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2.2 As construções de gerúndio nas gramáticas descritivas do italiano

2.2.3 Os gerúndios predicativos

Fernandez Lagunilla considera que os gerúndios predicativos se subdividem em duas classes principais:

(a) Gerúndios predicativos de sujeito (b) Gerúndios predicativos do objecto

Além destes, caracteriza ainda como gerúndios predicativos os que ocorrem em exemplos como os seguintes, pois partilham com os anteriores a propriedade de ocorrerem com verbos que admitem a perífrase estar + gerúndio em espanhol:

(147) a. […] no era yo mismo descubriendo lo que habían de mí durante un solo día en el ejército, era otro mirándome, era um recluta rapado y asustado mirando com extraneza. [...]. A. Munoz Molina, Ardor guerrero, 78] b. Se piensa en Hamlet increpando a Ofelia. [El País, Babelia, 17-II-1996,

12]

c. Luis llegó con la cara sagrando

d. La llamada de María pidiendo dinero nos sorprendió. e. El rey saludando a los embajadores.

Em (147 a) o SN associado ao gerúndio desempenha a função de nome predicativo de uma oração copulativa e em (147b) de um complemento preposicional. Em (147c) o gerúndio está numa construção encabeçada com a preposição “com”. Quanto a (147d) o gerúndio predica acerca de um complemento do nome e não do verbo, como nos predicativos

prototípicos. Por último (147e), distingue-se dos demais porque o gerúndio aparece ligado directamente ao SN sem apoio de um predicado verbal ou nominal. A autora diz que inclui este último tipo de gerundiva nas de predicado por ter as mesmas restrições semântico- aspectuais que as Gerúndivas Predicativas de Sujeito e as Gerúndivas Predicativas de Objecto e por não poder ocupar a posição de sujeito nas construções copulativas.

(148) a. Los ninos durmiendo son mis hijos. (cf. Los ninos durmiendo son adorables)

b. Los ninos {dormidos/que están dormiendo} son mis hijos.

A autora ainda acrescenta que o gerúndio pode alternar com as construções de particípio e com as orações relativas em grande parte nos contextos predicativos.

(1) Gerúndio predicativo do sujeito

Fernandez Lagunilla (1999) afirma que os Gerúndios Predicativos do Sujeito se confundem muitas vezes com os adjuntos de modo. A diferença básica entre eles consiste no valor aspectual do Gerúndios Predicativos do Sujeito, pois a construção predicativa exige que o gerúndio e o predicado primário ou verbo principal que complementa sejam verbos de uma classe aspectual que admita a perífrase estar+gerúndio:

(149) a. María recitó el poema {temblando/*tiendo frio} b. Maria estuda/*sabe francés recitando a Mallarmé.

Quando esta restrição aspectual não se verifica é porque não se trata de um predicativo do sujeito mas de um adjunto adverbial:

(150) a. María recito el poema aun teniendo frío. b. Se sabe francés recitando a Mallarmé

c. Los masoquistas son felices siendo azotados.

Para além deste, há, segundo Fernandez Lagunilla, outros critérios que permitem distinguir os dois tipos de gerúndio.

(i) Mobilidade

Há ambiguidade entre Gerundios Predicativos de Sujeito e gerúndios adjuntos adverbiais quando os verbos envolvidos são de acção.

(151) Maria no lee escuchando música

Int.1 María no lee subrayando (predicativo)

Int. 2 Maria no estudia si escucha música) (adjunto) oração condicional

Porém, no primeiro caso, não pode o gerúndio antepor-se à oração principal:

(152a) *Subrayando, María no lee.

Já no segundo é possível:

(152 b) Si escucha música, Maria no estudia.

(ii) Tipo de modificação

O Gerúndio Predicativo do Sujeito distingue-se do Gerúndio Predicativo do Objecto pelo tipo de modificação sobre o verbo, pois somente os Gerúndios Predicativos do Sujeito se relacionam com o verbo denotando a maneira de realizar-se a acção verbal:

(153) a. Luís caminha de puntilhas y dando pasos cortos. b. Imaginaba a Luís de puntilhas y dando pasos cortos.

