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A matriz de Santo Antônio

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2. O teatro social: o cotidiano da freguesia de Santo Antônio do Recife

2.1 O Espaço: Santo Antônio e seus arrabaldes

2.1.1 A matriz de Santo Antônio

A Igreja Matriz de Santo Antônio tem sua história marcada com a evolução da população na futura freguesia. É a partir da quantidade dos fiéis que a irmandade do Santíssimo Sacramento passa a perceber a necessidade de erigir um templo nas bandas de Santo Antônio, para poder atender melhor uma população cristã necessitada de um espaço para viver a experiência da fé e da sociabilidade, algo que seria proporcionado com o novo espaço, evitando que os fiéis tivessem de se deslocar para a freguesia de São Frei Pedro Gonçalves, para receber os sacramentos. Com isso, a irmandade instala um sacrário na igreja Nossa Senhora dos Rosários dos Pretos e posteriormente o transfere para outros templos da freguesia: Paraíso, Livramento e São Pedro. Enquanto o tempo passava e o sacrário era realocado nas igrejas, a irmandade vai dando prosseguimento ao projeto de construção de uma Matriz que pudesse receber em definitivo o Santíssimo Sacramento. Nesse intento, a irmandade adquire o local onde se deveria erguer a nova igreja, por meio de um leilão de bens públicos realizado na metade do século XVIII153. Foi comprado o local onde estava instalada anteriormente a casa da pólvora, com recursos próprios e de doações dos fiéis. Já no ano de 1753, aproveitando o espaço da antiga casa, foram feitos reparos e transformaram-no em uma capela, para onde o Santíssimo Sacramento foi transferido. Nesse mesmo ano, foi lançada a pedra fundamental do templo que se transformaria na Matriz de Santo Antônio com o já referido alvará de agosto de 1789.

Mesmo com a Igreja construída e em plena atividade na administração dos sacramentos, a irmandade ainda estava ligada à antiga paróquia, prestando satisfações à matriz do Corpo Santo, localizada na freguesia de são Frei Pedro Gonçalves. Somente no dia 13 de abril de 1793 é que a Matriz torna-se independente, mas desde o ano de 1790, o bispo da diocese a considera ereta e impõe o seu limite de abrangência154.

153 Acerca das datas do leilão e de quem comprou efetivamente a casa de pólvora, local onde foi erguida a matriz, Fernando Pio e Pereira da Costa informam anos e pessoas diferentes. Enquanto Pio nos informa o ano de 1748, com o comprador sendo Antonio Vaz, Pereira da Costa nos coloca uma outra data, o ano de 1752 e o comprador seria José Vaz Salgado. PIO, Fernando. A Igreja matriz do Santíssimo Sacramento do Bairro de Santo Antônio e Sua História. Recife: Editora Universitária da Universidade Federal de Pernambuco. 1973. pp. 23-33; COSTA, op. cit., 1984. p. 110.

Uma imagem do século XIX pode nos mostrar como a freguesia de Santo Antônio cresceu, confirmando a importância que já possuía desde os setecentos e que a tornou o local mais populoso durante muitas décadas na história do Recife. A abundância das casas comerciais, a imponência da matriz, ladeada pela Praça da Polé155, o hospital, outras tantas igrejas como a dos Militares, situada na Rua Nova de Santo Antônio156, ao lado da matriz, além de conventos como o do Carmo e de São Francisco.

Matriz de Santo Antônio do Recife e Rua Barão de Vitória – séc XIX

Figura 2: Rua Barão de Vitória – Matriz S. Antônio. Litografia. CARLS. F.H. In: Álbum de Pernambuco e seus Arrabaldes: 1878. Ed. Fac-Similada e ampliada. Recife: CEPE, 2007. p. 36.

A Igreja Matriz de Santo Antônio do Recife tem empossado o seu primeiro Vigário ainda em 1790, o padre Feliciano José Dornelas, que atua durante cinco anos, sendo substituído por Ignácio Álvares Monteiro157. Foram estes os encarregados de registrar os sacramentos nos livros que hoje nos tornaram possível trazer à luz histórias do passado colonial. Observando o livro de casamentos, podemos encontrar a primeira celebração matrimonial que ocorreu na nova Matriz. O

155 A Praça da Polé estava localizada na atual Praça da Independência, outrora funcionava neste espaço um mercado com 62 casinhas dedicadas à venda de produtos como farinha, cereais e legumes. COSTA, op. cit., 1984. pp.137-139.

