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2.1 Gramáticas do Português

2.1.2 Mateus et al (1989, 2003)

Brito, em Mateus et al (1989) e em Mateus et al (2003), considera que o Gerúndio, como o Infinitivo e o Particípio Passado, é uma “forma morfologicamente ligada ao verbo mas com funções nominais, adjectivais ou adverbiais que, sintacticamente, ocorre em regra em orações dependentes de uma oração finita” (Mateus 1989: 84). A sua função é a de fornecer uma localização temporal subsidiária da oração finita de que dependem, mas não exprime, por si só, um tempo natural.

Corroborando estas ideias, em Mateus et al. (2003:725), Brito afirma, acerca das orações temporais reduzidas, que:

Estas orações têm função temporal subsidiária da localização temporal da oração de que dependem; por outras palavras, as orações infinitivas, gerundivas e participiais, ordenam temporalmente um determinado estado de coisas por referência ao intervalo do estado de coisas descrito pela oração subordinante.

O Gerúndio pode apresentar uma forma simples ou composta e exprimir anterioridade, simultaneidade ou mesmo posterioridade em relação à oração finita. Os seguintes exemplos são avançados para ilustrar esta afirmação (Mateus et al. 1989:85): a gerundiva em (41) exprime anterioridade, em (42) exprime simultaneidade e em (43), posterioridade:

(41) Tendo acabado o filme, os espectadores saíram. (42) Todos se mascararam, rindo muito.

(43) Eles foram ao teatro, tendo encontrado lá o João.

Em Mateus et al (1989) faz-se notar que, em certos casos, a ordenação temporal entre a gerundiva e a oração finita parece depender da sua posição no discurso. Apresentam os seguintes exemplos: a gerundiva em (44) exprime posterioridade e em (45) exprime anterioridade em relação à oração finita.

(44) A sessão foi encerrada, tendo os participantes abandonado a sala. (45) Tendo os participantes abandonado a sala, a sessão foi encerrada.

Segundo Brito (2003), as orações gerundivas com o gerúndio simples podem exprimir a simultaneidade do estado de coisas nela descrito relativamente ao intervalo de tempo em que se situa o estado de coisas da outra oração (Mateus et al. 2003:726), como no exemplo abaixo:

(46) Olhando pela janela, vi o Luís.

Já o gerúndio composto exprime anterioridade:

(47) Tendo olhado pela janela, vi o Luís.

A autora também afirma que as orações gerundivas adverbiais podem ocorrer pospostas, embora o resultado seja menos natural do que nos casos em que a oração gerundiva ocorre em posição anterior à oração matriz (Mateus et al. 2003:726):

(48) Vi o Luís, olhando pela janela. (49) Vi o Luís, tendo olhado pela janela.

Também na referida Gramática se faz alusão à natureza e posição dos sujeitos nas orações gerundivas adverbiais. Assim, a oração gerundiva pode ter sujeito nulo, como nos exemplos acima apresentados, sendo esse sujeito interpretado como co-referente do sujeito da outra oração. Pode também ter sujeito realizado disjunto, ocorrendo nestes casos usualmente depois do verbo auxiliar ou do principal, como em:

(50) Tendo a Maria acabado o trabalho, o amigo telefonou. (51) Acabando a Maria o trabalho, vamos sair.

Brito ( 2003: 726-727) refere ainda que o sujeito pode ocorrer em posição pré-verbal se “a gerundiva comportar a preposição em”. Nestes casos a posição pós-verbal está

preferencialmente associada a foco contrastivo:

(52) a. Em a Maria acabando o trabalho, vamos sair. b. ?Em acabando a Maria o trabalho, vamos sair. c. Em acabando a MARIA o trabalho, vamos sair.

Outro aspecto do gerúndio mencionado nesta gramática é o seu uso na construção progressiva. Oliveira (2003), em Mateus et al. (2003) refere apenas construções progressivas com a+infinitivo, mas afirma que estas construções ocorrem no português brasileiro e no Alentejo com o gerúndio. Veja-se os exemplos com o gerúndio em (b), a par dos apresentados pela autora com a+infinito, em (a):

(53) a. A Maria está a ler o jornal. b. A Maria está lendo o jornal.

(54) a. O Rui está a correr. b. O Rui está correndo.

(55) a. A Carla está a ganhar a corrida. b. A Carla está ganhando a corrida.

(56) a. A Ana está a espirrar. b. A Ana está espirrando.

(57) a. O Pedro está a viver em Paris. b. O Pedro está vivendo em Paris.