No primeiro caso, coordena-se elementos predicativos (sintagma preposicional e gerúndio); já nos segundos orações coordenadas (Imaginaba a Luís de puntilhas e imaginaba

a Luís dando pasos cortos).

(2) Gerúndio predicativo do Objecto

Nem todos os verbos admitem um gerúndio referindo-se ao seu objecto directo, como pode deduzir-se dos comportamentos diferentes de verbos semanticamente relacionados como ver e mirar; encontrar e buscar; tener e poseer; haber e existir.

(154) a. Vimos/*Miramos a María cogiendo flores. b.Encontraron/*Buscaron al ladrón viendo la tele. c. Tengo/*Poseo um amigo estudando em Paris. d. Hay/*Existe una mujer bailando.

Algumas Gerúndivas Predicativas de Objecto podem alternar com orações relativas em espanhol:

(155) a. La vieron {llorando, que lloraba}

b. Tengo las manos {ardiendo/que me arden} c. Hay un nino {gritando/que grita}.

No entanto, de acordo com Fernandez Lagunilla, nem todas as Gerúndio Predicativo do Objecto podem ser comutadas por uma relativa:

(156) a. Recuerdan a su abuelo {fumando/*que fumava} en pipa. b. Tiene um hijo {que pesa/*pesando} 100kg.

A autora traça algumas diferenças entre o gerúndio e as orações de relativo no que diz respeito ao valor aspectual dos verbos, pois há mais restrições nas gerundivas do que nas construções de relativo, já que estas se aproximam mais das perífrases estar+gerúndio. Como estas diferenças não serão desenvolvidas na presente tese, não detalho mais a posição de Fernandez Lagunilla sobre esta questão.

Em suma: como se pode notar, de todos os trabalhos apresentados, o do espanhol é o mais detalhado, por:

(i) destacar gerundivas adjuntas de gerundivas predicativas;

(ii) subdividir as gerundivas (adverbiais) adjuntas em externas e internas;

(iii) distinguir, dentro das predicativas, as predicativas do sujeito e as predicativas do objecto.

A autora fez notar que não é fácil separar as gerundivas adjuntas internas das predicativas. Trabalharei esse aspecto no capítulo 4 deste trabalho. Nesse capítulo, assumo que há uma certa dificuldade em distinguir gerundivas adverbiais de predicado das de gerundivas predicativas, embora demonstre mais claramente a diferença sintáctica, e também semântica, entre adverbiais de predicado e predicativas.

2.3 Observações finais

Em Cunha (1972) e Cunha e Cintra (1984, 1991) há uma relação da maioria dos contextos em que o gerúndio aparece. Não há, na verdade, como já afirmei em Magalhães (2001), uma paráfrase perfeita entre reduzida e desenvolvida, pois as construções não-finitas

(particípio e gerúndio) dependem de elementos da frase, e também de relações discursivas, para que possam assumir um sentido e não outro. Já as desenvolvidas, por terem o conector explícito (porque, depois de, ainda que, etc) apresentam à partida um valor preciso.

Há de se notar que os autores já apontam um valor temporal diferenciado para o gerúndio simples, de acordo com a escolhas do verbo e da posição da gerundiva na oração subordinante, tendo em vista os valores de anterioridade, posterioridade e simultaneidade. Segundo os autores, o valor de simultaneidade ocorreria quando a gerundiva é colocada depois da oração principal (Cunha e Cintra 1984, p.22, nesta tese). Note-se, no entanto, que isso não é totalmente verdade, pois há possibilidade de o gerúndio simples com valor de simultaneidade aparecer em posição inicial. O valor posterior ocorre sempre em posição final:

(157) a. Os convidados saíram, acabando o discurso. (valor de anterioridade) Acabando o discurso, os convidados saíram.

b. Atravessando a rua, eu fui atropelada. (valor de simultaneidade) Eu fui atropelada atravessando a rua.

c. O Manuel foi à praia, comendo lá uns camarões. (valor de posterioridade)

?? Comendo lá uns camarões, o Manuel foi à praia.