156 A Rua Nova de Santo Antônio ficou mais conhecida no século XIX pelo nome de Rua Barão de Vitória, uma homenagem ao referido Barão por sua atuação na Guerra do Paraguai e que tinha seus restos mortais enterrados na matriz do Militares. ARLÉGO, op. cit., [s.d.].“sem paginação”.

enlace realizado em dezoito do mês de março do ano de 1790 teve como nubentes o casal Felipe da Costa e Anna Maria Caetana; ele filho de mãe solteira e crioula e ela fruto da união sacramentada de um casal de pretos158.

Com sua elevação à categoria de Matriz da freguesia, outras igrejas passaram a estar ligadas à Igreja de Santo Antônio. Os registros encontrados nos arquivos da mesma confirmam uma grande quantidade de outros templos espalhados pelo espaço do bairro. Tais igrejas deveriam enviar seus dados de casamentos, batismos e óbitos para serem registrados nos livros sob a guarda da paróquia, por isso encontramos ocorrências de celebrações sendo realizadas desde a parte de São José até a Boa Vista. Entre os locais que ocorreram celebrações e que fazem parte de nossos registros encontramos: Igreja da Conceição dos Militares, São Pedro dos Clérigos, Livramento dos Homens Pardos, Rosário dos Pretos, São José, Nossa Senhora do Terço, São José do Ribamar, Penha, Martírios, Santa Rita, Igreja da Congregação do Colégio, além das capelas particulares e de outras existentes em Santo Amaro, Aflitos, ou em locais mais distantes como a capela de São Francisco de Paula localizada na Várzea, entre tantas outras159. Essa prática demonstra a rede de articulação entre igrejas e capelas e a dependência que mantinham com a matriz.

158 Interessante perceber que a primeira união celebrada, além de ocorrer num período de proibição pelas leis eclesiásticas, como veremos adiante, é de pessoas de cor, elemento que os ligam à escravidão. Pensar que numa “inauguração” do livro de assentos de uma matriz dedicada ao Santíssimo Sacramento encontraríamos uma união que não fosse de uma família branca e rica, unindo seus filhos pode parecer estranho à primeira vista. Mas, ao menos em Santo Antônio, não existiram diferenças na escolha ao registrar casamentos, batismos e óbitos, todos foram registrados no mesmo livro, afinal todos estavam ali por serem cristãos e não pelas suas posições sociais. AMSAR. Livro I – casamento – 1790 – p. 1.

159 O costume de casar em capelas ou oratórios particulares esteve presente na realidade do Recife. Vários foram os casamentos em que a cerimônia foi celebrada no espaço religioso da casa de padrinhos, familiares ou conhecidos. Capitães, Professos da Ordem de Cristo e Padres também cederam os seus espaços particulares de oração para união de outras pessoas, brancos, pardos e até ex-escravos. Diferentemente do que poderia ocorrer em outras localidades, quando aproveitando a visita de um padre eram realizados casamentos, batismos e demais atos em que a presença de um clérigo fosse necessária. As uniões encontradas nos arrabaldes da freguesia ocorriam com o recebimento de uma dispensa. Ainda supomos que tais celebrações tinham uma certa ajuda, ocasionada pela influência dos donos dos oratórios, que em sua maioria foram pessoas estabelecidas socialmente e que deveriam conseguir alguns benefícios decorrentes de seu status social. A existência de oratórios foi comum no período colonial, juntamente com alguns nichos que serviam como locais de oração. No caso dos casamentos, todos foram celebrados em oratórios particulares, seja na casa de algum morador da freguesia ou padre que cedeu o seu lugar de devoção particular. Acerca desses espaços, principalmente os que existiam em locais públicos, Pereira da Costa diz que: “esses nichos eram pequenos santuários de madeira praticados na parede da fronteira das casas térreas [...] eram embutidos nas paredes, que pela sua grossura nas construções antigas, forneciam o fundo necessário, e ficavam em altura suficiente a colocar-se uma espécie de altar sobre a calçada para a sua ornamentação nos dias festivos, [...]; e na improvisada capela, elegantemente ornada, tinha lugar, em tais dias, a celebração dos atos religiosos”. COSTA, op. cit., 1984. pp. 492-493.

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