, que se encontrava na cacimba lavando roupa,(...)”28. Em continuação, Joanna Ferreira da Silva – cearense, viúva, lavadeira, 40 anos, também residente no Alagadiço em Fortaleza, sem saber ler nem escrever – afirmou que:

(...) em caminho encontrara a menor offendida, a qual ensanguentada e chorando, ia em procura de sua mãe; Que a menor contara então, que um negro havia chegado em casa, pedido agua, e em

27 Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC); Tribunal de Justiça; Série:

Ações Criminais; Sub-série: Crimes Sexuais; Caixa 01; Processo Nº 1924/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 13.

seguida agarrado-a, deitando-a no chão e apertando nas guellas feito aquillo com ella (...) Que a menor offendida tem uns onze annos; Que devido o estado da offendida foi recolhida a “Santa Casa”. (grifos meus).29

Nos relatos acima citados, é possível perceber como o fato de encontrar-se “ensanguentada” foi bastante pertinente como forma de demonstração da violência vivida pela ofendida. O sangue, reafirmado pelas testemunhas e chancelados pelo parecer do médico legista, aparecia não apenas como uma consequência da violência física, mas como símbolo e comprovação de sua “pureza”, ou seja, de sua virgindade. Nos relatos das testemunhas sobre o caso de Maria da Conceição, pouco foi o uso das referências que buscavam demarcar a sua prévia honestidade como mocinha de família, tais como se vivia recatadamente ou se tinha bom comportamento. Apesar de encontrar-se sozinha, de não ter negado o pedido de água do homem à sua porta – fatores que talvez fossem indagados a uma mulher adulta e/ou que não apresentassem “marcas visíveis” de violência – a inocência que se colocava implícita à sua pouca idade fora suficiente para demonstrar a sua honra, ou como afirmado pelo Juiz do caso de Astrogilda, a sua “incapacidade de defender-se”. Como afirma Tatiana Landini – em estudo comparativo dos discursos produzidos e noticiados na imprensa no início e no fim do século XX – sobre a violência sexual contra crianças: “O estupro de menores era noticiado como um crime revoltante. As crianças eram retratadas estritamente como vítimas, não há qualquer menção à criança ter “provocado” ou “consentido”. (LANDINI, 2006, p. 229-230)

Embora esse estudo se refira à cidade de São Paulo, a relação entre infância e incapacidade de defesa física e mental, também foram associações bastante recorrentes nos crimes de Estupro na cidade de Fortaleza nesse período, e se coadunava com as diversas campanhas que buscavam não apenas instituir mecanismos de proteção e disciplinarização dos menores, mas também, tentavam ressaltar as impossibilidades sexuais concernentes a esse período da vida.30 Para

29

(APEC); Processo Nº 1924/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 16-17.

30 O trabalho da historiadora Sílvia Arend, em Santa Catarina, discute de que

além da letra da lei, essa questão apareceu fortemente nas disputas narrativas de diversos envolvidos, em vários dos casos de crimes sexuais. Além disso, foi bastante comum o uso de associações entre menoridade legal, incapacidade física e incapacidade sexual, em que a menoridade legal se alinhava às ideias de inocência e ausência de vontade sexual que se construía para os infantes. Preservar a saúde física, mas também o pudor psicológico eram elementos fundamentais nas construções discursivas sobre essas violências.

Em início de março de 1931, a senhora Maria Vieira – conhecida como “Conceição”, 20 anos de idade, trabalhando em serviços domésticos, sabendo ler e escrever – dava entrada na Inspectoria Marítima da cidade de Fortaleza a uma queixa de ofensa a sua irmã menor Sebastiana Nilce Vieira. Segundo essa, a menor de oito anos teria sido ofendida no espaço de sua casa pelo seu cunhado Francisco Fructuoso da Silva, irmão de seu “amasio” Antonio Fructuoso da Silva. A queixante informou ao inspector que morava com a mãe, a irmã menor, o companheiro e o irmão deste, em uma casa no bairro Arraial Moura Brazil.

A partir de vários relatos dos familiares de Sebastiana, esta tinha o hábito de ir durante a noite ao quintal de casa para “ourinar”. Para isto, a menina saía de sua rede, situada no corredor da casa, e passava sob a rede do acusado que se encontrava rente à porta da cozinha e que dava acesso ao quintal. Segundo o relato da denunciante, foi durante uma dessas passagens que o acusado teria pegado à força a menor, e a teria estuprado.

Nos depoimentos que seguem no decurso deste processo, a impossibilidade de gritar, a demonstração da superioridade física e o estado físico da ofendida foram questões centrais utilizadas pelas testemunhas ouvidas, e também pelos representantes da justiça como forma de qualificar a gravidade do ato em juízo. A ofendida, assim como sua irmã, sua mãe, e quatro das cinco testemunhas chamadas para depor, registraram em seus depoimentos os aspectos físicos que

século XX, especialmente na década de 1930, tendo como marco as políticas

voltadas para os menores nesse período e a criação do Estatuto de Proteção à Infância em 1927. Esse trabalho é de grande importância para se pensar não apenas as especificidades desse estado, mas também, alguns pilares das políticas federais de gestão da infância e da adolescência no Brasil na primeira metade do século XX.

demostrariam a violência usada pelo acusado, e em consequência, o estado de saúde debilitado da menina. O depoimento da vítima é permeado por essas questões. Declarou que:

(...) há mais ou menos quatro ou cinco dias numa certa noite de que não recorda, depois que todos de caza estavam deitados para dormir, a declarante, levantou-se e foi ao quintal ourinar (sic), e quando voltou, na occasião que ia passando por baixo da rêde do “Chico” foi pegada pelo mesmo, a qual, deitou-lhe na sua rede, em seguida, deitando-se por cima e procurou abrir- lhe as pernas; que depois de conseguir abrir-lhe