É ainda de destacar o facto de que nas Gramáticas da tradição, o valor de modo está relacionado a um constituinte adjunto e não a uma oração. Ora, se os gramáticos já pensavam assim é porque o estatuto sintáctico das construções da margem direita são no mínimo mais deficitárias do que as construções que ocupam tipicamente posição anterior à matriz. Como vimos na gramática do italiano, é relevante distinguir entre construções de gerúndio de frase e de predicado em termos das propriedades que exibem. Parece que as nomenclaturas se alteram, mas a diferença já foi observada há mais tempo.

Na gramática de Mateus at al (1989, 2003), as construções gerundivas foram pouco exploradas. No tocante às gerundivas adverbiais, apenas as de carácter temporal foram abordadas, não sendo mencionadas as gerundivas com valores de causa, concessão,

condição, modo, instrumento, etc.,

Quanto ao valor aspectual das gerundivas, Lonzi (1991) demonstra, para o italiano, que o gerúndio de predicado pode ser durativo ou pontual.

Do mesmo modo, existem construções gerundivas no português, como as de resultado, que apontam igualmente para um valor de processo culminado ([+pontual]) do predicado no gerúndio, como irei demonstrar no capítulo 4. Assim, concordo com Lonzi (1991) de que o gerúndio nem sempre é durativo, podendo ser também pontual.

Lobo (2002, 2003), seguindo as propostas de Lonzi (1991), demonstra que no português europeu há muitos aspectos sintáctico-semânticos que se comportam de forma idêntica ao italiano, como será observado no capítulo 3 desta tese.

Partindo para a Gramática do Espanhol, o que se pode afirmar é que, de entre as gramáticas analisadas, o estudo mais completo das construções gerundivas é o de é Fernandez Lagunilla (1999). Não obstante, as classificações propostas nem sempre são claras. A divisão dos adjuntos internos em adjuntos e predicativos é pouco evidente. Reconhecendo que não é fácil separá-los, apresento uma proposta no capítulo 4 que procura discerni-los de forma mais precisa.

Com relação à divisão feita para os adjuntos internos, Fernandez Lagunilla (1999) assume que as modais são mais comuns, embora cite outras como (ii) as ilocutórias; (iii) as locativas; (iv) e outros gerúndios lexicalizados. Na verdade, as justificativas para que haja estas subdivisões são, por vezes, pouco claras. Por exemplo, para as modais a autora usa como critério distintivo uma característica que se encaixa igualmente nas predicativas, que é a possibilidade de se referirem ao sujeito ou ao objecto da frase activa, a única diferença

marcante que não foi analisada no português, é o facto de as modais em espanhol poderem se referir ao complemento agente da passiva.

Quanto aos gerúndios predicativos, são colocadas na mesma classe construções de naturezas sintácticas distintas. Algumas fazem parte do DP, outras de PPs, outras ainda podem ser orações adjectivas reduzidas. Penso que cada uma delas merece um estudo a parte, pois a estrutura sintáctica é diferente. No presente trabalho, considerarei apenas as construções gerundivas no domínio frásico, que correspondem à definição clássica de construções predicativas de sujeito e de objecto (cf. capítulo 4).

Ao longo do capítulo fui destacando aspectos relevantes nos estudos dos gramáticos portugueses e brasileiros (Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984), Bechara (1999) e Mateus at al. (1989,2003)), assim como nos do italiano (Lonzi(1991)) e do espanhol (Fernandez Lagunilla (1999)). Fiz uma comparação destes estudos e comprovei frequentemente que um complementa o outro, ou simplesmente aborda questões muito próximas. Verifiquei que Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984) apresentaram uma proposta de classificação das gerundivas adverbiais, em termos dos seus valores semânticos, que se mantém até os dias actuais. As gerundivas absolutas têm valores como tempo, causa, concessão e condição, ao passo que as gerundivas denominadas por eles de adjuntos adverbiais têm valor de modo.

