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Capítulo I: Introdução

4. Biofilmes

4.2 Mecanismos de resistência dos biofilmes aos antifúngicos

4.2.1 Matriz extracelular

A matriz extracelular dos fungos é uma característica exclusiva dos biofilmes, não presente em células plantónicas [187]. As funções desta estrutura ainda não estão totalmente esclarecidas, mas foram já identificados papéis como fornecimento de uma infra-estrutura para a acumulação do biofilme, controlo da desagregação e proteção contra antifúngicos e sistema imunitário do hospedeiro [155,188]. Uma hipótese para a resistência aos antifúngicos é a restrição da penetração dos mesmos na estrutura da matriz, o que por sua vez levará a que apenas as camadas superficiais estejam em

contacto com doses letais [189,190].No entanto, estudos recentes têm sugerido que a

composição química da matriz e a sua regulação têm possivelmente um papel principal na resistência, com maior impacto que a limitação da difusão do antifúngico pela estrutura da matriz [190].

Pouco se sabe sobre a composição da matriz de biofilmes de Candida, principalmente no que diz respeito às espécies de CNA, estando ainda grande parte dos compostos por identificar [150]. Na matriz de C. albicans tem sido identificado além de água, hidratos de carbono, proteínas, fósforo e hexosaminas [187]. Recentemente, o ADN tem sido também descrito como componente da matriz extracelular embora ainda

não se saiba bem qual a sua função e importância [191]. Em relação às espécies de

CNA, um estudo de 2009 com três espécies [150] relatou elevadas quantidades de hidratos de carbono e baixa quantidade de proteínas em C. parapsilosis e baixa quantidade destes dois compostos em C. tropicalis. Relativamente a C. glabrata, este estudo demonstrou que a matriz de biofilmes desta espécie apresenta elevadas quantidades de hidratos de carbono e proteínas, mostrando valores destas entre 136,4 e

das estirpes em estudo (bucais, urinárias, vaginais e de referência) [150]. Estes resultados, conjuntamente com os obtidos para as outras espécies estudadas, permitiram concluir que a composição da matriz dos biofilmes é bastante dependente da estirpe, fenómeno que não tem sido relatado em leveduras geneticamente próximas [150].

Os polissacarídeos da matriz extracelular de biofilmes de Candida são considerados componentes muito importantes, em particular o β-1,3-glucano que tem sido detetado na matriz de C. albicans e relacionado com a resistência dos biofilmes a antifúngicos [190,192]. O β-1,3-glucano, também presente na parede celular, é sintetizado por um complexo de glucano sintases ligadas à membrana, que usa a UDP- glucose como substrato e excreta o β-1,3-glucano através do espaço periplasmático

[192]. Um estudo de 2007 [192] verificou que além de estar presente na matriz, as

paredes celulares de células de biofilme de C. albicans continham maior quantidade em comparação com as de células plantónicas. Foi proposto que essa alteração na parede é possivelmente transitória e associada com a transferência de β-1,3-glucano para a matriz

extracelular [192]. Por outro lado, um estudo de 2012 [193] identificou três enzimas

(duas glucano transferases e uma exo-glucanase) essenciais para a transferência deste glucano da célula para a matriz e acumulação da mesma, que não têm qualquer impacto no conteúdo de β-1,3-glucano na parede celular nem na formação do biofilme. Este estudo demonstrou também que mutantes sem os genes que codificam essas enzimas (BGL2, PHR1 e XOG1) exibem maior suscetibilidade ao fluconazol e que tal se verifica apenas em biofilme [193]. Em relação à sua função na resistência, estes dois estudos e outros, têm demonstrado que o β-1,3-glucano confere resistência antifúngica à matriz por sequestro do antifúngico (atuando como “esponja”), impedindo que este atinja o seu alvo celular. Isto tem sido verificado tanto com azóis [192-194] como com equinocandinas, pirimidinas e polienos [195].

Em relação à regulação da matriz, em C. albicans o gene SMI1 tem sido associado à produção da matriz extracelular e desenvolvimento de um fenótipo resistente a antifúngicos, que atua através do fator de transcrição Rlmp e da glucano sintase Fks1 [189]. Para o fator de transcrição ZAP1 foi identificado um papel de

regulador negativo do β-1,3-glucano da matriz extracelular, e para duas glicoamilases,

codificadas pelos genes GCA1 e GCA2, de reguladores positivos da formação da matriz [196]. Um grupo de álcool desidrogenases foi também relacionado com a produção da matriz, sendo que as codificadas pelos genes LFD6 e a CSH1 atuam negativamente e a correspondente ao gene ADH5 positivamente [196].

De forma geral, os estudos relacionados com a matriz de biofilmes de Candida têm demonstrado que ela é altamente regulada e um fator essencial na resistência antifúngica. No entanto, os estudos são quase exclusivamente em C. albicans, havendo falta de conhecimento em espécies de CNA de importância clínica como C. glabrata. É assim importante o aprofundamento do conhecimento da composição matriz de biofilmes dessa espécie e sua influência na resistência a antifúngicos, o que poderá contribuir para o desenvolvimento de antifúngicos mais eficazes no tratamento de infeções relacionadas com eles, que se têm mostrado muito difíceis de controlar.

Objetivos

Até há alguns anos, grande parte das infeções humanas causadas por espécies de

Candida (candidíases) era atribuída a C. albicans. Recentemente, espécies de CNA têm

surgido como patogénicos comuns, como C. glabrata que é atualmente a segunda espécie mais frequente. As infeções causadas por esta espécie são de elevada importância clínica, uma vez que C. glabrata possui elevada resistência aos agentes antifúngicos mais usados em prática clínica além de formar biofilmes com elevado número de células, muito densos e com muita matriz, tornando-se muito resistentes. Apesar da falta de conhecimento sobre o mecanismo exato de resistência de biofilmes a antifúngicos é aceite que a matriz desempenha um papel essencial. No entanto, pouco se sabe sobre a composição da matriz de espécies de CNA como C. glabrata e principalmente sobre a influência que essa poderá ter na resistência. Assim, o objetivo deste trabalho foi a identificação e quantificação de compostos presentes na matriz de biofilmes de C. glabrata, quando expostos a um agente antifúngico de elevada importância nos nossos dias, o voriconazol, para assim se contribuir para um melhor esclarecimento da sua elevada resistência. Este antifúngico pertence à classe dos azóis e é um novo triazol que tem sido usado sobretudo no tratamento de candidíase provocada por espécies resistentes ao fluconazol como C. glabrata, por apresentar maior potência que esse. Neste estudo, testou-se então a resistência desta espécie (na forma plantónica e de biofilme) ao voriconazol e analisaram-se compostos da matriz (polissacarídeos, proteínas e ergosterol) de biofilmes de C. glabrata na presença do mesmo.