(58) a. * O Pedro está a ser alto. b. * O Pedro está sendo alto.

A autora atribui a agramaticalidade de (58) às propriedades aspectuais do predicado da oração. A construção progressiva não é compatível com um estado não faseável. Assim, “ser alto” é um estado não faseável, enquanto “viver em Paris” é um estado faseável e por isso pode ocorrer nesta construção.

Oliveira (2003) menciona construções progressivas com verbos aspectuais do tipo

andar+infinito, acabar +infinitivo, continuar+infinitivo. Estes verbos também ocorrem com o

gerúndio no português brasileiro (PB) e no Alentejo. 1

(59) a. O João anda a viajar. b. O João anda viajando.2

(60) a. A Maria começou a ler o jornal. b. A Maria começou lendo o jornal.

(61) a. O Pedro continua a trabalhar. b. O Pedro continua trabalhando.

1

Há algumas restrições quanto ao uso do gerúndio: O João anda a ser simpático. *O João anda sendo

simpático. No português brasileiro é aceitável “o João anda sendo simpático”. 2

Há algumas nuances de sentido nas duas sentenças: em andar a viajar compara-se a ele está a viajar, mas

Com relação aos pronomes clíticos, Duarte (2003), em Mateus at al. (2003), refere-se ao gerúndio como uma forma verbal que se qualifica como hospedeiro verbal para os pronomes clíticos:

(62) Comportando-se deste modo, ela não consegue ter amigos.

Refere ainda que a ênclise é o padrão que se obtém em muitas frases não finitas, como a de gerúndio:

(63) [Emprestando-lhe o carro], ele chega a horas no exame.

Em suma: Nesta obra observa-se uma incidência sobre os aspectos relacionados com o valor temporal das orações gerundivas e com as propriedades aspectuais das construções progressivas que podem comutar com o gerúndio.

No que diz respeito ao valor temporal destaca-se que: (i) as construções gerundivas adverbiais apresentam valor temporal anterior, posterior e simultâneo; (ii) as gerundivas adverbiais têm como referência o tempo da oração de que dependem; (iii) o tempo composto nas gerundivas adverbiais indica anterioridade.

Vários dos aspectos mencionados acima, de uma certa forma, também foram tratados em Cunha e Cintra (1984). Há, no entanto, de se observar que em Mateus et al. (1989, 2003) não são referidos outros valores para as orações gerundivas senão os adverbiais, e dentro destes, apenas são mencionados os valores temporais.

Não obstante, há outros aspectos das gerundivas em português que pela primeira vez são destacados nesta gramática. Assim, em Mateus at al. (1989, 2003) faz-se referência aos sujeitos (nulos e realizados) nas orações adverbiais gerundivas e à sua posição. A questão dos sujeitos nas gerundivas e a sua posição são tópicos a abordar no presente trabalho (cf.

capítulos 3 e 4). Há diferenças entre o português brasileiro (PB) e no português europeu (PE), no que respeita à colocação dos sujeitos realizados. No português europeu só as gerundivas introduzidas por em apresentam sujeitos preverbais; nos restantes casos o sujeito ocorre depois do verbo. Com efeito, se tomarmos a frase em (64) em português europeu (PE):

(64) Acabando a Maria o trabalho, vamos sair.

veremos que no português brasileiro (PB), teríamos3:

(65) A Maria acabando o trabalho, vamos sair.

Quanto às construções progressivas, há de se fazer notar que o objectivo da Gramática Descritiva de Mateus at al (2003) é estudar os dados do português europeu (PE) padrão. Por isso, há apenas uma referência à comutação do a+infinitivo com o gerúndio, pois só em algumas regiões de Portugal (Alentejo e parte do Algarve) se usa o gerúndio nestas construções.

A possibilidade de ocorrência de pronomes clíticos com as formas verbais gerundivas mas não com as participiais, propriedade mencionada em Duarte (2003), sugere que o gerúndio nestas construções tem um domínio funcional temporal4, diferentemente das orações participiais.

O estudo da estrutura interna das orações gerundivas adverbiais e predicativas será abordado nesta tese nos capítulos 3 e 4.

3

Esta propriedade tem sido atribuída à diferente posição de V em português europeu e em português brasileiro (cf. entre outros, Mioto 2004 e Mioto e Kato 2006)

4

Note-se que Matos (1992) mostra que o gerúndio das orações adverbiais pode ser hospedeiro de pronomes clíticos em PE, mas que o mesmo não acontece nas perífrases verbais gerundivas do progressivo:

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