Na Gramática do Italiano, Lonzi (1991) faz uma divisão bastante inovadora entre as gerundivas adverbiais de frase e de predicado. Lobo (2003) irá retomá-la e desenvolvê-la para o português europeu. Lonzi (1991) relaciona posição das gerundivas (periféricas e não periféricas) aos valores semânticos. Também a autora faz alusão à estrutura interna das gerundivas.

Fernandez Lagunilla (1999) no espanhol fornece-nos muitos dados novos, a partir dos quais me foi possível analisar melhor as construções predicativas. Embora haja uma subdivisão exaustiva do gerúndio, é importante observar que as estruturas sintácticas são

diferentes, por isso devem ser analisadas uma a uma. A autora deixa claro que os adjuntos internos se confundem, principalmente os que têm valor de modo com os predicativos. Em uma visão aspectual, Fernandez Lagunilla comprova que as escolhas lexicais interferem na construção gerundiva, havendo, assim, restrições aspectuais do predicado. O mesmo irá passar-se no português, como foi demonstrado em Lobo (2003) e retomado aqui nos capítulos 3 e 4.

Todas as considerações dos autores estudados neste capítulo foram o alicerce para que pudesse avançar e até mesmo recortar as construções que considerei mais importantes no presente trabalho. Também considero de grande importância a comparação do português com o espanhol e o italiano, por pertencerem a uma mesma família de línguas, as línguas românicas. No próximo capítulo abordarei as gerundivas adverbiais em português. Parto de trabalhos cuja abordagem é semântica, para depois me focar na sintaxe dessas construções.

CAPITULO 3

3.

Orações adverbiais gerundivas em português

Este capítulo centra-se nas orações gerundivas adverbiais em português, tema que tem sido na última década aprofundadamente analisado do ponto de vista sintáctico, semântico e pragmático, no português europeu e brasileiro.

Partindo da revisão bibliográfica dos trabalhos que se debruçaram sobre esse tópico, estabelecerei a minha posição sobre as gerundivas adverbiais, contribuindo, em aspectos específicos, para o afinamento de algumas das propostas apresentadas na literatura.

A caracterização das gerundivas adoptada no presente capítulo servirá de referência ao trabalho a desenvolver no capítulo seguinte sobre as gerundivas predicativas.

3.1. Os valores das gerundivas adverbiais – as abordagens

semântica e pragmática

3.1.1. Os valores das gerundivas em Ferrari (1997, 1999)

Ferrari (1997, 1999) apresenta uma abordagem pragmática para o estudo das gerundivas, na linha da Gramática Cognitivista.

Ferrari (1999) admite que, embora o valor central das orações adverbiais seja o temporal, estas orações podem apresentar outros valores: causal, condicional e concessivo, mas também consecutivo14 e de finalidade.

Os sentidos causal, condicional e concessivo surgem a partir de inferências que se estabelecem pela “pressão” textual. Seguindo a proposta de Traugott e Konig (1991) para a conjunção “while” em inglês, a autora sugere que tais sentidos surgem de implicaturas

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conversacionais que se convencionalizam em função do uso a partir das seguintes fórmulas, em que o Evento 1 é expresso pela Gerundiva e o Evento 2 pela oração subordinante.

(i) Sentido causal

O Evento1 é relevante para o Evento2, sendo que o Evento1 é factual:

(1) Lendo o livro, ela compreendeu a teoria.

(ii) Sentido condicional

O Evento1 é relevante para o Evento2, sendo que o Evento1 é hipotético: (2) Necessitando de ajuda, chame um funcionário.

(iii) Sentido Concessivo

O

Evento1 é incongruente com o Evento2:

(3) Presenciando a briga das crianças, a babá nada fez.

Em análise mais detalhada, Ferrari (1997,1999) assume que, para além dos valores

condicional, causal e concessivo, há outros valores que partem do sentido temporal, estes

valores são o consecutivo (ou resultativo) e o de finalidade. Estes sentidos podem ser expressos pelas seguintes fórmulas:

(iv) Sentido Consecutivo ou Resultativo: O Evento 1 é efeito do Evento 2.

No exemplo abaixo, verifica-se essa possibilidade:

(4) Sem garantia para seus investimentos, os donos de imóveis poderiam fechar suas portas, o que faria o aluguel subir, prejudicando os inquilinos.(Veja 5/7/95)

Em (129), “prejudicar os inquilinos” é o efeito de “o aluguel subir”. Por isso, o sentido consecutivo surge como implicatura decorrente da aplicação da fórmula (iv).

(v) Sentido de Finalidade:

O Evento 1 é o objetivo do Evento 2

Nos exemplos a seguir, a implicatura de finalidade resulta da aplicação da fórmula acima a dois eventos concomitantes:

(5) “Para ter uma casa com boa estrutura, é necessário pagar por isso.”

diz a diretora artística Marcia Alvarez, tentando justificar os altos preços das comidas e bebidas.(JB, 13/04/96)

Ferrari (1997,1999) também acrescenta que ao valor causal está associado um tempo [+passado] ao passo que ao valor condicional um tempo [-passado] na oração subordinante. Os exemplos a seguir foram elaborados com o propósito de ressaltar esta distinção temporal:

(6) Estudando, ele passou no Vestibular. (causal) (7) Estudando, ele passará no Vestibular. (condicional)

No exemplo a seguir, retirado do Corpus Escrito, disponível em Ferrai (1997,1999), a noção de causalidade advém da aplicação da fórmula (i):

(8) Longe dos olhos, perto do coração. A máxima caracteriza bem a recente decisão de Priscila. Não podendo acompanhar a natureza boêmia do

namorado, ela voltou a morar sozinha. (JB, 13/04/96)

Em (8), o Evento 1 (“não poder acompanhar a natureza boêmia do namorado”) pode ser interpretado como relevante para o Evento 2 [+Passado] (“voltar a morar sozinha”). Tem-se, portanto, o sentido Causal.

Utilizando-se o mesmo exemplo, poder-se-ia ter sentido condicional se o Evento 2 fosse [-Passado]:

(9) Não podendo acompanhar a natureza boêmia do namorado, ela voltará a morar sozinha.

(10) Não podendo acompanhar a natureza boêmia do namorado, ela volta a morar sozinha.

Ferrari assume a ideia de que:

“/o caso do gerúndio, é possível sugerir que os sentidos de causa, concessão,

condição, etc. tenham se desenvolvido a partir do reforço da informatividade em

função da convencionalização de implicaturas conversacionais. A ocorrência do gerúndio com sentido de concomitância temporal em contextos que não bloqueavam uma interpretação causal, concessiva ou condicional, por exemplo, pode ter se tornado convencional pelo uso freqüente.” (Ferrari 1997, p. 19)

Ferrari discute o processo de gramaticalização por que passou a forma do gerúndio ablativo, advinda do latim, dentro do quadro teórico da Gramática Cognitiva. Como se pode notar, todos os valores que Ferrari (1997,1999) menciona acima advém do valor prototípico

temporal, que radia outros valores como o causal, o condicional, o concessivo, o consecutivo e o final.

A Linguística Cognitiva defende que estas construções são polissémicas, dado que polissemia “é um fenómeno de categorização prototípica, o que quer dizer que os vários usos

de um item estão organizados à volta de um centro prototípico e por parecenças de família com esse centro em si. A concepção cognitiva mais frequente desta estrutura, expressa sobretudo o modelo radial de Lakoff (1987) mas também no modelo da rede de Langacker (1987), é bidimensional: a estrutura assenta num centro prototípico (ou mais do que um) e em usos mais ou menos próximos desse(s) centro(s) directa ou indirectamente derivados.”

(Silva, A.S (2001) p. 153-154)

O termo polissemia surgiu na Linguística Cognitiva, o que para Silva, A.S (2001) terá sido o sucesso desta linha de pesquisa ao reconhecer que há um fenónemo explícito do senso

comum: o significado múltiplo das expressões linguísticas ou polissemia. Para este autor, a caracterização do termo polissemia acima referida surge nos trabalhos pioneiros de Langacker (p. ex. 1978), Brugman (1981), Lakoff (p. ex. 1982) e Talmy (p. ex. 1983).

Como foi dito, as gerundivas são construções polissémicas por partir de um sentido central, que é o de tempo. No entanto, no texto de Ferrari, fica claro que o gerúndio teve sua origem no partícípio presente do latim e que passou inicialmente a indicar instrumento. Alguns gramáticos mencionam até mesmo o valor de modo do gerúndio, em sua passagem para o português. Não obstante, estes valores não são mencionados na análise de Ferrari. Admito que isso se deve ao facto de Ferrari se focalizar nas construções gerundivas enquanto

introdutoras de espaços mentais (ing. “space builders”), nos termos propostos por

Faucconier (1993) e que os valores, instrumental e de modo, não são introdutores de espaços

mentais pela posição que as gerundivas de modo ou instrumento ocupam na sentença e pela

sua integração no predicado da oração matriz (mais adiante esta questão será discutida):

(11) Eu comprei um carro juntando dinheiro. (valor de modo)

(12) O Manuel escreveu a tese utilizando um computador. (valor de instrumento)

O trabalho de Ferrari, ao evidenciar a relevância para o sentido da gerundiva da relação entre os eventos, mostra a necessidade de ter em conta o conteúdo das orações subordinada e principal que expressam esses eventos, e consequentemente, a relevância das escolhas lexicais que estão na base de cada uma dessas orações.

Para além disso, embora Ferrari não o mencione, a posição da oração gerundiva relativamente à matriz é igualmente relevante: se alterássemos a ordem por que os eventos são apresentados poderíamos ter outra estrutura sintáctica, que poderia conferir um outro valor semântico às gerundivas.

(13) Ficando forte, ele foi treinar musculação. (tempo) (14) Ele foi treinar musculação, ficando forte. (consequência)

Na primeira frase, o homem foi treinar musculação depois de ter ficado forte, ao passo que, na segunda, o homem foi treinar musculação e como consequência disso ficou forte.

Porém, Ferrari (1999) analisa as gerundivas sob o prisma da Gramática Cognitiva e há de se convir que a especificidade dos estudos cognitivistas reside na preocupação com significados contextualizados e dinamicamente construídos e na associação do uso da língua a processos sócio-interacionais e cognitivos. Isso significa que tais estudiosos estão focados para além da frase e não se ocupam da distribuição dos elementos numa determinada frase.

O estudo de Ferrari evidencia muitas pistas para se estudar as gerundivas adverbiais, em especial destaca que há um sentido base nestas estruturas, que é o sentido temporal.

3.1.2 Os valores aspectuais das gerundivas temporais em Leal

(2003)

Leal (2003) ao estudar as Gerundivas do português, recorta apenas aquelas que têm valor temporal e são ou orações adverbiais ou predicativo do sujeito. Analisa os subtipos de valores temporais e os valores aspectuais com que estão associadas. Para tal, o autor utiliza as noções aspectuais apontadas inicialmente em Moens (1967). Este autor distingue quatro tipos de situações: estados, processos, processos culminados e culminações.

Estados são situações não dinâmicas, em que nenhuma das entidades envolvidas (A Maria está doente) sofre qualquer alteração ou transição durante o intervalo de tempo em que

pelo que admitem expressões verbais como as iniciadas por durante (Ele correu na pista

durante meia hora). Quanto às situações dinâmicas que têm uma duração razoavelmente

longa, chama-se processos culminados (A Maria escreveu o relatório). Às que são apresentadas como tendo uma duração breve, dá-se o nome de culminações15 (A Maria

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